Discos do mês: DOIS CLÁSSICOS ERUDITOS & UM CLÁSSICO DO ROCK

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Com esta coluna eu não tenho por intuito abordar gravações consideradas audiófilas – apesar de haver aqui claramente um intuito de mostrar gravações de qualidade técnica superior.

Primeiro porque as gravações audiófilas são, praticamente sempre, de qualidade de gravação superior, então não precisariam ser sugeridas aqui por esse quesito. Segundo porque, infelizmente, muitas das gravações audiófilas que eu encontrei no meu trajeto foram de qualidade musical de gosto duvidoso, ou mesmo inferiores.

A ênfase aqui é em discos que sejam de boa música, bem bolada, bem composta e bem tocada, e que tenham também boa qualidade de gravação – ou seja, material para alimentar nossos sistemas de áudio e nossas almas.

Quando fui selecionar quais discos que sugeri mês passado, de uma maneira inconsciente saiu uma seleção com um rock, um clássico e um world-music. Garanto que apenas selecionei os discos e, depois de escrito o artigo, é que percebi a variedade.

Da mesma maneira, este mês selecionei o que eu achei mais interessante – e o resultado foi: um rock e dois clássicos. Bom, como meu gosto é eclético, procuro ouvir música boa não importando de qual século ela venha, achei a seleção plenamente válida.

Desta feita, temos o rock progressivo eterno do grupo inglês Pink Floyd em seu ‘canto do cisne’, um clássico barroco tardio pouco conhecido, e um clássico do período do Romantismo, tardio também, de um mestre orquestrador austro-germânico. Ou seja, decentemente variado.
Vamos à eles:

Pink Floyd – The Endless River (Parlophone/Columbia, 2014)

Todo mundo sabe quem é banda de Rock Progressivo Pink Floyd. Até meu pai, que praticamente só ouvia música clássica, apreciava um bom Pink Floyd de vez em quando. Acho que mesmo quem não gosta de Floyd – se é que isso existe – deve ouvir os melhores discos da banda, escondido, como um tipo de prazer secreto.

Bom, este Pink Floyd – The Endless River – é um bicho um pouco diferente. É uma homenagem do líder atual da banda, o guitarrista David Gilmour, ao seu tecladista extraordinário Richard Wright, falecido em 2008.

Primeiro, um pouco da história da banda. Para todos os efeitos, o Pink Floyd começou em 1965, em Londres, na Inglaterra, e acabou oficialmente em 2014 com este disco: The Endless River. A formação iniciou-se, pois, com o guitarrista (e depois baixista) Roger Waters se juntando à dois colegas seus, estudantes de arquitetura da Politécnica de Londres: o baterista Nick Mason e o guitarrista (e depois tecladista) Richard Wright – pois teclados ainda não eram, nessa época, instrumentos tão difundidos e usados. Junto com outros amigos, eles formaram o sexteto Sigma 6, o qual apenas tocava no salão da própria faculdade.

Após algumas alterações na formação e nome da banda, entra o guitarrista Syd Barrett, amigo de infância de Roger Waters, e este último passa então permanentemente à posição de baixista. Nasce o nome The Pink Floyd Sound – depois encurtado para apenas Pink Floyd – que homenageia dois músicos de blues dos quais Barrett era fã: Pink Anderson e Floyd Council.

O Floyd logo toma Londres como uma de suas principais bandas underground, o que os leva a assinar um contrato com a célebre gravadora EMI, e ao lançamento de seu primeiro disco: Piper at the Gates of Dawn, em 1967. Esse mesmo ano ficou marcado pela, digamos, ‘incidental’ adesão de Syd Barrett ao consumo exacerbado de LSD – sendo que muita gente ainda credita seus problemas mentais ao uso excessivo dessa droga. Até hoje ninguém, nem a banda, nem amigos, nem médicos, conseguiu afirmar com certeza se o surto mental que tirou Syd Barrett da banda (do convívio social e, depois, da vida) foi causado ou apenas apressado pelo uso extensivo de LSD. O fato é que, antes do fim do ano de 1967, David Gilmour – que era amigo de Barrett de seu tempo em Cambridge – entrou no Pink Floyd na função de guitarrista e principal vocalista, ou seja, no lugar de Syd Barrett.

Acredito que a sonoridade do Pink Floyd, a qual se alterou bastante ao longo dos anos, possa ser dividida basicamente em três períodos. O primeiro é o psicodélico da fase inicial, que produziu cinco álbuns seminais até 1971. O segundo período engloba desde o disco mais celebrado da banda até hoje, um dos campeões de venda de todos os tempos, The Dark Side of the Moon, até a saída de Roger Waters da banda ao fim do disco The Final Cut, de 1982 – após ter sido o líder quase inconteste da banda nesse período, e ter politizado muito sua sonoridade e temática. A terceira fase, com a ressurreição da banda com Gilmour como líder, produziu apenas três álbuns de estúdio: Momentary Lapse of Reason (1987), Division Bell (1994), e o aqui destacado The Endless River (2014).

O primeiro período é tido por muitos, fãs e especialistas, como o mais único e criativo, seminal, sendo provavelmente o maior pilar do Rock Psicodélico, o Floyd mais puro. O segundo período traz uma experimentação de estúdio e uma elaboração de arranjo e composição como poucas vezes foi visto no rock. E o terceiro período mostra uma banda por vezes mais pop, mas igualmente elaborada e grandiosa – sendo que proveu dois discos duplos ao vivo, e um DVD, todos campeões de venda, que mostram a grandiosidade do ‘Maior Espetáculo da Terra – versão Pink Floyd’.

Sempre vai haver um fã da banda que irá lhe dizer porque cada um dos três períodos é melhor do que o outro. E porque o outro, ou outros, “não presta(m)”. Eu mesmo considero como se cada período fosse literalmente uma banda diferente – e cada qual tem trabalhos que constarão para sempre no Hall da Fama do Rock Progressivo, e do Rock como um todo.

O trabalho do tecladista Richard Wright é, junto com a guitarra de David Gilmour, o que mais identifica a sonoridade geral do Pink Floyd. Tanto que não consigo imaginar, por exemplo, o disco Division Bell, de 1994, sem os teclados. Durante a gravação desse disco, Wright começou a trabalhar em um projeto – não concretizado – de gravar um disco só de teclados no estilo Ambient, uma forma de música eletrônica lenta, minimalista e atmosférica. Várias faixas de material desenvolvido para o Division Bell, e não usado, têm essa característica e estilo. Algumas até têm participações dos outros membros da banda.

Rick Wright

Infelizmente, em 2008, Rick Wright faleceu de câncer, o que levou os membros ativos remanescentes a darem as atividades da banda como encerradas. Interessantemente, Gilmour e o baterista Nick Mason resolveram fazer uma boa triagem do material deixado por Wright na gravação do Division Bell, e finalizaram algumas faixas quase prontas, e inseriram sua instrumentação em outras que estavam apenas começadas. Nasceu aí a maior homenagem que seus amigos poderiam dar: um disco praticamente póstumo do Pink Floyd com ênfase no trabalho de teclados de Rick Wright – dando por encerrada, oficialmente, a carreira de uma das maiores bandas do Rock.

The Endless River é um disco muito interessante, aliás, e é um pouco diferente do que a banda ofereceu ao público em qualquer um de seus três períodos. É um disco bonito, e muito, muito bem gravado.

Destaque para as faixas It´s What We Do, Sum, e Talkin’ Hawkin’, dentre várias outras!

Pode ser encontrado em: CD / Vinil / Streaming.

Rameau – Une Symphonie Imaginaire (Archiv Produktion, 2005)

Este é um disco interessante, de uma bela música não muito conhecida, e com uma qualidade de som excelente. Ouvi pela primeira vez o SACD, em uma demonstração em um Hi-End Show em São Paulo, anos atrás.

Nascido em Paris, o regente francês Marc Minkowski, juntamente com a orquestra Les Musiciens du Louvre – que ele fundou em 1982 justamente para dedicar-se às execuções com instrumentos de época da música barroca francesa – fez um excelente trabalho arregimentando este disco, que é uma coletânea de peças orquestrais do francês Jean-Philippe Rameau para o teatro de ópera, peças como aberturas, interlúdios e fechamentos de cenas de várias óperas.

Pouco tocado e gravado, o trabalho de Rameau saiu fora de moda no final do século 18, voltando a ser descoberto, apresentado e gravado no século 20. Um orquestrador hábil e consumado, nascido em 1683, só começou a ter seu trabalho reconhecido e mencionado em 1722, quando em Paris publicou um livro de teoria musical chamado Traité de l’Harmonie Réduite à ses Principes Naturels, que estabeleceu sua reputação. Logo suas peças para cravo e, subsequentemente, suas composições operísticas – as quais ele começou a compor quando já com meia-idade – passaram ser executadas e difundidas por toda a Europa.
Sua vida anterior ao sucesso do livro, entretanto, permanece sendo bastante misteriosa. Dizia-se que mesmo sua esposa, Marie-Louise Mangot, pouco sabia dos detalhes da vida pregressa do compositor. Filho de um organista, Rameau aprendeu música antes de ler e escrever, tendo trabalhado também como organista em Dijon, onde nasceu, depois Lyon e Clermont-Ferrand. Em 1720 mudou-se definitivamente para Paris onde, efetivamente, começou sua carreira como compositor.

Considero a música de Rameau muito interessante porque, apesar da estrutura e forma antigas para a época – já no final do período barroco – as técnicas de composição são mais modernas, consideradas até inovadoras para a época, parecendo para muitos que o trabalho dele era até revolucionário, com suas harmonias complexas.

Marc Minkowski

A ‘Symphonie Imaginaire’ compilada por Minkowski é excelente porque, além de ser uma mostra bastante completa, uma visão geral, do trabalho de Rameau, foram peças musicais muito bem escolhidas pois, realmente, acabam juntas parecendo uma obra orquestral só, mostrando a coesão do portfólio do artista.

Quanto à gravação, Une Symphonie Imaginaire usa músicos de primeira categoria, com instrumentos de época, e uma captação moderna com grande dinâmica e a excelente ambiência do belíssimo Théâtre de Poissy – mostrando até aqui a capacidade dessas obras serem inovadoras dentro de seu gênero. Excelente Super Audio CD, e excelente masterização para a camada PCM.

Destaque para Ouverture (da obra Zais – faixa 1 do disco), e La Poule (da obra 6 Concerts Transcrits en Sextuor – faixa 11 do disco), particularmente interessantes.

Pode ser encontrado em: CD / SACD / LP / Streaming.

Bruckner – Symphony nº 2 – Münchner Philharmoniker – V. Gergiev (2019)

Em cada regente novo que assume uma orquestra, ou em cada nova orquestra que é montada ou reestruturada, parece fazer parte do mise-en-scène ou do ‘job description’ gravar algumas obras – ou às vezes até ciclos inteiros. Duvido muito da viabilidade comercial dessas empreitadas, e tenho a impressão de que são feitas para mostrar ao mundo da música clássica a capacidade da tal orquestra ou regente, buscando uma espécie de aprovação curricular.

Muitos regentes, ao longo dos anos, claro, fizeram até mais de uma gravação do ciclo completo de sinfonias de, digamos, Beethoven, simplesmente por ego, ou por um tipo de perfeccionismo de achar que ‘agora sim, a execução perfeita’. O catálogo das grandes gravadoras está repleto de numerosas gravações da Quinta Sinfonia de Beethoven, ou mesmo da Nona, por exemplo.

O russo Valery Gergiev, certamente um dos grandes regentes da atualidade, não parece ter caído na armadilha de marketing de gravar um ciclo de sinfonias de Beethoven. Principalmente porque Gergiev estudou música e regência, fez a maior parte de sua carreira – solidificou-a aliás – em orquestras e companhias de ópera da União Soviética e, depois, da Rússia. Um exemplo é a Ópera de Mariinsky, de São Petersburgo, da qual é diretor até hoje. A dedicação de seus anos soviéticos – e da maioria dos anos pós-perestroika – parece ser muito mais pela música dos grandes mestres russos, como Rachmaninoff, Stravinsky, Shostakovich e muitos outros. Quando passou a reger orquestras européias, foi atrás de um repertório bem mais complexo, como é sua excelente regência das sinfonias de Mahler, por exemplo.

Em 2015, Gergiev assumiu como regente titular da Münchner Philharmoniker – a Filarmônica de Munique – uma tradicional e antiga orquestra alemã que já teve em seus quadros grandes nomes como Sergiu Celibidache, Lorin Maazel e James Levine. Um dos trabalhos mais perenes de Gergiev com a orquestra é a gravação do ciclo completo das sinfonias do austríaco Anton Bruckner (1824 – 1896), um dos mestres sinfônicos emblemáticos do período final do Romantismo Alemão – ou, neste caso, Austro-Germânico.

Interessante isso porque, apesar de ser um nome conhecido na música clássica, e parte da discoteca de muitos aficionados e colecionadores, o trabalho e o nome de Bruckner não é tão difundido e procurado como o de Beethoven ou Brahms – só para falar de seus colegas do Romantismo. Ou seja, mérito da orquestra e de Gergiev de se dedicar, então, à um ciclo de um brilhante compositor que não é tão tocado quanto sua obra merece – principalmente seu extenso, complexo e rico ciclo de sinfonias.

Outra bola dentro da Filarmônica de Munique é o fato de terem criado o próprio selo de gravação, publicação e distribuição – fugindo dos grandes selos, barateando seus custos e entrando de cabeça em relações públicas diretas com seus fãs e frequentadores, graças à estrutura provida pela Internet para tal.

De fato, não é a única orquestra a fazê-lo – e estão aí como exemplos a Sinfônica de São Francisco, com o ciclo das sinfonias de Mahler sob a regência de Michael Tilson Thomas, e a London Symphony Orchestra com o prolífico selo LSO Live. Isso para não citar o grande número de orquestras e até pequenos grupos de câmara que estão usando a mesma estratégia. Alguns chamam de boas relações públicas e bom marketing, e outros chamam essas iniciativas das orquestras de ‘vaidade’. Eu acho que é excelente material de divulgação, para começar, e um bom método de termos acesso à gravações e execuções interessantes.
Hoje em dia o ‘know-how’ de como se gravar uma orquestra é um pouco mais difundido, assim como o acesso aos equipamentos de gravação e seus devidos custos. Não que seja fácil gravar uma grande orquestra, mas existe a possibilidade de quase todas as que estão bem estabelecidas poderem facilmente contratar um engenheiro de gravação residente – e, muitas vezes, um que seja não só experiente como também muito bom no que faz.

Valery Gergiev

A Sinfonia nº 2 de Bruckner, também conhecida como a ‘Sinfonia das Pausas’, estreou em 1873, com a Filarmônica de Viena, na Áustria, sob a regência do próprio compositor, que ali residia. É a única das sinfonias de Bruckner a não ter uma dedicatória – porque o compositor húngaro Franz Liszt polidamente rejeitou a dedicatória, e o alemão Richard Wagner, quando Bruckner lhe deu a escolha, preferiu que a Sinfonia nº 3 lhe fosse dedicada, em vez da Segunda.

No caso desta gravação da Sinfonia nº 2 de Bruckner, outra coisa interessante ocorreu: foi gravada no Monastério Agostiniano de Sankt Florian, na cidade mesmo nome, na Áustria. Aliás, diz-se que várias da sinfonias de Bruckner deste ciclo da Filarmônica de Munique foram gravados nesse mesmo local. O que torna a gravação mais interessante é a ambiência adicional trazida pela acústica do monastério, uma acústica mais viva do que a de uma sala de concertos tradicional.

Um registro moderno, com uma boa orquestra e um regente top extremamente capaz, com uma captação de excelente qualidade feita em um antigo monastério com uma bela acústica, trazendo uma ambiência especial, são o que faz esse disco ser um bocado interessante!

Destaque para o terceiro movimento, Scherzo, por sua vivacidade, e para o segundo movimento, Andante, pela sua placidez e beleza.

Pode ser encontrado em: CD / Download / Streaming.

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