Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Quando comecei a montar a Playlist deste mês, fiquei pensando em algumas possibilidades para comemorar nossos 25 anos. Passei alguns dias ouvindo novas gravações no Tidal e no Qobuz, e achei que todos os lançamentos interessantes poderiam esperar as próximas edições.
Aí, separando os discos da Metodologia para preparar as apostilas dos futuros Cursos de Percepção Auditiva, me perguntei quais os cinco discos que são imprescindíveis estar no CD que o participante do curso irá levar para casa, e comecei, no meio dos 100 discos usados nos 8 quesitos, a vasculhar aquela gravação que sempre esteve no fechamento final da nota de algum quesito, ou mais de um quesito, e acabei selecionando 10 discos.
Aí passei mais um “pente fino”, e escolhi os cinco que sempre estiveram na lista dos que são a mais fiel “radiografia” de qualquer componente, do sistema completo.
Cinco discos que já deram muito pano para manga, e discussões calorosas em fóruns ou em audições coletivas na casa de audiófilos.
Mas, afinal, o que estes discos têm de tão especial?
Eu diria que tudo, desde uma qualidade técnica refinada, músicos virtuoses com excelentes instrumentos, engenheiros que souberam valorizar a qualidade artística e não “reinventar” a roda, e obras de extrema complexidade e bom gosto.
Passei inúmeras saias justas com esses cinco discos em cursos, consultoria e Hi-End Shows. Pois são gravações que mostram a beleza de um setup bem ajustado, e escancaram os erros de um sistema mal escolhido.
Nos primeiros anos após o lançamento da Metodologia, utilizava a seção CDs do Mês para mostrar lançamentos e gravações que pudessem ser usadas para o ajuste de cada quesito.
E por um bom par de anos, recebi muitas cartas (sim a revista recebeu muitas cartas nos primeiros 8 anos de vida), e e-mails desaforados de leitores afirmando que muitos discos indicados podiam ter seu valor artístico, mas eram ruins tecnicamente.
O CD que mais recebeu críticas por mais de uma década (e se bobear ainda receberá críticas nesta edição) foi o The Ron Carter Nonet: Eight Plus, gravado no Japão para o selo JVC, e que eu indiquei para a Movieplay trazer em uma série de Jazz que tinha dez discos. Eu escolhi este disco justamente pela impressionante qualidade artística e técnica. E, por conta disto, o número de “pauladas” que recebi de leitores furiosos (dois quiseram seu dinheiro de volta, pois colocamos a coleção para ser vendida pela revista), e um me devolveu pessoalmente em pleno Hi-End Show, dizendo que era um lixo!
Eu sempre fui muito cuidadoso e respeitoso, pois sei que toda pessoa pública tem enorme responsabilidade, mas se fosse hoje, nesta altura da minha vida, eu faria o sujeito sentar e ouvir comigo em nossa sala o disco todo. E ao final devolveria o CD e diria: “Vá fazer o seu dever de casa e arrume seu sistema por favor!”. Pois este disco, quando tocado em um sistema correto em termos de Equilíbrio Tonal, é simplesmente um espetáculo. Então, meu amigo, não o culpe se, no seu sistema, não estiver soando magistralmente. Aceite a possibilidade que seu sistema está torto ou ainda não “chegou lá”! Ele pode ser a bússola perfeita para o ajuste de vários quesitos da Metodologia: Equilíbrio Tonal, textura, micro e macrodinâmica, transientes e corpo harmônico.
Sim, é um disco com arranjos complexos e uma formação exótica: piccolo bass do Ron Carter, piano, baixo, bateria, percussão e quatro cellos. A região grave e médio-grave está sempre povoada ou por instrumentos solo ou pelo naipe de cellos em uníssono, o que exige um Equilíbrio Tonal e texturas perfeitos.
Aí que o caldo entorna, pois se o Equilíbrio Tonal e as texturas não forem corretíssimas, o sinal vira uma massaroca. E ouvi inúmeras vezes esta “massaroca” em inúmeros sistemas. Se queres que o seu sistema passe na prova final de correção e fidelidade extrema, este disco estará nessa etapa.
Outra pedreira que me foi muito cara em termos de impropérios, foi o Bozzio Levin Stevens: Black Light Syndrome. Que os audiófilos mais jovens adoram escutar, e os mais velhos fogem como o diabo da cruz, rs! É um CD complicado, pois novamente temos três virtuoses inspirados e afim de virar qualquer sistema do avesso. E, acreditem, ele é capaz mesmo de deixar sistemas caros com as calças nas mãos! Pois ele não perdoa falta de macrodinâmica, de folga e de um exímio Equilíbrio Tonal. É o tipo de gravação que, em um sistema superlativo, se ouvirá o disco integralmente, com risco de bis em algumas faixas.
Mas em sistemas tortos, não se consegue escutar uma única faixa!
E quando isso ocorre, as desculpas dos donos dos sistemas são as mais “criativas” possíveis, como: “meu sistema não aceita nenhuma gravação comprimida”, ou: “não montei meu sistema para ouvir este tipo de música”. Essas duas respostas são as mais comuns, mas também tem o audiófilo que teima em dizer que a qualidade técnica é sofrível! E aí, quando ele escuta em um sistema sinérgico e correto, ou ele tem humildade e dá o braço à torcer, ou fica ainda mais furioso ao ver seu argumento cair por terra.
Se você nunca escutou este disco, torço para que sua primeira audição seja em um sistema correto. Se tirar a sorte grande de ouvir em excelente condição, garanto que este será um disco que você usará para avaliação de dinâmica, transientes e equilíbrio tonal. Pois essa gravação não faz refém: ou seu sistema passa, ou morre!
A terceira gravação, é a mais emblemática, pois é possível avaliar com apenas este disco os oito quesitos da metodologia (sim você leu certo: os oitos). Gary Burton: Astor Piazzolla Reunion – esta é uma das gravações mais primorosas já feitas pelo saudoso selo Concord em seus áureos tempos de gravações artística e tecnicamente audiófilas. Os arranjos são primorosos a execução de tirar o fôlego e a escolha do repertório exemplar!
Se você está penando para ajustar o Equilíbrio Tonal de seu sistema há anos, e não sabe mais o que está no lugar ou não, ouça qualquer faixa deste disco (o ideal é ouvir as 13) mas para você ter uma primeira avaliação, comece pelas faixas 2 ,4 ou 7. A formação é perfeita para avaliação de todos o espectro audível: vibrafone, violino, piano, baixo, bandoneon e guitarra. Aqui, um deslize no Equilíbrio Tonal e os erros serão “explícitos”. Novamente escutei todo tipo de desculpa das mais simplórias às mais estapafúrdias, como: “detesto vibrafone pois sempre soa brilhante e duro”, “os arranjos são muito confusos com muitos instrumentos soando nas mesmas frequências”, até “não gosto de Tango”! Ok, cada um escolhe a maneira que irá negar que o seu sistema está errado, mas novamente, em um sistema correto, não há nenhum dos oito quesitos que não soem divinos! Eu, pessoalmente, utilizo este CD para fechamento das notas de Equilíbrio Tonal, textura, transientes e musicalidade.
Chegamos aos dois últimos discos usados na Metodologia, e que também deram inúmeras discussões acaloradas.
Shirley Horn: You Won’t Forget me. Este eu diria já ser um clássico da Metodologia, e continua sendo o disco mais tocado nos nossos Cursos de Percepção Auditiva. Ouça a faixa 11 – If You Go, por um simples motivo: a qualidade da microdinâmica, Equilíbrio Tonal e textura desta faixa. O desafio é que o ouvinte escute, logo no início do tema, quantas vezes o prato de condução se repete ondulando, até voltar ao silêncio. O problema é que a música está rolando e o baterista foi cuidadoso em bater no prato e deixar ele soando até acabar. Algumas pessoas escutam apenas 9 ondulações, outras 10, algumas 11. E os que têm melhor audição e melhor sistema, 13, sendo que em alguns sistemas de nível superlativo, passa de 13 (não vou contar para deixar a resposta para os que fizerem o nosso Curso em nossa sala, com nosso Sistema de Referência). O importante é que um exemplo tão simples e quase banal, tenha tanto a revelar sobre um sistema hi-end. Os que também não conseguiram em seus sistemas escutar mais que dez ondulações, sempre acham alguma justificativa para não escutar mais.
Quando vejo este tipo de resistência, percebo claramente que o que está por detrás desta negação é simplesmente a não aceitação de que todo o trabalho feito ainda não está à contento. Já a maioria dos nossos leitores agradece a ajuda e a possibilidade de compartilhar ferramentas que os ajudem a “andar” com sua própria audição.
E como este é o nosso trabalho, a receptividade da maioria compensa as respostas atravessadas, mal educadas e muitas vezes desproporcionais ao que estamos escrevendo ou mostrando.
E, por fim, Patricia Barber: Modern Cool. O disco mais amado pelos fabricantes de caixas bookshelf, pois este disco os ajudou em inúmeros eventos e revendas, a convencer o consumidor que uma pequena caixa de estante atingiu a “maturidade” na resposta de graves, capaz de nos encantar com graves poderosos e repletos de energia. Mas essa gravação é muito mais que “graves de contrabaixo” e “bumbo de bateria” enérgicos. Ela tem o mérito técnico de excelente captação de todos os instrumentos, mixagem e masterização esmerada, e arranjos que trabalham muito bem o silêncio. Este silêncio é que dá este contraste que soa tão bem em sistemas hi-end decentes e em caixas book. Diria que este CD é uma das maiores “peras doces” para demonstração de qualquer topologia bem ajustada e sinérgica. Ainda hoje é utilizado em diversos Hi-End Shows pelo mundo, e os audiófilos adoram.
Essa foi a gravação dos discos mais antigos da Metodologia que menos críticas recebeu. Claro que teve algumas, mas foram pontuais, falando de excesso de graves quando escutados em caixas com uma resposta mais baixa, ou que o corpo parece turbinado. Para essas críticas pontuais, sinto dizer que ambas não procedem. Pois se o grave sobra, ou a acústica de sua sala está defeituosa, ou seu setup e posicionamento das caixas está deficiente. Quanto ao corpo, eu desejaria que mais e mais gravações digitais tivessem este corpo harmônico, pois ao menos a diferença do digital para o analógico neste quesito não seria tão distante. Os engenheiros de gravação deste disco deveriam passar a fórmula para todos os seus colegas de profissão! É um dos poucos CDs em que realmente o corpo harmônico está bom, com tamanhos corretos.
Este é o meu presente para você leitor, que nos conheceu recentemente e está à procura de gravações que possam lhe fornecer um norte.
E se tocarem mal em seu sistema, não desanime, pois tudo tem conserto. A única coisa que não se conserta nesta vida é cabeça dura, ou teimosia extrema!