Opinião: POPULARIZAÇÃO CULTURAL DESTRUTIVA

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

O que as pessoas aprendem – ou deveriam aprender – desde criança? Que é preciso entender um assunto para interferir nele, para participar dele, para usufruir dele.

Vira e mexe acontece uma apropriação cultural inconsequente – ou seja, algo que não tem cabimento, geralmente feito por modismo, que não agrega qualidade para nenhum dos dois lados. Para um dos lados, não agrega qualidade musical, simples assim. E para o outro lado, traz apenas uma ‘noite de gala’, um toque ‘chique’ para uma série de pessoas que, como eu disse no primeiro parágrafo, não aprendeu, não entendeu, e nem quer. E, para ambos lados, não agrega mais público, que é o que parece ser um dos intuitos – apesar de eu achar o entrevero todo é apenas uma questão de gente querendo parecer mais bacana, no cenário cultural geral – este hoje politizado pelo ‘politicamente correto’ e pela ‘justiça social’.

O que, de fato, aconteceu?

Bom, uma orquestra sinfônica americana tem um programa ‘popular’, onde eles trazem artistas do cenário local para tocarem e cantarem com a orquestra. O ocorrido específico, que gerou a vontade de dar minha opinião, foi na verdade em 2014 (mas o programa continua existindo) quando a orquestra pôs um rapper para recitar à frente da mesma, com obras do tal rapper adaptadas para orquestra sinfônica por um compositor com conhecimentos de composição. E com todos os palavrões e linguagem chula, que são importantes ao rap, e nem um pouco à uma orquestra sinfônica. Esse vídeo chegou ao meu conhecimento recentemente, vindo com tanta adoração pelos ignorantes dos ‘politicamente corretos’ e ‘justiceiros sociais’, mas tanta adoração, que tanta energia seria suficiente para alterar o eixo onde gira o planeta Terra!

O aspecto politizado da ‘justiça social’ não me interessa, pois não me cabe discutir esse tipo, ou nível, de mérito. Assim como minha opinião é irrelevante sobre rap e hip-hop, e sobre sua relevância cultural, ou como fenômeno social – que são coisas sérias e que existem.

Mas existe, nesse processo todo, desde a feitura dessa ideia mal pensada até à adoração pelo cenário atual, uma série de erros – ou, seguindo o raciocínio de alguns parágrafos acima, simplesmente o ‘entendimento’, a ‘compreensão’ de algumas coisas saiu pela janela quando a ideia entrou pela porta.

Sempre procurei entender música, entender todo o processo que inclui o longo estudo para um músico tocar em uma orquestra, a precisão e dedicação necessária para chegar lá e para estar lá – que inclui estudar 8 horas por dia durante uns 15 anos, teoria e prática musical, simplesmente para poder se candidatar à uma das 100 poucas vagas de músico de uma orquestra sinfônica! Ou, por exemplo, o mesmo tanto – ou mais – de estudo por parte de um regente de orquestra, que tem que entender as capacidades e limitações de todo e qualquer instrumento da orquestra, que tem que, durante a regência de uma obra, ler a partitura de todos os instrumentos simultaneamente enquanto dirige o andamento da orquestra, entre outras coisas. Ou então o compositor de música clássica, que tem que fazer pelo menos o mesmo tanto de estudo de um ou mais instrumentos, e o mesmo tanto de estudo de todos os outros instrumentos, mais o desenvolvimento de técnicas de composição – para fazer uma trabalho super complexo que é para muito poucos, que muito poucos na história da humanidade ficaram e ficarão para a posteridade.

Tendo passado a minha vida adulta procurando o entendimento de tudo isso, provendo um imenso respeito pela qualidade de tudo isso, e pensando no rap e no hip-hop, comparativamente, como relevância cultural e musical, como qualidade musical, a única coisa que consigo pensar é no quão inapropriado esse programa dessa orquestra americana é, ou o quanto foi nessa específica apresentação. O quão sem cabimento é essa mistura, já que o rap simplesmente não está no mesmo nível – e não é uma questão de não gostarem do meu ponto de vista, ou me chamarem de ‘reacionário’ ou outra coisa qualquer – é uma questão de Compreender.

Sou sim preservacionista cultural, e esse é o melhor caminho, como demonstrado ao longo da existência do ser humano de maneira organizada na face da terra. Cada um com a sua expressão cultural, e eu (e muitos outros) vamos trabalhar para preservar a nossa.

Aí, então, temos alguns outros pontos, no mínimo discutíveis.

Um deles é a questão da inclusão social, afinal a orquestra em questão é parcialmente sustentada com verba pública, portanto ela pertence à toda comunidade. Certo? Na verdade não. Ela ‘serve’ à toda a comunidade, dentro da capacidade para qual ela foi criada e existe, que é ser uma Orquestra Sinfônica. Se há interesse na comunidade dos fãs de rap e hip-hop em vir assistir a orquestra dentro da capacidade dela, fico feliz que venham – quanto mais público, melhor! Mas as pessoas vêm à orquestra, e não a orquestra que vai às pessoas, até porque ela é uma orquestra de uma grande cidade servindo à essa grande cidade. Ela é local e está no local que tem que servir culturalmente – e os EUA têm 1224 orquestras sinfônicas em seu território nacional, então a comunidade está muito bem servida sem precisar que as orquestras tenham que ir até a comunidade.

Então, passando desse aspecto físico para o aspecto metafórico da questão: as orquestras têm que servir a comunidade fazendo concertos com um rapper à frente? Tirando de lado o não ter cabimento cultural nem musical, se o intuito é trazer um novo público para a orquestra, saibam que os poucos meios de comunicação que não foram deslumbrados pela ‘justiça social’ do acontecimento, e fizeram as perguntas certas ao público, descobriram que maioria deles não tinha intenção de continuar assistindo uma orquestra sinfônica, que foram lá por causa do rapper.
Vejam, orquestras sempre proporcionaram programas populares, como as nossas que frequentemente trazem o melhor da nossa MPB, ou mesmo fazem programas integrando o jazz. Acontece que esses são gêneros que ‘musicalmente’ tem muito mais afinidade com uma orquestra, são musicalmente muitos mais complexos e ricos que um rap. E, claro, ao longo do tempo, o experimento duvidoso de juntar a orquestra com o repertório do extremo do espectro popular, já foi feito várias vezes – inclusive no Brasil – e não foi bem sucedido em matéria de qualidade (por motivos óbvios) e nem proveu resultados significativos em matéria de aumento de público, ou de interesse popular pela orquestra e a música que ela toca, a chamada ‘música clássica’ ou ‘orquestral’.

Parte desse desagrado com o rapper frente à orquestra é compartilhado por uma série de membros da mesma, para não dizer de grande parte da comunidade mundial envolvida na música clássica atualmente.

Agradou mais do que desagradou? De maneira nenhuma.

Trouxe gente nova para a música clássica e para as orquestras? De maneira nenhuma.

Trouxe a ‘música de orquestra’ para a comunidades do rap e do hip-hop? De maneira nenhuma.

Deu validação a um grupo de agitadores culturais e pessoas moderninhas e outros deslumbrados que acham que mundo tem que se adaptar a eles? Sim. Momentaneamente. Apenas momentaneamente…

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