Editorial: PARA A MINHA FILHA E TODOS AQUELES QUE NASCERAM DEPOIS DE 1984

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Minha filha completará, agora em julho, 11 anos. Seu interesse por música vem desde os três anos. Ao contrário do irmão, que antes mesmo de andar, ao escutar música vindo da sala de trabalho, engatinhava todo o corredor, se erguia com muito esforço, para alcançar a maçaneta da porta e se não conseguia abrir, batia com aquelas pequenas mãos, até o pai abrir. Ao ver que tinha conseguido, abria um largo sorriso e pedia colo, para ficar comigo, às vezes por horas, sem adormecer. Minha filha descobriu a música através de um teclado, que além de ritmos, tinham algumas músicas pré-selecionadas. Sua fixação pela melodia de Let It Be, de Paul McCartney, foi instantânea – era de longe sua preferida cada vez que brincava com aquele teclado. Nunca irei esquecer o dia que a levei à sala de trabalho, junto com o teclado, falei para ela tocar a música e depois coloquei o LP – não sabia como ela iria reagir, pois a versão no teclado era instrumental. Pois bem, ao entender que se tratava da mesma melodia só que, agora, cantada, ela ficou literalmente em estado de êxtase. A cada término, só ouvia ela dizer: “de novo”, e este de novo se estendeu por meses a fio. Após esta fase, seu interesse por música foi ampliando e a música clássica se tornou seu estilo favorito, principalmente o piano. Ela escuta realmente com enorme interesse, e consegue desde muito cedo (7 anos talvez) observar diferenças quando o pai troca os cabos ou uma peça do sistema.

Mas sua admiração mesmo são os LPs e como eles tocam. Depois de mostrar, com uma lupa, os sulcos do LP, contei para ela tudo que meu pai um dia pacientemente me ensinou, de como os discos são feitos, quando surgiu o primeiro LP, o que a agulha faz ao tocar na superfície do disco, e achei que poderia dedicar este editorial a minha filha e a todos que nasceram após o surgimento do CD. Minha filha é muito objetiva, e florear as respostas a tira literalmente do sério. Então fui bastante sucinto na resposta. Expliquei que a ideia de gravar sons veio do fonógrafo, lançado há 140 anos, que os primeiros discos eram pesados, rígidos e quebravam muito fácil. Cada lado permitia a gravação de apenas uma música. E que em 1948 a gravadora americana Columbia Records lançou o primeiro LP, com uma apresentação no Hotel Waldorf-Astoria, em Nova York. Mostrei a ela com uma lupa os sulcos do disco, expliquei que entre cada faixa, não existe sulco, e que cada LP suporta no máximo 22 minutos de cada lado, e que por isto a Nona Sinfonia de Beethoven tinha que ser gravada em dois LPs (ela adora essa sinfonia). Expliquei que os sulcos ficam em ângulo reto um com o outro, para que a ponta da agulha navegue entre os dois sulcos (canal direito e esquerdo). Que o lado mais próximo da borda externa do Lp carrega todas as informações do sinal direito e a borda que dá para dentro do LP, as informações do canal esquerdo. Sua curiosidade sempre foi em relação às cápsulas e suas minúsculas agulhas. Para ela entender como a agulha trabalha, fiz ela encostar a orelha bem próxima do toca-discos e ouvir aquele som agudo que sai do atrito da agulha com os sulcos e ela ficou ainda mais maravilhada. Aí eu expliquei que o cartucho que envolve a cápsula é feito de um ímã móvel e uma bobina móvel, sendo que ambos trabalham com o princípio de usar o movimento da agulha e do cantilever (onde a agulha é afixada) para gerar o campo magnético. E que aqueles quatro fios coloridos presos atrás da cápsula transmitem aquele pequeno sinal captado pela agulha, ampliado sutilmente pela cápsula, até um pré de phono, que irá se encarregar de ampliar o sinal até que se torne pleno e audível.

Depois de uma hora de explicação e novas perguntas, se podíamos recuperar discos danificados, e como cuidar dos discos para que eles durem para sempre (crianças sempre desejam que tudo termine como em um conto de fadas, rs), peguei um disco de 1963 e mostrei visualmente os riscos de décadas de uso e o atrito inerente cada vez que há o contato da agulha com o disco, e a fiz entender que esses riscos não são possíveis de eliminar. Porém, sujeira, mofo e gordura sim. Toquei uma faixa deste LP de 1963, pedi para ela marcar os plocs e ruídos estranhos e depois a ajudei a lavar o disco na máquina. Tirando o barulho ensurdecedor de um aspirador de pó no seu ouvido, ela adorou ver todo o processo. E a deixei colocar no toca-disco para ouvirmos de novo a mesma faixa. Adorou a melhora e todo o processo de preservar e saber que aquele disco já foi do avô, está com seu pai e um dia será dela e do irmão.

Todos tentam explicar a magia e a admiração que as novas gerações têm pelo LP. Falam do tamanho das capas, que o som é mais natural, etc, etc… Acho que vai muito além, pois o toca-discos possui um efeito quase hipnótico e ritualístico. E, meu amigo, se todos os jovens tiverem a chance de escutar um sistema analógico bem ajustado e excelentes gravações do período de ouro de 1960-1980, como sempre brinco no Curso de Percepção Auditiva no Nível 3 (justamente o que comparo CD x LP) é o “massacre da serra elétrica”. Quando contei isto para a minha filha ela riu muito (ainda que, como eu, deteste filme de terror). E depois de ouvir pela milésima vez Let It Be em LP e depois CD, virou para mim e com aquele sorriso desconcertante disse: “É mesmo um massacre, pai”!

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