Opinião: É MELHOR DEIXAR A FUTUROLOGIA PARA OS MÍSTICOS

PLAYLISTS DE NOVEMBRO
novembro 13, 2020
HI-END PELO MUNDO
novembro 13, 2020

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

A pandemia realmente tem mexido com a cabeça das pessoas, ao ponto de começar a achar que a superação deste período de nossa recente história levará muito mais tempo para voltar ao prumo.

É um mar de incertezas tão intenso que muitos até já começam a duvidar que um dia voltaremos à tão desejada “normalidade”. Em que naquela sensação de segurança (ainda que falsa, que acreditamos existir), podíamos programar férias, projetos futuros ou apenas tirar um final de semana para não fazer absolutamente nada.

Quando as pessoas me narram suas angústias e receios de quanto isso ainda irá durar, e contam o quanto suas vidas viraram de perna pro ar, ouço sempre com enorme atenção, buscando as palavras certas para não piorar ainda mais o que já é dramático, e saio daquela conversa sempre com uma sensação de que a pandemia não causou tantos danos assim à minha pessoa.

E sempre fico dias escarafunchando se não estou apenas me iludindo, ou se realmente a pandemia não me derrubou.

Sempre fui um cara bastante recluso (tanto que alguns amigos me apelidaram de um “ser anti-social”), e pelo fato do meu trabalho ser em casa, minha rotina diária é a mesma há mais de uma década. O fato de morar no meio do mato e estar rodeado pela natureza nativa e a alguns quilômetros das duas cidades mais próximas, isso certamente contribuiu para que a quarentena fosse para mim algo muito menos dramático que para a maioria das pessoas.
Claro que tivemos que nos adaptar às regras da quarentena, diminuindo drasticamente as idas à cidade e melhorando a internet para que minha companheira pudesse trabalhar de casa e minha filha assistir as aulas online. E, felizmente, a internet por fibra ótica chegou a esta região um ano antes da pandemia. Pois se dependêssemos da Vivo, estaríamos mortos!

Por outro lado, a pandemia me deu a possibilidade de ler mais, estudar mais, ouvir mais e conviver mais com a família.

Então, ao ouvir as queixas de tantos, me sinto privilegiado em não ter visto minha vida mudar radicalmente e vejo uma série de vantagens que confesso que não desejo abrir mão, assim que tudo passar. Entre essas mudanças tão profícuas estão o direito de desligar o celular fora do horário de trabalho, e esquecer totalmente do mundo lá fora, e poder curtir minha família, meus dois cachorros e esta natureza inebriante que me salta aos olhos.

Remodelar o dia a dia sem aquela pressa insana de compromissos, datas e horários, me fez perceber que o fato de me desacelerar me permite trabalhar mais por menos tempo.

E as mudanças que fizemos no Sistema de Referência neste período nos ajudaram a diminuir o tempo de escolha de setup, cabos, caixas, etc.

Para entender o que aqui estou escrevendo, sugiro a leitura do teste do cabo de caixa Dynamique Audio Apex publicado na edição de outubro de 2020. Lá explico como esse novo setup de cabos muito mais neutros nos poupou um tempo precioso na escolha e audição das 100 faixas utilizadas na Metodologia. Com isso, ganhei pelo menos mais duas horas por dia para poder ler artigos, testes, opiniões, responder e-mails de vocês leitores e até iniciar o planejamento de reforma de nossa sala de audição, já que em janeiro próximo ela fará 13 anos! E quero deixar a sala impecável para quando iniciarmos os Cursos de Percepção Auditiva. Já temos mais de 200 leitores inscritos, e como serão turmas de seis leitores por curso, teremos que fazer ao menos dois cursos por mês para atender em um tempo razoável a todos os interessados.

Claro que só iniciaremos os Cursos, quando estivermos seguros de que o risco é zero de contaminação.

Antes disso nem pensar!

Voltando aos artigos que tenho recebido e lido, muitos me chamam a atenção pelo grau de incertezas, angústias e receios do que será o futuro do hi-end pós pandemia. Como escrevi no título, não sou muito chegado à futurologia, mas são tantos pontos de vista, e tão contraditórios, que achei conveniente escrever algo a respeito.

Deixarei de lado os fatalistas ou os demasiadamente pessimistas, afinal ouço essa conversa de que a audiófilia está morrendo desde que trabalhava na revista Audio News. E se tivesse levado em consideração, não teria lançado a Audio & Video Magazine e muito menos me dedicado de corpo e alma meus últimos 30 anos a algo que estaria moribundo.

O que podemos com certeza saber, depois de 10 meses de pandemia, é que nada será como antes. Mas dizer se será pior ou melhor, já são outros quinhentos. E não me arrisco a ir além do que se avizinha no horizonte. O que vejo é: muitas empresas de áudio de menor porte que não se adaptarem aos novos tempos, irão fechar. Alguns segmentos sofrerão mais, outros bem menos.

E vejo saídas muito interessantes e criativas, a começar pela venda online – este canal se tornará imbatível nos próximos cinco anos. Principalmente no segmento de fones de ouvido, cápsulas, caixas acústicas, DACs, integrados, streamers, toca-discos, etc.

Aí você certamente irá me perguntar: então o mercado hi-end estará salvo?

Sim e não!

Se você considera produtos hi-fi como parte do mercado hi-end, ok. Mas sabemos que são mercados distintos e que cada vez mais se separam.

Uma coisa é você comprar uma bookshelf de 500 dólares online, em que você leu bons testes, ouviu na casa de seu amigo e “bateu o martelo”. Outra coisa totalmente diferente é: comprar uma caixa de 5 mil dólares sem ouvir. Ou um integrado de 10 mil dólares, ou um toca-discos de 20 mil dólares! Essa equação é o nó que o mercado terá que desatar pós pandemia.

O que vejo é uma enorme dificuldade de equilibrar a ponta do mercado entre o importador de hi-end e o revendedor de hi-end. Com um mercado recessivo, baixa procura, as comissões para as revendas fatalmente serão revistas e, em tempo de crise profunda, corta-se tudo para sobreviver, e temo que as revendas estejam entre os cortes necessários.

Mas as revendas também podem achar saídas para sua sobrevivência: lá fora já se iniciou um remanejamento em que as revendas enviam aos clientes por uma semana (através de um cheque caução), os produtos para serem avaliados por eles em casa. Alguns agora aceitam o produto usado como parte de pagamento (coisa que inúmeras revendas de rede não aceitavam) e ainda estão criando cartões de fidelidade com prêmios que vão de descontos em novas compras e até sorteios de produtos de enorme interesse.

Na Inglaterra, ainda um importante mercado para o hi-fi, os fabricantes iniciaram uma campanha conjunta com suas revendas, cortando custos, aumentando prazo de pagamento e dividindo com as revendas o recebimento de produtos usados.

Como toda adaptação leva tempo, só saberemos os erros e acertos provavelmente no próximo ano.

O que importa, no entanto, é o fato de que todos estão buscando soluções, ainda que todos os esforços não sejam nenhum sinônimo de resultados efetivos. É melhor morrer lutando do que desistir: essa premissa nunca foi tão válida como nesses dias.

E aqui, como estamos? Gostaria realmente de dizer que estamos todos bem. E que poderemos sobreviver e aprender muito com este momento. Mas temos tantos problemas de mercado que não sei exatamente o rumo que estamos tomando.

Nos últimos anos, nos tornamos reféns do Paraguai de forma tão contundente, que o mercado hi-fi no Brasil simplesmente se deteriorou e acabou com mais de 50% das revendas especializadas que tivemos até a primeira década deste século. A tal ponto que, antes da pandemia era possível ver oferecidos no Mercado Livre produtos hi-fi e hi-end.

E sempre que via anúncios de produtos hi-end no Mercado Livre, ficava me perguntando quem compra um pré de 175 mil reais dividido em 12 parcelas sem escutar?

No começo esses anúncios eram isolados, um ou outro no meio de dúzias de produtos, que depois foram crescendo substancialmente nos últimos dois anos à ponto de se tornarem corriqueiros.

Desconheço o quanto os nossos audiófilos se embrenharam em realizar upgrades pelo Mercado Livre, mas sei de vários leitores se sentiram tentados a correr riscos para realizar o sonho de fazer um upgrade “mais em conta”.

Ainda que sabendo do risco de não ter garantia e nem tão pouco assistência técnica, caso o produto venha a apresentar defeito.

Para mim fica muito claro, que este é o melhor momento para se colocar o dedo na ferida e se rediscutir que rumo o mercado audiófilo deseja pós pandemia. As possibilidades estão todas colocadas na mesa, o que falta é a coragem de todos se disponibilizarem a discutir os problemas e buscar soluções. Pois engana-se os que acham que o mercado Paraguaio não irá ressuscitar pós pandemia. Eu acho que, ao contrário, ele tentará dar um salto à frente e tirar mais marcas que estão nas mãos dos distribuidores nacionais.

Então o primeiro passo neste estratégico momento é fazer com que os fabricantes de hi-end, ao definirem seu importador oficial para o Brasil, tranquem o Paraguai. Todos importadores que fecharam acordos impedindo o Paraguai, conseguiram estabilidade e desenvolver seu trabalho sem dor de cabeça.

O segundo passo é rediscutir o papel das revendas especializadas. A importância delas é vital para o crescimento do mercado hi-end, AV e Automação. A apresentação presencial é ainda a melhor maneira de tirar dúvidas e de convencimento.

As revendas podem, como na Europa, aceitar como parte de pagamento o produto do cliente e dividir este custo com o importador e fomentar o mercado de usados, fazendo parcerias com essas lojas, o que daria um novo dinamismo ao mercado de usados, com mais ofertas e preços mais coerentes.

Todos teremos que cortar na carne, então é uma questão de olhar o mercado como um todo e não apenas defender nosso umbigo!

Outra receita muito importante para as revendas seriam os canais de venda online de acessórios e produtos de baixo custo hi-fi através do Mercado Livre, competindo com o Paraguai. Essa talvez seja a estratégia de melhor resultado a curto prazo, pois certamente o Paraguai irá reiniciar seu contrabando por essa via, que conhece como ninguém.

E os importadores precisam entender que é tempo de novas marcas, com relações custo/performance muito mais condizentes com a nova realidade mundial.

Tenho passado aos nossos parceiros comerciais, inúmeras marcas novas que estão despontando no mercado com excelentes produtos, muitas vezes custando uma fração de produtos que são renomados, mas, porém, fora da realidade de 90% do mercado.

Fazer esses ajustes é uma questão de sobrevivência consciente. Se soubermos usar a nosso favor este momento, sairemos fortalecidos desta pandemia.

Não poderia fechar este artigo sem mostrar o lado mais positivo desta pandemia (sim ela existe meu amigo): o crescimento vertiginoso e sólido dos produtos nacionais. Nunca foi tão diversificado e com tantas excelentes opções. Temos amplificadores, prés de phono, powers, prés, cabos, racks, caixas e agora até toca-discos (leia Teste 1 na próxima edição, de dezembro).

É uma das mais gratificantes constatações que tive nos 24 anos da revista. Nossos projetistas estão mais “maduros”, cientes de sua responsabilidade e da oportunidade de uma moeda tão desvalorizada frente ao dólar, de se estabelecer definitivamente e daqui para o futuro disputar o mercado de igual para igual.

Não me atrevo a fazer prognósticos, mas sei que nas crises podemos dar o nosso melhor e buscar soluções que, em tempos de bonança, não cogitamos.

Temos uma janela de oportunidades, que definirá o futuro deste mercado para a próxima década. E ao contrário de muitos que dizem, que o hi-end está com seus dias contados, eu afirmo o contrário. Enquanto o ser humano tiver paixão pela música e souber que através de equipamentos ele pode ampliar o seu prazer em ouvir, haverá espaço para o mercado de fones de ouvido, som automotivo, hi-fi e hi-end.

Pois quem decide o limite do céu é sempre o consumidor, jamais o futurólogo!

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