Fernando Andrette
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Tive a felicidade de conviver, ainda que por um curto período, com a minha linda bisa (avó do meu pai). Ela fazia um mingau de Cremogema com calda de maçã maravilhoso, e depois de servir nos contava velhas histórias de sua infância em uma pequena aldeia no sul da Itália. Uma de suas histórias que mais me fascinava era da passagem do cometa Halley em 1910. Sua memória era farta de detalhes e o que mais impressionava era sua descrição de como o povo da pequena aldeia assimilou e passou pelo ocorrido. Do trágico ao cômico, sua voz nunca se alterava, e seu tom pausado nos dava a chance de acompanhar e imaginar cada personagem e cada situação que ele viveu e presenciou. A bisa tinha uma serenidade incomum que, para a minha felicidade, meu pai herdou. O trágico da passagem do cometa Halley em 1910 foi o suicídio de duas famílias que tomaram veneno na aldeia, e a melhor amiga da bisa de apenas 10 anos faleceu. Neste momento eu, com apenas seis anos de idade, ficava tentando sentir a dor de minha bisa e como ela conseguiu vencer aquele trágico acontecimento. E ela sempre emendava este fato trágico com o final feliz, quando o mundo soube que o cometa não iria se chocar com a terra. Dizia-nos ela: “ Os sinos das duas igrejas da aldeia tocaram sem parar, o povo saiu às ruas, se abraçaram, cantaram, confraternizaram por três dias, até que a vida voltou ao normal!”. Minha bisa enfrentou a Primeira Guerra e, uma década depois, veio para o Brasil, já grávida de minha avó Angelina. Cresci lendo livros e jornais que nos contam os detalhes da passagem do cometa Halley. Os meses de angústia e sofrimento de todos ao olhar para o céu e ver aquele cometa com sua gigante cauda, crescer e dar a sensação que realmente iria se chocar e acabar com a humanidade. Sempre me perguntei se alguma teoria a respeito da extinção dos dinossauros já circulava naquele início do século 20, nos meios acadêmicos, para dar ainda maior dramaticidade ao que estava por ocorrer. E li tudo que pude a respeito: dos meses de angústia coletiva, à festa quando todos souberam que o cometa não se chocaria com o planeta. Em toda as pesquisas que fiz sobre aquele período, o que mais me chamou a atenção foi que as religiões pouco ajudaram para acalmar os ânimos, pelo contrário: usaram o acontecimento para apavorar e ganhar mais discípulos ao seu discurso apocalíptico (alguma similaridade com o que estamos vendo agora?). E se vangloriaram como os donos da benevolência do seu Deus, ao dar-nos mais uma chance. Enquanto a ciência se debruçava em realizar cálculos, o mundo se preparava para o pior. Os cálculos confirmando que o cometa Halley não se chocaria ficaram prontos dois meses antes do cometa estar o mais próximo da terra, mas nesta altura, como ele era visível todas as noites e crescia a olhos nus, nem imprensa e nem governos deram espaço aos físicos e matemáticos.
Um século depois, vivemos novamente uma crise de incertezas globais, mas hoje, ao contrário de 1910, temos excesso de informações. Todos palpitam, todos são especialistas em qualquer assunto, todos se auto medicam e temos a pandemia do fake news frente a pandemia do Covid-19. O lado bom é que a pandemia causada pelo coronavírus irá ser tratada (seja com vacina ou medicamentos específicos), e a triste notícia é que para as fake news não há remédio. Esta é a pior pandemia que as futuras gerações terão que conviver, e frente a esta, meu amigo, todos os tratamentos apresentados até o momento parecem ineficazes. Me lembro de ter perguntado à minha bisa, a primeira vez que ela nos contou a passagem do cometa Halley, como ela e seus pais conviveram com tanto medos e incertezas? E ela, com o seu semblante sereno, respondeu: “Com prudência, meu filho, pois a prudência é o único remédio para as incertezas”.
Estou seguindo sua sábia resposta para conviver com ambas epidemias!