Espaço Aberto: EM QUE MOMENTO TERMINA O GOSTO PESSOAL E ENTRA O CORRETO?

Editorial: O ETERNO RETORNO
agosto 16, 2019
MUSICIAN – Discografia: ASTOR PIAZZOLLA – O TANGO NOVO – VOL. 17
setembro 16, 2019


Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Fundador e atual editor / diretor das revistas Áudio Vídeo Magazine e Musician Magazine. É organizador do Hi-End Show (anteriormente Hi-Fi Show) e idealizador da metodologia de testes da revista. Ministra cursos de Percepção Auditiva, produz gravações audiófilas e presta consultoria para o mercado.

Todos nós já ouvimos a famigerada frase: “Gosto não se discute”. Meu pai, com toda a sua diplomacia, jamais ultrapassou este limite, quando sinalizado por um cliente seu. Já minha mãe, objetiva e direta, sempre completou esta frase com um sonoro: “Mas, lamenta-se!”.
Sinceramente, esta é uma questão que me perturba há muito tempo, já que profissionalmente trato diariamente com pessoas com todos os tipos de gostos, idiossincrasias e opiniões. Então tento, na medida do possível, separar o que é gosto do que é opinião, mas não consigo ser tão diplomático quanto meu pai, ou tão direto como minha mãe.

Então utilizo, desde que comecei a prestar minhas consultorias, tentar conhecer ao máximo o perfil do meu cliente, suas expectativas em relação a ter me chamado e, principalmente, em relação à suas ‘crenças audiófilas’. Sim, meu amigo, todos nós temos crenças, algumas com sustentação técnica e histórica e outras apenas ‘pessoais’. E quando observo que as ‘crenças pessoais’ são intocáveis, educadamente recuso o trabalho.

Esta recusa pode ir desde a resistência em fazer mudanças na posição da sala de estar, na recusa em aceitar que é preciso algum tipo de tratamento acústico e elétrico, ou na troca de algum componente do sistema. Pois parto do pressuposto que quando um profissional é chamado para qualquer tipo de correção ou ajuste, o cliente já se deu conta que precisa de ajuda profissional e não palpite de amigos, parentes ou vizinhos. Então, na primeira visita, não iremos falar de valores, tempo de obra ou mudanças de equipamentos. Irei apenas ouvir o sistema como um audiófilo convidado.

E, entre uma música e outra, farei inúmeras perguntas pertinentes, sobre quantas horas ele escuta música em seu sistema, estilos musicais, se escuta em volumes reduzidos, médio ou alto, se tem muito ruído externo da rua, de carros, dos vizinhos, cachorros, etc. E se puder ter a companhia, nesta audição, de outras pessoas da família, aprecio muito. Pois se outros familiares participam do hobby, eles também terão que fazer suas observações e me passar as suas expectativas.

Tenho tido a felicidade de ter prestado consultorias, nesses últimos quatro anos, para pessoas muito cultas e educadas, que amam a música, acima de seus equipamentos. E me procuram com o objetivo apenas de saber se seu sistemas estão lhe dando tudo que a música tem a oferecer.

Eles percebem que, nas entrelinhas de cada texto meu, sempre o âmago da questão está no maior grau de inteligibilidade, com total ausência de fadiga auditiva. Este conceito soa como um ‘bálsamo’ aos ouvidos dos que desejam que seu sistema lhes proporcione imersão nas suas obras prediletas, e os faça sair de cada audição inteiramente revitalizados e prontos para enfrentar o tortuoso dia a dia das grandes cidades. Se estes clientes dessem seus testemunhos do meu trabalho, creia, amigo leitor, todos falariam somente do prazer que desfrutam agora de suas audições. Não haveria citação alguma de marcas de aparelhos trocados, ou que tipo de tratamento acústico ou elétrico foi feito.

Pois eu busco mostrar a eles que, seguindo os dez passos propostos, o resultado será sempre atingido (às vezes até bem além de suas expectativas). E mostro que gosto pessoal não deve jamais ser impedimento para se fazer o correto. Aí alguém deve estar se perguntando: “mas o que é o correto em áudio?”. E não esperem uma resposta complexa para esta pergunta.

Quando o cliente me faz esta pergunta, mostro exatamente a ele a resposta com exemplos sonoros. Aí, meu amigo, o disco timbre é uma peça fundamental para nos fazer entender. Todos que possuem este CD sabem que gravamos diversos instrumentos com três microfones distintos, as melhores posições de captação para cada microfone, com o mesmo cabo de microfone para os três, mesmo pré de linha, etc. E se o leitor tiver um sistema minimamente bem ajustado no quesito equilíbrio tonal, textura, transientes e corpo harmônico, ele irá perceber diferenças de sutis a gritantes na captação de cada microfone.

E se o leitor, em seu sistema, não perceber nenhuma diferença, então seu sistema em nossa Metodologia não pode sequer ser comparado a um Diamante de entrada.

Pois bem, ouvindo com o cliente da consultoria em nosso sistema de referência (sim, a segunda visita dos futuros clientes é feita sempre em nossa Sala de Referência, pois se o cliente não gostar do que ele está a escutar, não seremos nós os indicados para ajudá-lo), peço que ele me diga as diferenças que ele escutou entre cada microfone.

E depois de mostrar uns seis a oito exemplos, eu pergunto qual dos microfones ele gostou mais, nos instrumentos que lhe são mais familiares. A esmagadora maioria sempre cita o microfone 2 e o 3 (nunca o 1).

Aí eu didaticamente explico que nosso objetivo é que seu gosto pessoal permaneça intacto, mas que seu sistema mostre com total inteligibilidade as diferenças técnicas de cada gravação e suas limitações com a menor fadiga auditiva possível.

E que, para se atingir este tão desejado objetivo, o sistema têm que estar correto, sinérgico e equilibrado nos oito quesitos da metodologia, mais acústica e elétrica (eis os dez passos).

Nesta altura, com esta explicação e compreensão do que faço, não haverá debates ou discussões ‘paralelas’ sobre gosto em relação a equipamentos ou preferências. Pois o foco da consultoria foi compreendido integralmente. Agora se, como escrevi no começo do artigo, as barreiras forem intransponíveis, eu polidamente recuso o trabalho.

Pois realmente existem situações irreversíveis, como tetos muito baixos, salas em L, quando não é possível nenhum ajuste para melhorar a acústica onde os produtos irão ficar, falta de sinergia do sistema, elos fracos em várias frentes como: elétrica, acústica e setup. Nesses casos, eu esclareço já na primeira visita minha total incapacidade de ajudá-lo.

Existiram essas situações? Claro, mas felizmente foram pontuais. Pois em todas as consultorias que realizei, o cliente realmente sempre teve como prioridade a música acima dos seus equipamentos. Então estamos falando de pessoas mais flexíveis, abertas e muito interessadas em pôr um ponto final neste ciclo interminável de mudanças pontuais, que não acabam nunca! Pessoas de convicções fortes, mas que entendem que o correto não irá jamais interferir em seu gosto pessoal. Pelo contrário, trará mais prazer e a oportunidade de observar que a cada década com o avanço na qualidade de captação, mixagem e masterização, a ‘estética musical’ foi mudando e se adequando às novas tendências, gostos e modismos. E ter um sistema que permite observar todas essas nuances sonoras redobra o prazer de ouvir seus discos e de todo o investimento na busca de sala e sistema ideal.

Gosto pessoal e correção podem e devem andar sempre juntas, acreditem!

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