Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
A comunidade audiófila – incluindo muitos profissionais da área – tem algumas das ideias mais esquisitas que, para quem é estudado e esclarecido, soam como algum obscurantismo da idade média. Ou seja, a primeira coisa que passa pela cabeça é: “como é possível alguém pensar isso, ainda?”. É como se um cientista tivesse que ouvir alguém dizer que o homem não foi à Lua, ou que a terra é plana.
OK… estou exagerando um pouco. Mas, às vezes, é quase isso. Ideias como a funcionalidade dos cabos em sistemas de som, e qual é a referência sonora e porque, são coisas que são tão óbvias que não precisariam mais estar sendo discutidas. Mas, estão…
Devo esclarecer um ponto – antes que alguém me pendure com um fio de nylon, pelo dedinho na lateral de um prédio bem alto. O ponto é: Cada Um Ouve o Que Quiser Ouvir – assim mesmo, com maiúsculas. Ninguém jamais vai ser capaz de ditar o que outra pessoa quer ou gosta de ouvir. Existe uma diferença conceitual gigantesca entre ouvir o que se gosta quando se está curtindo sua música e seu equipamento, e ouvir música que vá mostrar as melhores qualidades desse equipamento durante uma demonstração do mesmo ou durante o processo de ajuste e setup desse sistema de som.
Quando você precisa obter o melhor do seu equipamento, para ajustá-lo ou demonstrá-lo, você vai usar as melhores gravações das melhores músicas. E como é que você sabe se a gravação é boa, se não sabe se ela é fiel ao(s) instrumento(s) registrado(s) nela?
Você precisa dos instrumentos que tenham as melhores qualidades, captados e gravados com a maior fidelidade possível a eles e à suas qualidades. Assim obterá a melhor qualidade sonora de seu sistema quando demonstrá-lo – e saberá, durante o processo de ajuste e setup, se está ‘chegando lá’, se está obtendo o melhor dele ou não.
E, com o sistema ajustado para o seu melhor, na hora de ouvir música você, claro, ouve aquilo que quiser ouvir. E, além disso, esses outros gêneros e tipos de gravações, irão soar melhor em um sistema ajustado, do que em um não ajustado.
Música ao vivo é a grande referência de qualidade sonora?
Primeiro, é preciso esclarecer mais detalhadamente isso. Não é qualquer música ‘ao vivo’. Por exemplo: música cujos instrumentos são microfonados e ligados a caixas de som amplificadas, como em shows ao vivo de rock, pop e uma infinidade de gêneros, NÃO é referência de qualidade de som. O som de instrumentos acústicos ao vivo, ou seja, presencialmente (de máscara ou não) é, sim, a Referência Máxima do que ‘é qualidade sonora’. Ou seja: música clássica e orquestral, jazz e afins, e outros tipos de apresentações que se utilizem, principalmente, de instrumentos acústicos (não elétricos, não eletrônicos, não amplificados). Mas e a guitarra elétrica, por exemplo? Ou um bom sintetizador? Esses, infelizmente, não têm a mesma riqueza e naturalidade tímbrica, e de textura, e de corpo harmônico, que um instrumento acústico tem.
Sabendo como esses instrumentos tocam, entendendo e percebendo as características de como eles soam, é o que deve ser usado como referência para se saber se os mesmos instrumentos, em uma gravação, estão bem registrados e representados. E, se estiverem bem registrados, servem para serem admirados (se for esse o tipo de música que você gosta) e servem para ajustes de sistemas e casamento entre seus melhores componentes. E, claro, quando eu vou à uma loja, showroom, sala de cliente, sala de amigo, Hi-End Show, etc., eu quero ouvir aquele sistema dando o seu melhor!
Para entender melhor a referência, é preciso observar e aprender sobre esses instrumentos Qualitativamente. Ou seja, observar e entender suas qualidades, não suas ‘quantidades’. Temos uma tendência a observar no som se ele tem ‘mais isso’ ou ‘menos aquilo’ – mais grave, menos agudo, etc. Isso é um ponto de vista limitante sobre uma sonoridade cheia de aspectos e detalhes a serem reconhecidos.
Sim, eu falo muito de “aprender”, porque é um aprendizado, requer atenção, conhecimento, uma certa dedicação – mas sempre achei que isso tudo era muito prazeroso para os fãs, para os amantes de áudio de qualidade, e nunca um fardo. Se eu sou fã de algum esporte, o processo de estudar e entender os aspectos Qualitativos dele são parte integral do processo. Ou, pelo menos deveriam ser. ‘Qualitativo’ é sempre mais profundo e especializado, requer uma compreensão melhor e maior, do que o ‘Quantitativo’, que é superficial, que qualquer pessoa sem aprimoramento, dedicação e conhecimento, consegue observar – mas também pouco ou nada diz sobre a qualidade de algo.
No caso da audiófilia, a gente espera que esse processo de aprendizado profundo não só seja um prazer, como seja algo padrão, algo que naturalmente faz parte do hobby. Afinal, a audiófilia não é adoração a equipamentos de som caros, mas sim um gosto especial por qualidade de som, por qualidade de reprodução sonora. Ninguém precisa ser audiófilo para gostar de música, e nem mesmo para adorar música! Mas, a Audiófilia está associada natural e intimamente com o conceito de Qualidade.
Sejamos, então, mais Qualitativos e menos Quantitativos.