Outro dia me perguntaram novamente porque eu não sugiro discos de música nova aqui nesta seção. Bom, para começar eu apresentei aqui vários discos de música nova, atual, feita nos últimos anos. Considero, também, que música boa não tem idade. Mas, claro, especifico claramente todos os meses quais são os gêneros musicais, porque ninguém é obrigado a gostar de clássicos, ou das numerosas vertentes de jazz, ou de rock – cada um absorve aquilo que mais lhe interessa, porque música é prazer, não existe obrigação de entender e apreciar gêneros, isso fica à cargo das pessoas que trabalham com isso. Cada um ouve aquilo que quer.
Daí, conversando, entendi que acham que eu deveria publicar discos de música pop, rock, alternativa, etc, atual. Bom, faço isso de bom grado, se forem bons discos, com bons intérpretes tocando música de qualidade, elaborada e pensada, estruturada – pois podem perceber que publico muito aqui discos que têm apenas 3 ‘estrelas’ de qualidade sonora, porque são discos de alta qualidade musical, ou seja, esse último é o critério mais forte.
Não vou dizer que não tenham discos atuais de pop/rock/alternativo de alta qualidade musical por aí, mas posso dizer que o que eu tenho ouvido me deixa de cabelo em pé – e isso é um feito e tanto para alguém que quase não tem mais cabelo! Pobreza musical e esquisitice imperam, o ‘oco’ e o ‘vazio’ e o ‘banal’ parecem ser a ordem do dia para muitos – vai na total contramão do que eu ouço, estudo, entendo, e posso sugerir. Mas, se acharem coisas interessantes que possam ter qualidade musical, não hesitem em me sugerir! Estou sempre aberto à boa música – aliás, adoro aumentar o meu acervo com qualidade.
Então, hoje, vamos com os seguintes: Primeiro, um disco de jazz, fusion, rock, acid, ‘com maisena’, ‘sem glúten’, com alguns músicos bem especiais. Segundo, um disco de eletrônico, ‘música espacial’, synthpop, rock progressivo, de um dos pioneiros da coisa desde a década de 70. E, para finalizar, dois dos quartetos de cordas de um dos grandes compositores italianos de música erudita do século 20. Se o seu gosto musical abrange ouvir todos esses três discos, você receberá menção honrosa na próxima encarnação como ‘Melômano Top Master Plus’.
Vamos à eles:
Esse é um daqueles discos que simplesmente ‘apareceu’. Já tentei lembrar de onde veio, e não consegui. Obviamente é uma daquelas coisas que vêm por indicação em uma época onde se procurava discos de jazz e de boa qualidade de som com mais afinco, mas com mais dificuldade – pois CDs eram caros e não muito fáceis de achar, e mesmo assim comprava-se muita coisa ‘no escuro’. Hoje, com o streaming, é muito mais fácil – seja para ‘ouvir primeiro’ e daí ir atrás do CD ou do vinil, seja para usufruir da música mesmo pelo próprio streaming, coisa que está se tornando a realidade de muito audiófilo e melômano – e eu pessoalmente considero uma opção já factível, em questão à qualidade sonora, para a maior parte dos audiófilos – pelo menos metade do que eu ouço no meu dia-a-dia, vem de sites de streaming.
Não é tudo de jazz fusion que me interessa – aliás, de grande parte dos praticantes mais famosos dessa vertente do jazz, prefiro mais sua obra anterior e mais ‘tradicional’ de jazz. Então, a apreciação se dá caso-a-caso – quando é bom, é muito bom!
Mas Niacin não é só jazz fusion, e sua sonoridade traz desde rock progressivo, passando por acid-jazz e jazz-rock. Nessa hora sempre me lembro a mania do ser humano de categorizar milimetricamente, mas também me ocorre que muitos dos trabalhos que levam
numerosas categorizações e rótulos, costumam ser mais interessantes, até porque têm misturas e sonoridades que saem do mais comum. Aquilo que é mais difícil de categorizar, pode acabar sendo mais rico e mais interessante. Por exemplo, se este disco fosse somente acid-jazz, eu não teria parado para ouvir tão atentamente. Inclusive achei engraçado um crítico elogiar este disco dizendo que a banda deve ter aprendido com outras iniciativas jazz-fusion a não usar muita pirotecnia, rsrsrs! Os elogios à essa estreia da banda mostraram boa aceitação do público, tanto que o Niacin, desde 1997 para cá, já lançou outros cinco discos de estúdio!
Esse primeiro disco do Niacin é um daqueles que você ouve quando procura algo com uma pegada mais forte, mais rock, mas ainda quer virtuosismo e elaboração musical por parte de seus membros, e uma decente qualidade musical. A gravação é bem feita, e soará um pouquinho ardida para alguns, mas bem boa em sistemas equilibrados, e tem boa energia, apesar de ser ligeiramente comprimida.
O nome da banda é tirado direto do nome dado à vitamina B3: niacina (em inglês, ‘niacin’), que é um composto orgânico, que é o ácido nicotínico. E é também o modelo do mais famoso e usado, e valioso, de todos os órgãos: o Hammond B3, amplamente utilizado no jazz, blues e rock, entre vários outros gêneros musicais, há muitas e muitas décadas, e eximiamente tocado no Niacin pelo americano Joe Novello – um músico de estúdio especialista no Hammond B3, e em vários tipos de teclados, que escreveu o que é considerada uma das bíblias da arte de tocar instrumentos de teclado, o livro The Contemporary Keyboardist: Stylistic Etudes, até hoje vendido na Amazon, e bem avaliado. Quando perguntaram à Novello qual é o tipo de som da banda, ele respondeu: “é uma banda de progressivo retrô fusion”!
Se a sonoridade do Niacin tem como figura central o Hammond B3, a banda em si tem como fundador o baixista Billy Sheehan, americano de Buffalo, no estado de Nova York, que começou sua carreira como integrante de uma banda local chamada Talas – que chegou a ser muito bem considerada. A fama veio como baixista da banda que David Lee Roth formou para seus discos solo, quando saiu do posto de vocalista do Van Halen e, depois, como integrante fundador do Mr. Big. Os leitores da revista americana Guitar Player elegeram Sheehan cinco vezes como Melhor Baixista de Rock. No Niacin ele toca baixo elétrico.
O terceiro membro do trio Niacin é o, também americano, Dennis Chambers, um baterista autodidata que, recém saído do colegial em 1978 entrou para a lendária superbanda de funk Parliament-Funkadelic, do produtor George Clinton. Depois, na década de 80, foi parte da banda do guitarrista de jazz John Scofield, além de gravar e tocar ao vivo com luminares como George Duke, o baixista Victor Wooten, Carlos Santana, e os guitarristas John McLaughlin e Mike Stern.
O Niacin, recém formado, assinou e teve seus primeiros discos lançados pela Stretch Records, um selo fundado pelo pianista e bandleader de jazz Chick Corea. O selo queria promover “música sem limites”, e ao longo dos anos lançou discos de nomes como os baixistas de jazz Avishai Cohen e John Patitucci, e o baterista de jazz fusion Dave Weckl. A partir de 2000, o Niacin assinou com o selo Magna Carta – que também é o selo do excelente grupo Bozzio Levin Stevens, já citado algumas vezes aqui na revista.
Atenção especial deve ser dada às faixas No Man’s Land, e Pay Dirt, entre outras.
Pode ser encontrado em: CD / Serviços de Streaming selecionados. Foi através do CD que eu conheci a banda, mas eu estava ouvindo esta semana no streaming e está bem bom! Nada de vinil no horizonte, infelizmente…
No final de 1986 – os mais novos não acreditarão nisso – a gente sabia o que tinha de interessante de séries, programas de TV e até sobre música, através da TV aberta: Globo, SBT, Manchete (precursora da Rede TV), Bandeirantes, Gazeta e Cultura. E todo mundo assistia o Fantástico!
Nessa época, algum iluminado dentro da Globo comprou os direitos para exibição, em pleno domingão, do show Rendez-Vous Houston: A City in Concert – que é uma versão estendida da primeira metade do disco aqui em questão. Tinha acabado de sair o disco de estúdio Rendez-Vous, e quem era fã de Jarre (como eu) estava-o adquirindo em prensagem nacional nas lojas especializadas. Lembro que eu e meu amigo de infância, Fábio (igualmente fã de Jarre), assistimos o show com a cara grudada na telinha. Fato: na época foi uma das coisas mais grandiloquentes e impressionantes que eu já vi. Fato, também: hoje o show tem um visual e uma levada, em momentos, um pouco datado e brega – mas acho que isso acontece com a maioria dos shows.
A verdade é que o show, na telinha, não só garantiu grande audiência, como também aumentou exponencialmente a venda do LP Rendez-Vous, e fez a Globo comprar os direitos também da sequência do show ao vivo, Rendez-Vous Lyon: Concert for the Pope. No ano seguinte, sairia um dos mais bem gravados vinis de música não-audiófila da década de 80, chamado In Concert: Houston/Lyon. Como os agudos deste LP estão entre os melhores e mais limpos que eu ouvi na época, era frequentemente usado como disco de teste, por mim e por vários amigos. É um disco muito bem gravado, com uma sonoridade bem detalhada, bem arejada, descongestionada e com boa ambiência – mesmo em CD ou streaming.
Este é um daqueles discos para todos que curtiram o rock progressivo desde a década de 70, mas que também acompanharam – e apreciavam – os vários tecladistas das bandas progressivas e afins (a ‘música de tecladeira’, como diz um amigo meu baixista), assim como seus discos solo, e sempre se interessaram pelos trabalhos de nomes da onda mais ‘elaborada’ da música eletrônica, que vão desde Vangelis e Jean-Michel Jarre, até Tangerine Dream – passando por muitos outros expoentes europeus.
O disco (e show) In Concert: Houston / Lyon ainda carrega algo que eu considero interessante e extremamente digno de nota – que aconteceu nos shows ao vivo do Jarre desde a década de 70 até 90. Em seus discos de estúdio a música é totalmente composta e arranjada por ele, e geralmente é tocada somente por ele. Apenas na década de 80, com o álbum Zoolook de 84 e, depois, o Rendez-
Vous em 86, é que ele trouxe músicos extras. No caso do Rendez-Vous de estúdio, três tecladistas e um saxofonista trabalham com ele (depois vim a descobrir que um dos tecladistas, Michel Geiss, colaborou em várias ocasiões na obra de Jarre, às vezes sem ser creditado), além do uso do coro da Radio France. Michel Geiss é um engenheiro de som e desenvolvedor de instrumentos musicais eletrônicos, que projetou o Digisequencer, amplamente utilizado por Jarre em vários álbuns.
Mas, mesmo tudo isso de músicos nesse disco de estúdio, não se compara à equipe montada para seus shows ao vivo, principalmente do Houston/Lyon em diante, e até boa parte da década de 90. Como esse show, apesar de ser da turnê do Rendez-Vous, traz faixas favoritas de outros quatro discos seus, é a melhor oportunidade possível de ouvir essas faixas sendo tocadas por um banda completa, trazendo muito mais riqueza tímbrica e musical ao arranjo.
Entre as cidades escolhidas para os shows, Houston, no estado americano do Texas, aconteceu porque a direção da Ópera de Houston contatou Jarre com ideias para a comemoração dos 150 anos do Estado do Texas e da cidade, e os 25 anos da NASA, a agência espacial americana. Depois de ter sido apresentado ao astronauta Ron McNair, ele e Jarre tiveram a ideia de uma composição que Jarre tocaria no show (Last Rendez-Vous – Ron’s Piece), e McNair tocaria o sax e gravaria a performance no ônibus espacial Challenger, em órbita, e teria sua imagem projetada em uma tela gigante na lateral de um dos edifícios do centro de Houston, durante a apresentação da faixa, no show.
Com a explosão da Challenger durante a decolagem, o concerto quase foi cancelado, mas vários astronautas e pessoal da NASA pediram que Jarre desse continuidade à montagem do mesmo, como uma homenagem – que ocorreu dois meses depois, com muitos contratempos. Entre eles a chuva, o excesso de barulho nos ensaios, equipamentos danificados, até problemas com a quantidade de energia elétrica consumida – que estava atrapalhando o trabalho do FBI em vigiar o Coronel Kadafi, da Líbia, que estava em visita à cidade – além de problemas com os fogos de artifício e o forte vento.
O resultado foi que, durante a faixa que teria o solo de saxofone do astronauta Ron McNair, fotos e vídeos seus foram mostrados no telão, enquanto o solo de sax era executado por Kirk Whalum. Por muitos anos esse concerto deteve o recorde de público para esse tipo de evento, com uma plateia que oscilou entre 1 milhão e 1,5 milhão de pessoas – chegando a constar no Livro Guiness dos Recordes durante muitos anos. Não se sabe se o público incluiu o Kadafi, ou não. Mas o próprio Jarre faria um concerto performático anos depois, em Moscou, para uma plateia de 3,5 milhões de russos, desbancando seu próprio recorde.
O show em Houston foi em 5 de abril de 1986, e em 5 de outubro do mesmo ano, também como turnê do disco Rendez-Vous, houve o Rendez-Vous Lyon: Concert for the Pope (cujos excertos compõem o lado B do disco aqui sugerido). Lyon é a cidade natal de Jean-Michel Jarre, e o show foi uma espécie de boas-vindas da cidade à visita do Papa João Paulo II, com um show de luzes e um palco digno de qualquer outro concerto do músico francês – para um público de aproximadamente 800 mil pessoas.
Diz a história, inclusive, que as autoridades da cidade de Lyon estavam apreensivas com a visita do Papa, por causa de uma antiga previsão de Nostradamus que dizia que um papa seria assassinado em uma cidade francesa cruzada por dois rios. A segurança foi redobrada, e não houve nenhum problema.
Os concertos de Houston e Lyon tiveram praticamente os mesmos músicos em sua apresentação, diferindo apenas que, em Houston, os coros usados foram da High School for the Performing and Visual Arts, e os Singing Boys of Houston. E em Lyon o coro que se apresentou foi o La Cigale De Lyon, com a L’Orchestre National de Lyon. Os músicos no palco foram: Jean Michel Jarre (teclados e laser harp), com Michel Geiss, Sylvain Durand, Dominique Perrier, Francis Rimbert e Pascal Lebourg, todos nos teclados e sintetizadores. Também estavam: Jo Hammer na bateria, Guy Delacroix no baixo, Dino Lumbroso na percussão, Kirk Whalum no sax alto, e a soprano Christine Durand.
O disco chama-se In Concert: Houston / Lyon, lançado em vinil e CD em 1987, mas anos depois houve uma nova prensagem em CD (e streaming) chamada Cities In Concert Houston Lyon.
Jean-Michel André Jarre nasceu em 1948 em Lyon, na França, e foi criado pela mãe e pelos avós, aprendendo piano desde criança, com várias influências musicais, sendo que até tocou guitarra em uma banda de rock. Mas sua maior influência foi o musicólogo francês Pierre Schaeffer, pioneiro da manipulação eletrônica de sons e efeitos em um tipo de composição chamado de musique concrète – e daí nasceu toda sua experimentação com sintetizadores e teclados. O estilo musical de Jarre que mais me agrada prevaleceu principalmente entre seu início com o disco Oxygène, de 1976, até mais ou menos a década de 90. Depois Jarre acabou por se reinventar um pouco, passando a encampar estilos como ambient, trance e techno – com algumas excelentes ‘recaídas’, como o disco Equinoxe Infinity, de 2018, e as continuações do Oxygène. Jarre é filho do compositor de trilhas francês Maurice Jarre, famoso e prolífico em Hollywood, mas teve pouco contato com o pai durante sua vida.
Apesar de toda a busca de reinvenção – que não me agradou musicalmente – considero o Jean-Michel Jarre como um excelente músico e compositor, ou ‘conceptualizador’ de música, proporcionando numerosos excelentes álbuns, em minha opinião. A persona de mestre de cerimônias de shows grandiloquentes e altamente luminosos – que não acho que combine muito com a pessoa dele que transparece em documentários e entrevistas – valeu uma alcunha, habilmente proferida por uma amiga minha, décadas atrás, de: “Liberace Cibernético”. E eu ainda rio disso, mesmo hoje… rsrsrs…
In Concert: Houston / Lyon, foi gravado e mixado em um gravador digital de fita magnética Otari de 32 canais, modelo DTR-900, pelo engenheiro de gravação francês Denis Vanzetto – que foi quem gravou vários discos de Jarre, tanto de estúdio quanto ao vivo, entre as décadas de 80 e 90.
Destaque para as faixas Rendez-Vous II, e Magnetic Fields I – muito boas, em um disco que vale a pena ser ouvido ‘quase’ inteiro (a meio ‘festiva’ Rendez-Vous IV, consta como última faixa do lado B, e pode ser facilmente ignorada, por quem assim o quiser).
Pode ser encontrado em: CD / Vinil / Serviços de streaming selecionados. No streaming está muito bem transferido, e eu curti muito ouvir – e o CD é muito fácil de achar, porque vendeu um bocado em vários lugares do mundo. O vinil nacional é bem bom, mas em um vinil importado, americano ou europeu, fica clara melhor masterização e prensagem. E, claro, é um LP que existe em prensagem japonesa – e adquira uma quem puder!
Quando penso em quartetos de cordas, lembro-me do saudoso amigo Marcelo Jaffé, que entre outras peripécias musicais e
educacionais, é violista do Quarteto de Cordas da Cidade São Paulo, o quarteto vinculado ao Theatro Municipal e à Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo. Muito expandi meu contato com o repertório de quartetos de cordas assistindo um sem número de apresentações do Quarteto. Assim como aprendi muito sobre a matéria, com minhas longuíssimas conversas com o Marcelo, um educador nato! Como a minha memória tem ficado mais fraca, não me lembro de ter assistido eles tocarem quartetos de Respighi – mas posso estar errado, claro.
A não ser que eu ouça alguma obra específica que me despertou interesse, de algum compositor erudito com cuja obra eu não esteja familiarizado, vou procurar primeiro obras sinfônicas, depois quartetos de cordas, depois concertos para piano – por ordem de preferência. Mas, estranhamente, mesmo conhecendo, estando familiarizado, tendo em minha discoteca obras de Respighi, nunca havia me preocupado em ver se ele tinha quartetos de cordas – e foi aí que eu topei com este disco, tocado inclusive por seus conterrâneos, o Quarteto de Cordas de Veneza, ou Venice String Quartet, ou, melhor ainda, Quartetto d’Archi di Venezia!
Esse é um disco para fãs de música clássica, para apreciadores de música de câmara, e especialmente para os que curtem muito o gênero específico do quarteto de cordas – que para mim traz uma riqueza musical impressionante em sua estrutura e forma que é, enganosamente, simplificada, além de exigirem tremendamente dos músicos e permitir que o melômano ‘visualize’ a sonoridade de cada um dos quatro instrumentos (dois violinos, viola e cello) com extrema clareza, assim como deixa o músico desnudado em sua capacidade técnica e expressiva. Quase que dá pra ‘ver’ da Lua, junto com a Muralha da China, se o músico cometer um erro ou for desleixado. Somente grandes músicos, e um grupo com boa sinergia musical, podem resultar em um grande quarteto.
A gravação deste disco é um tanto difusa no foco, mas com boas texturas e excelente ambiência. É de um selo independente italiano, de Gênova, de pequeno repertório em matéria de discos – ainda – e que eu nunca ouvi falar, chamado Dynamic, mas que parece ser especializado mesmo é em DVDs de ópera.
Quando se pensa em compositores clássicos italianos, a primeira coisa que vem à cabeça são os mestres da ópera, como Verdi,
Puccini, Rossini, entre outros – sendo estes principalmente da segunda metade do século 19, do período cultural do Romantismo. Já Ottorino Respighi nasceu em 1879, em Bolonha, de uma família com propensões artísticas, com escultores pelo lado de sua mãe, um avô organista e um pai pianista que lhe incentivou totalmente suas aptidões e interesses musicais, os quais passou a demonstrar após os 8 anos de idade, com aulas de violino e piano, e aprendendo sozinho a tocar os Estudos Sinfônicos de Schumann. Sua natural aptidão o permitiu aprender vários instrumentos, como a harpa, que dizem ter aprendido a tocar em questão de dias. Em 1891, entrou para o Liceo Musicale di Bologna, onde estudou violino e viola e, quatro anos depois, composição.
Durante seus anos escolares, Respighi tinha como passatempo o estudo informal de línguas, tornando-se bastante fluente em 11 delas, aprofundando-se em suas literaturas e culturas. Em 1900 tornou-se spalla das violas da temporada de óperas da Orquestra do Teatro Imperial Russo, em São Petersburgo – onde fez amizade e teve aulas com o famoso compositor Rimsky-Korsakov – que ajudou a supervisionar a obra que Respighi mostrou em sua conclusão do curso de composição, no Liceo, em Bolonha, recebendo o maior dos cumprimentos de seu professor Giuseppe Martucci: “Respighi não é um aluno, Respighi é um mestre!”.
A carreira de Respighi compreende ser primeiro violino do Mugellini Quintet, compor óperas, fazer transcrições para voz e orquestra de obras de Monteverdi, trabalhar como pianista acompanhando cantoras líricas, dar aulas de composição, entre várias outras atividades. Com o amadurecimento de suas composições, e como resultado de suas viagens, ele queria modernizar a música italiana, e em 1917 estreou o primeiro de seus poemas sinfônicos: Fontane di Roma – que, junto com Pini di Roma e Feste Romane, tornariam-se a Trilogia Romana, os trabalhos pelos quais Respighi seria reconhecido mundialmente, até hoje.
Claro que Respighi, além de obras operísticas, transcrições, e da Trilogia Romana, tem uma longa lista de composições, com muitas obras para canto, de música de câmara, vários poemas sinfônicos e suites orquestrais, e balés. O disco aqui sugerido traz dois de seus mais famosos quartetos: o Quarteto de Cordas em Ré Menor (1909) – que mostra uma influência germânica, comum à época – e o
Quartetto Dorico (1924) – uma obra mais madura, que mostra influências de sua amizade com Rimsky-Korsakov, e o conhecimento das obras de Stravinsky e do impressionismo francês de Debussy e Ravel, sendo que estes últimos são latentes na Trilogia Romana, por exemplo. São, na verdade, duas de suas obras para quarteto de cordas mais gravadas, e ainda assim é uma das partes menos exploradas e conhecidas de sua obra. Alguns críticos afirmam que Respighi não se sentia confortável com a forma e linguagem de música de câmara, mas seu trabalho foi extenso nessa área, além dele mesmo ter começado profissionalmente em um quinteto de música de câmara. Ou seja, vale conhecer, e é um trabalho bonito!
Com uma discografia de mais de vinte discos, gravados para selos como a Naxos, a Decca e, principalmente, o conterrâneo
Dynamic, o Quartetto d’Archi di Venezia já tocou até pro Papa!
rsrsrsrs… Pensando bem, capaz de todos os grupos italianos bem sucedidos de música erudita já terem tocado para o Papa (neste caso, o João Paulo II), então seria o mesmo que dizer que eles têm afinidade com um bom macarrão. O grupo também já fez turnês para países como os EUA, Canadá, Taiwan, Japão, Coréia, Brasil, Uruguai, Argentina e, claro, vários países da Europa, além de já terem sido indicados para um prêmio Grammy.
Ativos desde a década de 80 até hoje, o Quartetto é composto pelos violinistas Andrea Vio e Alberto Battiston, o violista Luca Morassutti, e o cellista Angelo Zanin, e têm um repertório que vai bastante além da música de câmara italiana, com obras de compositores como Brahms, Bartok, Saint-Saens, Schubert, Hindemith, Shostakovich, entre outros, que os garantiu boas críticas de periódicos de vários lugares do mundo.
O destaque especial vai para a primeira faixa, o Quartetto Dorico.
Pode ser encontrado em: CD / Serviços de Streaming selecionados. Até onde eu sei, é só por aí mesmo. O CD é europeu, de uma tiragem pequena, mas o que está no streaming está muito bom. Mas nada, nada de vinil.