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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Assim que o pianista Nelson Freire era chamado pelo seu círculo de amigos mais íntimos. Todos que o conheceram e trabalharam com ele, são unânimes em afirmar que era um perfeccionista nato. Tanto que, em uma entrevista feita para o jornal O Globo em 2001, confessou não ouvir suas gravações nem durante nem depois de finalizadas, para não correr o risco de querer refazê-las. Seus dons artísticos floresceram prematuramente, ao ouvir sua irmã mais velha tocar peças ao piano, e ele as repetir de cabeça, aos 3 anos de idade. Com 5 anos, sua família se mudou para o Rio de Janeiro, atrás de professores que pudessem lapidar aquele grande talento. Aos 15 anos, foi estudar na Europa e, aos 19 anos, se apresentou pela primeira vez em Nova York, e o crítico de arte da revista Times escreveu: “um dos maiores pianistas desta ou de qualquer outra geração”. Por anos, Nelson Freire preferiu se apresentar nas melhores salas de concerto, do que estar em um estúdio de gravação – mas felizmente para todos nós, ele reviu essa sua posição e o mundo ganhou inúmeras gravações suas, primorosas. São mais de 50 discos, e deixo aos leitores escolherem as suas preferidas. Eu nunca escolhi as minhas de cabeceira, pois ainda as estou estudando, pois à medida que penetro no âmago de suas interpretações, descubro assombrosamente mais e mais detalhes de suas intencionalidades, nunca antes percebidas. Em um artigo brilhante para o El Pais, Vladimir Safatle fez uma radiografia profunda da genialidade de Nelson Freire, que ajudará o leitor a entender o que desejo expor de suas ‘intencionalidades’. Ele fala da disciplina aliada a elegância de Nelson Freire, não da disciplina para o músico memorizar uma partitura e tocá-la corretamente. “E, sim, da disciplina ‘corporal’, para dar forma e expressividade fiel ao que uma partitura pede, como um legato, uma intensidade fortíssima, do abrir e fechar os braços para encontrar o peso adequado de um arpeggio. Ou como usar a força distinta de cada dedo para criar a coloratura expressiva da interpretação”. E arremata sua descrição de forma precisa ao escrever: “Podemos não saber se uma indicação de pianíssimo em uma partitura indica ternura, solidão, tristeza ou quietude contemplativa, mas sabemos quais gestos corporais são necessários para o pianíssimo aparecer. Sei como meu corpo deve estar, de que parte do corpo deve vir o peso do toque”. Os musicistas chamam essa construção técnica do músico de ‘corpo expressivo’, e isso se traduz na reprodução eletrônica em um sistema corretamente fidedigno ao que foi gravado, de ‘vermos’ o que ouvimos (em toda sua intencionalidade). E temos essa ‘visão’ do que estamos escutando em todas as gravações de Nelson Freire, sem exceção! Pois, neste aspecto, Nelson Freire usou esta técnica da construção de um ‘corpo expressivo’ como nenhum outro pianista, alinhando sensibilidade musical com uma disciplina corporal impressionante. E isso claramente reflete em todas as suas apresentações ao vivo ou gravadas. Mesmo nas obras mais complexas, em que outros grandes pianistas tiveram que fazer opções para executar corretamente aquela peça, Nelson Freire sempre achou uma maneira de dar seu toque, com elegância e total clareza. Por diversas vezes escrevi o motivo de utilizar o CD Chopin – Études, op 10 – Barcarolle, op.60 – Sonata no. 2 (Decca), para avaliação de transientes na nossa Metodologia, e falo da dificuldade existente na faixa 12, o último estudo opus 10. Pois tenho dezenas de gravações desta obra, com outros excelentes pianistas, e o que é notório ao comparar a apresentação de Nelson Freire com outras interpretações, é a clareza que ouvimos nota por nota da mão esquerda e direita, e que surpreendentemente não há essa mesma segurança e clareza em outras gravações. A sensação é que ele sempre achou a solução correta para manter total clareza e refinamento expressivo para cada nota e, para se chegar a este grau de precisão, Nelson Freire viveu para seu piano. A rádio France Musique descreveu a morte de Nelson Freire com a seguinte frase: “Um monstro sagrado do piano nos deixa”. Peço aos nossos queridos leitores que, antes de folhear a revista, escutem como uma homenagem póstuma – Orfeo ed Euridice de Gluck que extraí do disco a Arte de Nelson Freire, que também indico na playlist deste mês.

OUÇA GLUCK ED EURIDICE, WQ.30 THE ART OF NELSON FREIRE, NO TIDAL.

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