Discos do Mês: JAZZ, FOLK ROCK & CLÁSSICO

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Outro dia eu fui lembrado, por um amigo, da minha “alergia por música nova”, segundo ele (risos!). Antes de me acusarem de mau humor, eu acho que tem ainda muita música boa, desde a composta nos últimos séculos até, principalmente, a que tem sido gravada na era da Alta-Fidelidade, da década de 1950 para cá. Eu mesmo continuo achando gravações especiais e música muito interessante, desse período, constantemente. Quando eu esgotar esse repertório nesta coluna, procurarei nova música – quem sabe, deve ter muita coisa interessante por aí.

Não é preconceito meu. Meu pensamento, já faz algum tempo, é o de usar e abusar desta coluna para resgatar gravações que têm boa qualidade musical e sonora, que já fizeram parte do repertório audiófilo/melômano, nos últimos 30 anos, pelo menos – ou seja, inclui minha participação nesse nicho.

Seria, talvez, um pouco parcial ou até mesmo ‘oco’, se o critério fosse apenas o da qualidade de som – nesse quesito existem montes e montes de gravações que foram usadas em casas de audiófilos, showrooms de importadores e revendedores, hi-end shows mundo afora (e adentro). Eu jamais tenho idéia de fazer isso. Desde sempre meu primeiro e primordial critério para ouvir música é a qualidade musical e interpretativa – tanto que tenho e ouço dezenas de discos de qualidade sonora duvidosa, o que às vezes exige um bocado do ouvido, porque não abro mão da música boa que está nesses discos. Mas, usando esse critério em conjunto com o critério secundário – o da qualidade sonora – dá para enriquecer bem o repertório de todos nós audiófilos-melômanos.

Então, não se preocupem: nosso caminho aqui no Discos do Mês será longo, e prazeroso.

No capítulo de hoje temos: um jazz post-bop e de improviso que é disco de cabeceira de muita gente (mas não sei se cabe na cabeceira do Fernando Andrette, que se já é grande na era do CD, imagina o tamanho que era quando ele só ouvia vinil, rs), um folk rock gravado na década de 90 reunindo uma banda clássica dos anos 70 e, por fim, uma das grandes sinfonias do repertório Romântico do século 19.

Vamos à eles:

Keith Jarrett – The Köln Concert (ECM, 1975)

Para muitos este disco dispensa apresentações – é um velho conhecido de muitos audiófilos e fãs de jazz. E é simplesmente meu disco preferido de piano solo, do qual tive a felicidade de usufruir em uma bela prensagem alemã da gravadora ECM na maioria das minhas audições.

São 66 minutos de piano solo, principalmente em improviso jazzístico, o que para muitos pode parecer pouco palatável, mas na verdade é muito bonito e prazeroso de ouvir, quase sempre na íntegra – se o Jarrett passa a impressão de estar em uma espécie de transe, a gente ouvindo acaba tendo um envolvimento semelhante.

No Teatro de Ópera da cidade de Köln (em português Colônia), na Alemanha, na noite de 24 de janeiro de 1975, um público de aproximadamente 1400 pessoas testemunhou uma performance especial do pianista americano de jazz Keith Jarrett, a qual foi, felizmente, gravada e lançada em LP duplo (e, muito depois, em CD simples).

O registro ao vivo foi feito pela gravadora de jazz alemã ECM (cujo desdobramento é Editions of Contemporary Music, e eu não sabia disso), que famosa até hoje por gravar e publicar discos de músicos conhecidos, como Egberto Gismonti, Jan Garbarek, Chick Corea, Pat Metheny e muitos e muitos outros. O engenheiro da ECM, Martin Wieland gravou o piano com apenas um par de microfones valvulados Neumann U67, ligados à um gravador de rolo portátil Telefunken M5.

O concerto, conta a história, quase não aconteceu. Jarrett, um notório perfeccionista, estava sofrendo há dias de dores nas costas – o que lhe havia tirado as noites anteriores de sono – e havia feito um concerto em uma cidade próxima dois dias antes. Teve que, nessas condições, fazer uma viagem de carro de 350 km até Colônia. Não bastasse isso, os organizadores do concerto, que haviam prometido à Jarrett um grand piano Bösendorfer 290 Imperial, um dos melhores grand pianos do mundo, meteram os pés pelas mãos e levaram ao Teatro um Bösendorfer Baby Grand, um piano menor e que estava em mau estado, completamente desafinado e cheio de defeitos – um piano que era usado para ensaios no teatro, principalmente ensaios de ópera.

Com dor nas costas que fazia necessário que Jarrett usasse uma cinta para aguentar, privado de noites de sono e com um piano que, se estivesse em bom estado daria um som sem grande brilho ou alcance nos agudos e magro nos graves, Jarrett declarou que desistiria do concerto.

Uma alemã – de 17 anos – promotora de concerto, Vera Brandes, arrumou quem afinasse o piano à toque de caixa (apesar da expressão, fiquei imaginando alguém afinando um piano “à toque de caixa”, rs), sentou-se para conversar com Keith Jarrett para convencê-lo a tocar para a platéia já cheia e na expectativa. O fato é que não havia tempo para trazer um piano melhor, e uma chuva forte tomava conta da cidade, inviabilizando de vez essa ideia. Diz a lenda que os esforços de Brandes, somados ao fato de que a ECM já havia armado os microfones para a gravação, convenceram Jarrett a, enfim, sentar-se ao piano, às 11:30 da noite – e dar uma das performances mais memoráveis e influentes do piano solo de jazz de todos os tempos.

Nos 66 minutos de improvisação, Jarrett usou vários recursos – como o intenso e percussivo uso da mão esquerda para compensar o som magro do piano – e a já afamada (e registrada) mania de cantarolar junto com a melodia, de emitir ruídos e exclamações durante várias passagens. É, até hoje, uma de suas mais memoráveis performances solo.

O interessante é que o The Köln Concert chegou a vender perto de 4 milhões de álbuns, sendo o mais vendido disco de piano solo de todos os tempos.

A música de The Köln Concert já foi gravada por outros pianistas, assim como já foi usada em trilhas sonoras. Em 1992, em uma entrevista para uma revista alemã, Jarrett reclamou dessa popularização, dizendo que: “Nós também precisamos aprender a esquecer música, caso contrário ficaremos viciados no passado”. Olha, caro Keith Jarrett, eu sou assumidamente viciado no passado!

Nascido no estado da Pensilvânia, nos EUA, em 1945, Keith Jarrett continua ativo, gravando pela ECM Records e pelo selo Impulse – com uma extensa discografia de jazz, que inclui duos, trios, quartetos, quintetos e muitos trabalhos somente para piano solo, sendo que muitos de seus discos foram gravados ao vivo. Jarrett também se aventurou na música clássica, com composições próprias mesclando com jazz, e interpretando obras de compositores conhecidos, como Hovhaness, Bach, Handel, Shostakovich e Arvo Pärt – tendo participado de gravações para o selo ECM de obras deste último. Jarrett foi casado mais de uma vez e tem dois filhos: um baixista e outro baterista.

Perguntaram à ele o porquê das vocalizações que ele faz durante suas performances, e ele respondeu que ele fica carregado de emoção e simplesmente põe para fora, que são mais uma interação com a música do que uma reação à ela. “Felizmente para mim, não faço isso quando toco música clássica”, disse ele.

Atenção especial às faixas… bom, atenção especial ao disco inteiro!

Pode ser encontrado em: CD / LP / Sites de Streaming selecionados. É um disco que fez muito sucesso e vendeu bastante, portanto bastante fácil de encontrar. As prensagens em vinil importadas da ECM soam muito bem, e me disseram que a remasterização hi-res está muito boa – apesar de eu não ter conseguido acesso à mesma. Ouvi com bastante prazer a versão disponível em sites de streaming.

Keith Jarrett
Eagles – Hell Freezes Over (Geffen Records, 1994)

Acho que, pelo menos na audiofilia, tem dois tipos de fãs do grupo de folk rock Eagles: os que ouvem a banda desde a década de 70 (e eles têm vários discos de estúdio dessa época que são um bocado bem gravados) e os que, no meio da década de 90, ouviram à exaustão o hit Hotel California em seus sistemas superlativos, feiras e showrooms.

Bom, acho que está mais do que na hora de tirar a poeira desse disco e deixar ele rodar de novo, por vários motivos, sendo os principais: é um bocado bem gravado e muitas faixas além de Hotel California merecem ser ouvidas de olhos fechados, também por sua qualidade musical.

No começo de uma das faixas, o vocalista e guitarrista Glenn Frey declara, brincando: “Só para constar: a banda nunca se separou, a gente apenas tirou 14 anos de férias”. Com uma carreira curta, de 1971 à 1980, os Eagles se formaram com Glenn Frey e Bernie Leadon nas guitarras, Randy Meisner no baixo e Don Henley na bateria. Destes apenas Glenn Frey teve uma carreira solo de amplo sucesso (principalmente com o hit The Heat is On, usado no filme Um Tira da Pesada), apesar do trabalho de Don Henley também ser bastante conhecido, com cinco álbuns de estúdio, além estar nos Eagles reunidos até hoje. Em formações posteriores, o Eagles “Clássico” foi formado por Glenn Frey, Don Henley, Don Felder, Joe Walsh e Timothy B. Schmit – e é essa formação que volta para esse disco de “reunião”, 14 anos depois.

Enfim, em 1994, os Eagles se reuniram para, com seu folk rock melódico e memorável, fazer um disco ao vivo muito bem gravado e interessante, principalmente acústico, chamado Hell Freezes Over, contando principalmente com versões de grandes sucessos deles com um arranjo e produção top. Além do disco, o material foi muito bem filmado para originar um DVD/Blu-Ray e passar como um dos especiais da MTV Unplugged, que estavam na moda na época (vide outro diamante que é o disco Unplugged, do Eric Clapton). O especial da MTV, gravado nos Estúdios da Warner Bros, em Burbank na Califórnia, originou 11 faixas para uso no disco Hell Freezes Over, as quais foram mixadas em DTS para o DVD e depois para o Blu-Ray. A banda aproveitou essa reunião como mote, e fez uma de suas mais rentáveis turnês até hoje.

O show/DVD/CD conta com uma equipe de mais de 10 músicos extras, principalmente percussionistas (incluindo o grande Paulinho da Costa) e membros da Orquestra Filarmônica da Burbank na faixa New York Minute.

Ficando em primeiro lugar na Billboard durante duas semanas, ele vendeu 9 milhões de cópias só nos EUA. Não foi só saudosismo, pois os Eagles sempre foram famosos pela qualidade de seu trabalho e pelos numerosos sucessos que fizeram nos anos 70, com faixas como a afamada Hotel California, Tequila Sunrise, New York Minute, Take it Easy, Desperado, e várias outras. Os Eagles, em sua carreira, venderam mais de 200 milhões de discos no mundo todo, e constam na posição 45 dos “100 Maiores Artistas de Todos os Tempos”, da célebre revista americana Rolling Stone. Desde 1998, a banda faz parte também do “Rock & Roll Hall of Fame”.

O nome do disco originou-se de uma resposta que Don Henley deu em uma entrevista, logo após a separação do grupo em 1980. Quando perguntado sobre um possível retorno da banda, Henley respondeu “When hell freezes over!” – “Quando o inferno congelar!”. Tanto que o título do disco pode ser lido como uma afirmação: “O Inferno Congela”.

Após Hell Freezes Over, a banda deu continuidade com o álbum de estúdio Long Road Out of Eden, além de várias turnês ao vivo. Problemas com um de seus membros originais, Don Felder, que foi demitido da banda em 2001, deram origem à processos multimilionários contra a banda, lavando um bocado de roupa suja contratual e societária. E em janeiro de 2016, Glenn Frey faleceu de pneumonia e complicações devido ao uso de medicamentos contra uma artrite recorrente, sendo que a banda continua se apresentando com um de seus filhos, Deacon Frey, fazendo sua parte nos vocais.

Destaque para as faixas Tequila Sunrise, e Pretty Maids All in a Row, dentre várias outras. É um disco extremamente melódico e agradável de ouvir.

Pode ser encontrado em: CD / LP / Sites de Streaming selecionados. O CD é muito muito bom, assim como a versão que está em streaming está bem boa, mas os discos de vinil são da era atual de prensagens especiais, que se tornaram caríssimas e cujas tiragens esgotam rápido – não tive acesso à esses, mas continua na minha lista de compras obrigatórias.

Eagles
Ouça um trecho da grande versão de ‘Hotel California’.
Bruckner – Symphony nº.4 “Romantic” – Staatskapelle Berlin, Barenboim (Deutsche Grammophon, 2017)

Toda a minha paixão e fascinação por música clássica começou com o repertório do período do Romantismo, no século 19, e os grandes mestres da sinfonia e do uso de grandes orquestras, de grandes grupos musicais. Comecei com a obra do russo Tchaikovsky e sua fenomenal Quarta Sinfonia, quando eu tinha apenas 4 ou 5 anos – coisas de ser filho de um audiófilo fanaticamente melômano.

O pioneiro do Romantismo, ou período Romântico, acredito ser o célebre alemão Beethoven, com sua Terceira Sinfonia, batizada de “Eroica”, composta em 1804, que já trazia os elementos necessários, os temas análogos ao movimento literário e artístico do romantismo, e a necessidade da orquestra crescer para o completo e bom desenvolvimento de suas sinfonias mais complexas.

Sendo o Tchaikovsky o principal dos expoentes russos desse gênero, era ele também considerado um ‘romântico tardio’, pois suas principais composições chegaram ao mundo mais para o final do período Romântico. Já o compositor em questão aqui, o austríaco Anton Bruckner, é considerado às vezes também um ‘romântico tardio’, já que a maioria de suas sinfonias foram do período final do século 19, mas também é dito que sua Quarta Sinfonia estava estreando no que seria o ápice no movimento.

Os primeiros e maiores expoentes do movimento Romântico na música clássica foram os alemães – tanto que é comum se referir à alguns compositores como um ‘romântico alemão’, como Schubert, Schumann, Brahms e uma grande parte da obra de Beethoven, e a maioria das obras deles pegou o mundo de assalto na primeira metade do século 19.

A belíssima Quarta Sinfonia de Bruckner, batizada por ele mesmo de “Romantic”, foi composta em 1874 – e é provavelmente sua obra mais popular – sendo várias vezes revisada até 1888. Um tanto erroneamente, Bruckner é às vezes chamado de ‘romântico alemão’, apesar de ser austríaco, mas existe um bocado do estilo germânico em sua obra.

Certamente a Quarta de Bruckner é uma das sinfonias mais gravadas do repertório sinfônico romântico. Tentei fazer um levantamento de quantas gravações da obra existem em CD, ou mesmo em streaming, e perdi a conta nas dezenas – muitas e muitas dezenas. Me parece que todos os regentes que se prezam e têm (ou tiveram) um contrato com uma gravadora, eventualmente gravaram a Quarta Sinfonia de Bruckner – ou, pelo menos, é essa a impressão que dá.

Anton Bruckner

Como é uma obra que eu gosto muito, eu acabo – graças à disponibilidade do streaming – ouvindo todas as versões que consigo, até por as minhas mãos na que eu considero ‘definitiva’, por causa de sua interpretação e leitura por um regente e uma orquestra de altíssimo nível e, secundariamente, por causa da boa qualidade de captação e gravação – e isso é muito importante porque algo bem captado e gravado cria uma conexão mais profunda com o ouvinte, transporta ele para dentro da sala de concerto, traz ele para dentro da experiência que o compositor queria que seus fãs tivessem. E aí chegamos na orquestra alemã Staatskapelle Berlin, e no regente argentino Daniel Barenboim – que estão entre os melhores intérpretes existentes da obra de Bruckner.

Daniel Barenboim

Daniel Barenboim, nascido na Argentina de uma família de origem judaica, começou como pianista e depois tornou-se um dos maiores regentes de orquestra da atualidade, sendo que ocupou cargos de diretor musical de orquestras como a La Scala de Milão, a Orquestra de Paris e a Sinfônica de Chicago, chegando a gravar para grandes selos de música clássica também com a célebre Filarmônica de Berlim. Dentre seus projetos está a West-Eastern Divan Orchestra, composta simultaneamente de músicos jovens de origem árabe e de origem israelense – e é um crítico ferrenho da ocupação de territórios palestinos pelo Estado de Israel. Barenboim também é conhecido por ter sido casado com a celista inglesa Jacqueline du Pré – uma das maiores virtuoses do instrumento de todos os tempos – desde o final da década de 60 até a morte trágica dela por esclerose múltipla, em 1987.

Para um regente de alto calibre, sua principal orquestra é hoje a Staatskapelle Berlin, a orquestra residente da Ópera de Berlim, na Alemanha, uma orquestra que tem suas raízes no século 16.

Com a Staatskapelle, Barenboim gravou o ciclo completo da sinfonias de Anton Bruckner, cujo lançamento coincidiu com a apresentação do próprio ciclo no Carnegie Hall, em Nova York, mostrando a grande afinidade entre orquestra e regente, e a afinidade de Barenboim com as sinfonias do mestre austríaco.

Destaque especial para…. a obra inteira, dentre várias outras obras do mesmo compositor.
Pode ser encontrado em: CD / Sites de Streaming selecionados. Eu não consegui encontrar o CD somente da Sinfonia nº.4, apenas achei o ciclo completo, a caixa com 9 CDs com todas a sinfonias de Bruckner. A mesma coisa nos serviços de streaming: apenas a caixa completa (como ilustra a imagem aqui desta matéria). Existem dois outros ciclos das sinfonias de Bruckner com Barenboim regendo (um com a Sinfônica de Chicago, outro com a Filarmônica de Berlim), mas eu considero este com a Staatskapelle o melhor. Vale, para quem curtir, conferir também as outras sinfonias do ciclo.

Ouça um trecho do Segundo Movimento da Sinfonia.

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