Fernando Andrette
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SERÁ MESMO?
Essa é uma frase que ouço constantemente em inúmeros fóruns internacionais, sendo quase que repetido como um mantra por diversos internautas.
Como não gosto de ler algo e não esmiuçar as entrelinhas, às vezes gasto horas lendo o tema que levou os participantes a fecharem suas acaloradas opiniões com a frase do título deste Opinião.
E confesso que a sensação que me fica é que esta frase é usada de duas maneiras: para encerrar uma discussão que não terá fim, ou para se evitar aumentar ainda mais a ‘temperatura’ e se criar um clima de tensão desnecessário. E geralmente o que percebo é que muitas vezes a discussão foge completamente do tema inicial, se embrenhando em posições ‘pessoais’ que pouco têm a ver com o tema.
É aí que me pergunto a razão deste desvirtuamento ser tão constante?
E lendo um excelente artigo publicado no dia primeiro de novembro, na BBC Notícias, me caíram várias fichas, o que acabou servindo de ‘mote’ para este artigo.
Pois mais uma vez a neurociência veio em socorro para nos esclarecer determinados comportamentos tão em voga, tanto em termos de audição, quanto de leitura. A pesquisa foi realizada pela neurocientista Maryanne Wolf, e levantou algumas questões muito pertinentes. Ela começa seu instigante artigo nos lembrando que “não há nada menos natural do que ler”. E reforça que a “alfabetização é uma das maiores invenções humanas, pois além de ter mudado e transformado a forma do homem interagir, se tornou uma ferramenta tão poderosa que transforma nossas mentes”.
Mas faz um alerta, ao nos mostrar que com o avanço da tecnologia e a proliferação das mídias, essa avalanche de informação tem modificado profundamente a forma como lemos.
E que apesar de estarmos lendo mais palavras do que nossos pais e avós (uma média de 100 mil palavras por dia!), a maioria, diz Maryanne, vem em pequenas pílulas de maneira resumida e tratada de maneira superficial, muitas vezes em assuntos por demais complexos para serem sintetizados. E isso está trazendo consequências, já que os circuitos cerebrais requerem múltiplas conexões de raciocínio abstrato, que em muitas dessas informações não estão presentes na leitura.
Pois ao contrário da linguagem oral, da visão ou da cognição, não existe uma programação genética no ser humano para aprender a ler. Ou seja, nascemos com uma audição e visão geradas geneticamente, mas para lermos, uma criança necessita à sua volta que os adultos conversem uns com os outros, para que sua linguagem seja ativada naturalmente. O que não ocorre com a leitura, que implica em uma aquisição de um código simbólico complexo, pois envolve visão, audição e verbalização.
E Wolf nos lembra que a leitura é muito mais recente na história da humanidade, pois tem apenas 6 mil anos! E que se iniciou para ajudar o homem a guardar certas informações, como a quantidade de ovelhas ou a quantidade de terras, e com o surgimento do sistema alfabético, passamos a ter um meio de compartilhar e armazenar conhecimento.
E com o mapeamento do cérebro, cada vez de forma mais precisa e instantânea, a neurociência consegue mapear as conexões entre regiões visuais, auditivas e de linguagem, com as regiões de pensamento e emoção.
E o mais maravilhoso é que essa transformação começa de maneira distinta para cada novo leitor, pois não existe dentro da nossa cabeça, e está ali esperando ser acionada. Cada pessoa que aprende a ler tem que criar um novo circuito em seu cérebro. Ou seja, cada um irá pavimentar sua estrada de conexões com o grau de desenvolvimento da leitura.
E como bem pontuou a escritora Cressida Cowell: “A leitura traz três poderes mágicos: criatividade, inteligência e empatia”.
E, voltando às descobertas da neurociência, já sabemos que a leitura traz inúmeros benefícios terapêuticos, como: melhorar a capacidade de concentração (e quanto mais interessante é a leitura, quase que nosso cérebro entra em um estado meditativo), além de benefícios físicos, como: diminuir os batimentos cardíacos, acalmar e até reduzir a ansiedade.
Na Grécia antiga, eram fixados cartazes na porta das bibliotecas lembrando os visitantes que estes estavam prestes a entrar em um local de cura da alma! E no século 19, médicos e enfermeiras prescreviam todos os tipos de livros para seus pacientes, desde a leitura da Bíblia para os religiosos, como romances e textos históricos.
O que o estudo da neurocientista Wolf nos chama a atenção, é que existem dois tipos de leitura: a superficial e a leitura profunda. E ela explica que na leitura superficial estamos apenas obtendo a informação. E quando lemos profundamente, estamos usando muito do nosso córtex cerebral.
Por leitura profunda, Wolf nos explica que significa fazermos analogias e inferências, o que permite sermos humanos, verdadeiramente críticos, analíticos e empáticos.
Existem estudos que nos mostram que, na leitura profunda, o caminho dos sinais através do cérebro muda. Pois em vez de percorrer um trajeto dorsal (que ocorre na leitura superficial), a leitura profunda passa a se deslocar por um caminho ventral, muito mais rápido e eficiente, e com isso o tempo despendido e o gasto de energia cerebral são menores, podendo associar a leitura profunda e integrá-la aos seus sentimentos e pensamentos, criando sua própria experiência pessoal daquela leitura profunda.
O segredo da leitura profunda está no tempo que ela libera para que o cérebro possa ter pensamentos mais profundos.
Agradeço imensamente se o amigo leitor teve a paciência de ter chegado até aqui, sem se perguntar aonde o Andrette quer me levar com essa sua narrativa, já que meu interesse é aprimorar minha audição e não minha leitura. Ok, você tem toda razão em me questionar, mas se você acompanha minhas opiniões nesta seção, assim como nos editoriais e no Espaço Aberto, poderá perfeitamente ver que os estudos da leitura profunda e seus benefícios, são muito semelhantes ao da Audição Profunda.
Pois assim como é possível mapear as diferenças entre uma leitura superficial e uma profunda, o mesmo ocorre entre ‘escutar’ e ‘ouvir’. E com sinapses muito mais complexas, acendendo várias partes do cérebro na audição correta, do que na leitura profunda.
E como a maioria dos audiófilos passa grande parte do seu dia a dia nos fóruns dedicados, dando pitacos e compartilhando suas opiniões e críticas, acho que um participante desses fóruns corretamente municiado de informações precisas, pode dar uma contribuição ao enriquecimento desses embates que, acredito, a médio prazo pode ser muito benéfico.
E aí chegamos ao ponto nevrálgico da questão do tema deste Opinião: o que significa ser bom para você? Como mensurar o estar bom do não estar?
Que referências cada um de nós usa para determinar o que é bom ou não em um setup de áudio?
Suponhamos que o tema não seja equipamentos de áudio, e sim receitas de purê de batata. Do que adianta discutir as receitas de purê de batata apenas lendo a receita e avaliando os ingredientes. Precisamos saber ler as receitas para identificarmos a que mais cai no nosso gosto, escolher entre elas a que julgamos que será a mais atraente ao nosso paladar e torcer para termos acertado.
E só saberemos apreciando o purê depois de feito. Claro que, se tivermos alguns dotes culinários, os riscos sempre serão menores, mas nada disso é certeza de acerto sem experimentarmos, não é verdade?
Pois existem macetes culinários, como a escolha dos ingredientes, o tipo de batata ideal para cozimento e não fritura, o tempo de cozimento das batatas, a quantidade de sal na água, o uso de manteiga ou azeite, o leite em que momento deve ser misturado a batata. São tantos os detalhes, que sempre haverá o risco da receita desandar.
Áudio não é diferente meu amigo, e com um agravante: todos os detalhes são cruciais. E assim como um masterchef não nasce sabendo, nosso sistema auditivo também não. Ele precisará ser refinado através dos anos, e só tem uma maneira disso ocorrer: ouvindo e ouvindo muitos sistemas, e aprimorando nossa audição com referências confiáveis, que só pode ser Música ao Vivo Não-Amplificada.
Não tem como pular todas essas etapas, pois se você tentar burlar este processo, seu conhecimento será restrito e o seu julgamento de ‘bom’ ou ‘ruim’ será totalmente equivocado.
O que mais eu leio nesses fóruns é o quanto de informação superficial é trocada como se fossem informações essenciais para todos. E o que mais noto é o quanto de sistemas sem o menor critério de escolha são utilizados como se fossem referências seguras! Sem método, não se chega a lugar nenhum – e isso não é uma suposição, é um fato inexorável!
Ou aprendemos o que temos que ouvir e como ouvir, ou nunca chegaremos a um porto seguro. Muitos dos nossos críticos dizem que queremos ditar regras – e eles estão certos se regras forem apenas pontos que não podem ser descartados, como: o uso de gravações realmente corretas e com excelente equilíbrio tonal, tratamento acústico e elétrico, e conhecimento de sinergia e coerência na assinatura sônica de qualquer sistema decente.
Nossas regras acabam aí, e a escolha dentro do gosto e do bolso correrá por conta do freguês.
O que garantimos aos nosso leitores, os que seguirem essas regras básicas, é: desfrutar de um sistema correto gastando apenas o que se propõe!
Agora, a todos aqueles que querem seguir seus ouvidos e acham que fóruns têm muito maior credibilidade, sigam o exemplo que li semana passada de um fórum regido por objetivistas, que teimam em achar que correções de salas com o uso de equalizadores DSP é a melhor solução do que fazer um tratamento acústico básico. Aí um internauta seguiu à risca o sugerido, e mandou um enorme desabafo, afirmando que os ajustes não deram certo – na hora que ele ligou dois subwoofers nesta sala. Que respondem a partir de 18 Hz. Se para 20 metros quadrados um sub já seria mais do que suficiente, imagine tentar ajustar dois!!!!
Fico pensando no leitor que está dando seus primeiros passos, querendo apenas dar ‘vida’ aos seus discos, em um sistema de melhor qualidade, e que tenta codificar todas essas ‘desinformações’.
E quando você começa a olhar as respostas, a partir da quinta ou sexta, o tema já mudou, sem que ninguém questione o que foi postado e como soaram as modificações na sala de quem sugeriu a ‘grande ideia’!
Acho que vivemos um momento muito tênue, pois de um lado nunca tivemos à nossa disposição tanta informação essencial, mas de outro temos uma avalanche de informações que jamais foram sequer colocadas à prova, pois muitas são puramente teóricas e sem nenhum critério de Metodologia.
Cada um terá que escolher o lado da fronteira em que deseja se manter. Do lado da informação superficial e escolhas auditivas sem critério e conhecimento prático/auditivo, ou do lado da informação profunda e da experimentação de tudo que seja importante para o refinamento de nosso sistema auditivo.
A escolha é totalmente sua, amigo leitor.
Da minha parte, só posso lhe desejar enorme discernimento nesse processo!