Editorial: QUEM REALMENTE PRECISA DE UM SISTEMA HI-END?

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Parece estranho, em uma publicação de equipamentos de áudio hi-end, um editorial com este título, mas essa é uma pergunta que me faço há décadas! E quanto mais o tempo passa, mais pertinente essa questão se levanta, principalmente se levarmos em conta o que o mercado oferece na atualidade como a “fonte ideal” para ouvirmos nossa música: o streamer. Recebo uma infinidade de dúvidas de nossos leitores, diariamente, e percebo que os mais novos se contentariam completamente com um bom fone de ouvido ou um sistema simples que coubesse no seu orçamento. E mesmo para os leitores que possuem bons sistemas e investiram muito tempo e dinheiro na montagem de seus setups, percebo que o sistema parece ser mais importante que a própria música. E cheguei à esta conclusão depois de duas décadas e meia conversando com nossos leitores, e principalmente ouvindo suas opiniões a respeito do que eles buscam em seu sistema hi-end. Nos últimos dez anos, passei a anotar essas conversas, pois elas sempre serviram de informação para os meus Editoriais, Opinião e Espaço Aberto, além de serem “vitais” para avaliação de tendências de mercado. E, relendo esses rascunhos, me veio a ideia para este editorial. No meio de uma centena de opiniões, pensamentos e reflexões de vocês leitores, consegui uma síntese do que pode ser o pensamento homogêneo, do que cada um busca em um sistema de áudio hi-end. E, para minha surpresa, o que o consumidor deseja ter muitas vezes coloca a música realmente em segundo plano! Sempre pergunto qual a principal fonte de referência que o leitor se baseou na busca do seu setup? A maioria se baseia em um sistema que lhe agradou, e nunca em uma referência de instrumentos ao vivo não amplificados. Outro dado importante, é que a maioria não tem o hábito de assistir concertos não amplificados – muitos justificam de não ter em sua cidade uma boa sala de espetáculo com acústica decente, mas não colocam entre suas prioridades em viagens de férias, colocar no roteiro assistir um espetáculo ao vivo não amplificado. O que ameniza um pouco essa falta de referência de música ao vivo é que, alguns, tocam ou tocaram algum instrumento ou tem parentes e amigos que tocam. Mas muitos poucos acham que essa referência seja segura na hora de avaliar seu sistema. Na verdade, o que move a escolha dos equipamentos é muito mais subjetivo do que possamos imaginar. Ouço muito determinados “clichês” audiófilos (que já conhecia na minha infância), como: “Escolho meu sistema pela maneira que me
emociona e me envolve com a música que escuto”, “escolho meu sistema pela neutralidade e imparcialidade”, “escolho pela suavidade do sistema, pois detesto um som agressivo e muito presente”, ou “meu sistema tem que ser o oposto do que escuto ao vivo”! Partindo do pressuposto de que um equipamento hi-end precisa lhe dar a maior fidelidade possível ao material gravado, mixado e masterizado, é de se esperar que quanto mais “fidelidade” este equipamento atingir, mais informações poderão ser apreciadas. No entanto, o que percebo é que este não parece ser o vital interesse da grande maioria dos audiófilos. Consigo contar nos dedos as vezes que um leitor me disse que o que ele almeja é poder perceber em seus sistema a diferença da sonoridade entre um piano Bosendorfer e um Yamaha, entre um clarinete Buffet e um Selmer, entre um oboé e um corne inglês, diferenciar a sonoridades da família dos saxofones. Um sistema que lhe mostre com clareza as mudanças na sonoridade do clarinetista Benny Goodman, que usou instrumentos Selmer ao longo de sua carreira, mas que nos últimos anos gravou com um Buffet R13. A razão dos clarinetes, nas gravações dos anos 40 e 50 das bandas de New Orleans terem uma sonoridade mais anasalada, é consequência do uso de clarinetes com furos maiores nos cilindros, que imprimem essa assinatura tão peculiar e que fazem o som “rasgar” o ar e soar mais forte. Isto tem um objetivo: música ao vivo nas ruas de New Orleans – mas em ambientes fechados e tratados acusticamente, como salas de gravação, geram um outro efeito, também interessante e audível em sistemas verdadeiramente hi-end. É um tema tão complexo e fascinante, que prometo voltar a ele em um futuro Opinião. O que importa para este editorial, é que muitos audiófilos se contentam em reconhecer o instrumento apenas, e se souber quem é o músico que está tocando, já é o suficiente. Como sempre me lembra um querido amigo músico, até em um radinho de pilha se consegue reconhecer o instrumento que estamos ouvindo. Se este, amigo leitor, é seu único objetivo, um bom setup hi-fi o atenderá perfeitamente e não lhe fará um rombo em seu bolso. Sistemas hi-end corretos têm muito mais a oferecer, mas o consumidor, para fazer jus a tamanho investimento, precisa desejar ir muito além de reconhecer se aquele trompete que está ouvindo está sendo tocado pelo Miles Davis ou o Wynton Marsalis – e sem a referência da música ao vivo não amplificada, a escolha será muito mais difícil, tortuosa e cara!

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