Entrevista: EGBERTO GISMONTI, compositor e multinstrumentista

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Nascido de uma família musical, em 1947, na cidade do Carmo no Estado do Rio de Janeiro, Egberto Gismonti começou a estudar piano aos seis anos de idade e, na adolescência, também flauta, clarinete e violão no Conservatório Brasileiro de Música.
Depois, em 1968, estudou música dodecafônica com Jean Barraqué e análise musical com Nadia Boulanger, na França. Na década seguinte passou a dedicar-se à música instrumental e à experimentação, explorando instrumentos como o violão de oito cordas, a flauta e os sintetizadores, e estudando gêneros musicais como o choro e a música indígena brasileira. Com uma carreira sólida como compositor, instrumentista e arranjador, e com uma discografia que excede 50 álbuns, muitos deles gravados por selos europeus, Egberto Gismonti colaborou ou teve parcerias com vários músicos, entre eles Jane Duboc, Naná Vasconcelos, Charlie Haden, Jan Garbarek, André Geraissati, Hermeto Pascoal, Airto Moreira e Flora Purim.

Como começou seu contato e descobrimento da música?

Minha irmã começou seus estudos de piano e eu fui ouvindo, acompanhando e acabei gostando. Quando tinha cinco ou seis anos, descobri como brincar de imitar minha irmã tocando. Fui tirando as músicas de ouvido enquanto meus pais foram se animando, até que resolveram me colocar na mesma escola da irmã: Conservatório Brasileiro de Música, em Nova Friburgo.

Quando e como você soube que iria ser músico?

Por conta da musicalidade da família Gismonti (avô, tio, pai, mãe, irmãs etc.), devo ter ouvido deles milhares de vezes a afirmação de que, como o Antônio (meu avô) e o Edgar (meu tio), eu, o Betinho, iria ser um ótimo músico! Por isso, minha resposta é: nunca pensei em não ser músico.

Fale-nos sobre como foram seus estudos formais e informais de música, de sua formação como artista.

O Conservatório Brasileiro de Música em Friburgo correspondia ao do Rio de Janeiro, que era, nas disciplinas e matérias, uma extensão do Conservatório de Música de Paris. Isso fez com que eu estudasse, em paralelo aos anos do curso de piano, matérias necessárias aos que pretendessem ser intérpretes (música europeia), compositores (baseado nos princípios da música europeia) ou professores de piano e música. Os cursos de Teoria Musical, Canto Orfeônico, Harmonia, Composição, Contraponto, Fuga, Orquestração… foram definitivos para minha formação. Por outro lado, desde o interesse de ‘brincar de imitar a minha irmã tocando’, sempre tive vontade de ouvir todo tipo de música. Minha mãe e suas irmãs cantavam bem na igreja do Carmo; meu tio Edgar, maior mentor intelectual e musical, era compositor de dobrados, sambas e hinos (incluindo o da cidade do Carmo, onde nasci); meu avô Antônio era um compositor maravilhoso, além de alfaiate; meu pai tocava nos bailes da pensão da cidade; tio Edgar dirigia a bandinha da cidade; meu avô tocava piano acompanhando os filmes mudos… Com tudo isso dentro da família, não foi difícil crescer sem preconceito musical e, pouco a pouco, procurar a minha linguagem usando ou transpassando por tantas influências ou variações musicais.

A formação como artista também dependeu de trabalho, de sorte e das oportunidades que os anos 70 nos deram, a todos da minha geração. Mudei-me para o Rio de Janeiro em 1968, ainda com 20 anos. As primeiras pessoas que conheci já foram inteiramente definitivas na minha formação artística: Bené Nunes, Dulce Bressane, Geraldo Carneiro, Tom Jobim, Baden Powell, Geraldinho e Nando Carneiro, Roberto Menescal, Durval Ferreira, Carlos Monteiro de Souza, Maestro Gaya, Wilson das Neves, Sergio Barroso, Novelli, Jane Duboc, Robertinho Silva, Luiz Alves, Nivaldo Ornelas, Hermeto Pascoal, Victor Assis Brasil, Luis Eça, Maysa, Agostinho dos Santos, Lozir Viena, Nana Vasconcelos, Mario Tavares, Peter Dauelsberg,
Copinha, Odette Ernest Dias… Foram muitos os amigos que direta ou indiretamente influenciaram na minha vida artística.

Como é ser intérprete e compositor de música no Brasil? A trajetória para um músico se realizar profissionalmente é hoje muito diferente de quando você começou?

É muito bom, sobretudo quando se tem consciência de que o nosso ‘nascedouro musical’ é imenso, diversificado e tão variado como nós que formamos o povo miscigenado brasileiro. Acho que a trajetória para um músico hoje é bastante diferente da que percorri. De qualquer forma, não posso julgar se é mais ou menos difícil. Os tempos são diferentes e o meu ponto de vista representa tudo o que vivi e continuo vivendo. Nenhuma opinião pode ser comparada à outra. A minha opinião de hoje é consequência da que eu tinha hoje cedo, ontem ou anteontem.

Vários bons músicos brasileiros têm transitado entre gêneros, como a música brasileira, o jazz e o erudito. Como se dá seu contato com os vários gêneros musicais?

Dá-se a partir do que respondi no início: família grande, muito musical, ouvindo de tudo, mistura de árabes e italianos… Deu nisso.

Gravar é mais importante do que apresentar-se ao vivo? Qual realiza melhor o processo criativo do músico?

Até alguns anos atrás estive certo de cada forma poderia ser a mais importante. Hoje, o processo que realmente gosto é apresentar-me ao vivo e gravando. Os meus discos mais recentes têm sido gravados ‘ao vivo’.

Como é se apresentar e gravar no exterior? Fale um pouco sobre seu trabalho com o selo alemão ECM.

O exterior pode ser muito grande… A Europa me levou aos Estados Unidos, que me levou à Ásia. São 40 anos tocando, gravando, ouvindo e conhecendo pessoas, músicos, fazendo amizades em todos os cantos do mundo. Acho que se todos os ingredientes necessários funcionarem bem durante o desenvolvimento de uma carreira, de viagens e apresentações, apresentar-se no exterior ou no Brasil pode criar amizades com famílias inteiras – quando isso acontece, a música está premiando todos os músicos. Falar da ECM é como falar de uma relação que se desenvolveu de forma singular e muito bacana. O diretor e produtor do selo alemão Manfred Eicher e eu nos permitimos que, pouco a pouco, nossos trabalhos se misturassem e se transformassem em uma amizade bastante estável. Evoluímos juntos, ECM e eu. Fizemos muitos discos usando títulos (dos CDs e das faixas) em português, até chegarmos ao estágio de coprodutores: ECM e Carmo Produções.

O intérprete e a música brasileira são mais valorizados lá fora do que aqui?

Depende do ponto de vista. Se considerarmos que quando dizemos ‘lá fora’, estamos falando de um mundo de pessoas residentes de um mundo de cidades e Países, sim; se forem somadas todas as pessoas que seguem o que eu faço fora do Brasil, certamente o número pode ser maior do que o do Brasil. Se, por outro lado, considerarmos que o Brasil é a semente dos intérpretes ou da música brasileira que atravessa oceanos há décadas, a resposta seria não, a pergunta não procede… uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. O melhor disso é poder ter os dois pontos de vista e ficar feliz por ter sido reconhecido em muitos lugares.

Quem são seus ídolos e inspirações no mundo da música e fora dele?

Se eu fizesse uma lista dos meus ídolos musicais, encheria muitas páginas da revista. Explico: aprendi que existem somente dois tipos de música na minha vida: 1) a que preciso ouvir para viver; 2) a que certamente precisarei ouvir no futuro. Neste caso é fácil deduzir que a lista seria imensa. Depois que percebo a dimensão de um compositor (de qualquer gênero de música), ele passa a residir nas minhas necessidades cotidianas, as que me fazem viver.

Como o Egberto Gismonti vê o seu futuro?

Houve uma época que eu fazia previsões a cada ano ou a cada dois, três ou quatro anos. Não acertei em nenhuma das vezes. De muitos anos para cá, ‘deixo a vida me levar’.

Egberto Gismonti

2 Comments

  1. Vera Silva disse:

    Gostei muito do artigo do seu site. Estarei acompanhando sempre.Grata!!!

  2. Margaret Duarte disse:

    Entrevista importante, as respostas fazem valer o grande músico que E. Gismonti é.
    Parabéns pela entrevista.

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