Espaço Aberto: QUANDO AS SOLUÇÕES ESTÃO ALÉM DO CONHECIMENTO TEÓRICO

Editorial: NOTÓRIAS INUTILIDADES!
julho 15, 2021
Teste 3: CABO USB OYAIDE CONTINENTAL 5S V2
agosto 14, 2021

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Nossos avós tinham ditados para tudo que estava além do conhecimento.

Um dos que mais escutei em minha infância foi: “Só não se tem solução para a morte”. Este era o meu preferido, e de tanto acreditar ser verdade, o incorporei a minha forma de encarar qualquer tipo de adversidade, das mais banais às mais complexas, que tive que enfrentar.

Nunca aceitei um não como a primeira e única resposta a um problema que não sabia sequer por onde começar a decifrar. Isso me levou a me tornar um autoditada, incansável na busca de soluções onde outros desistiam, por não ver saída ou achar que não havia resposta dos ‘experts’ no assunto.

E como a vida vive nos aplicando ‘rasteiras’, eu convivi com inúmeros ‘experts’ em várias áreas de atuação, tanto no sentido profissional, como de interesses meramente pessoais. E o que mais me chamou a atenção é como o conhecimento, quando mal empregado, nos torna arrogantes e pouco flexíveis com o problema alheio.

Este foi o meu caso, quando me vi tendo que iniciar os testes da revista em uma sala de apenas 14 metros quadrados. E ciente dos problemas acústicos da mesma, recorri a três especialistas em acústica que tinham enorme renome no mercado. E o que ouvi de todos eles foi desolador, pois a radiografia foi: em uma sala com estas características não há o que fazer!

Um até tentou, depois de suas medições, sugerir que se eu utilizasse uma caixa que não descesse abaixo de 72 Hz, conseguiria conviver com as limitações nos graves. Mas os outros dois foram reticentes: o único jeito seria aumentar a área, quebrando a parede e juntando dois cômodos para formar apenas um!

Fiquei desolado com as respostas e, antes de iniciar minha peregrinação por uma ‘solução’ autodidata, fui me certificar do grau de conhecimento dos três profissionais , ouvindo seus projetos acústicos. Quando avaliados unicamente pelas medições frias e objetivas, as curvas eram excelentes em todos os projetos, mas quando tocando música eram absurdamente indecentes.

Mas o que mais chamou a atenção foi como esses profissionais ‘justificavam’ os problemas audíveis, sempre com a desculpa que o projeto não tinha sido feito integralmente ou ainda faltavam etapas. E, pior: o sistema estava aquém do projeto acústico!

Ali percebi, na prática, que havia um problema real entre as medições precisas e a audição de música. E me armei de coragem para achar uma solução para a minha sala.

Estudei absolutamente tudo que havia de teoria em tratamento acústico nos anos 90, e antes de sair produzindo absorvedores de grave e difusores, comprei o melhor fone com uma resposta flat que tinha a disposição no mercado, e escolhi dez gravações sem compressão e sem equalização e ouvi por semanas essas gravações no fone, até entender como se comportava o Equilíbrio Tonal, a ambiência, a micro e macrodinâmica, e passei a comparar o que ouvia no fone e na sala com apenas os móveis os equipamentos e um tapete.

E como tínhamos na época uma excelente relação com a Isover, pedi ao seu departamento de engenharia para desenvolver para mim um Tube Trap para eu colocar nos dois cantos atrás das caixas. Pedi que metade deste Tube Trap fosse reflexivo e a outra metade fizesse absorção, sintonizado entre 60 e 100 Hz (onde se encontra o problema da maioria das salas entre 12 e 20 metros quadrados).

O resultado foi impressionante, resolvendo mais de 60% dos problemas da minha sala. O resto foi muito mais simples: colocar difusores atrás do rack de equipamentos, amortecer o teto, diminuindo o pé direito em 20 cm com placas da própria Isover, e difusores atrás do ponto de audição.

Nesta sala testei e utilizei caixas que desciam muito abaixo dos 72 Hz, e tive por quatro anos um par de Dynaudio Temptation neste ambiente, com respostas planas até 30 Hz! Sem embolar os graves ou ter fadiga auditiva.

Felizmente dezenas de pessoas, entre colaboradores, amigos, músicos, clientes e leitores ouviram o resultado, e muitos deram seus testemunhos (alguns até publicados na revista). Desde então, separo muito bem ‘medições’ de ‘audições críticas’. E afirmo – para desespero dos objetivistas – que se eles não forem além das medições para o ajuste fino da sala, os resultados sempre serão pífios!

Pois a música é muito mais complexa do que um sinal puro, e o objetivista terá que aprender a ‘interpretar’ essas dicotomias entre medições e audições, para ver seu trabalho bem realizado.

E depois de tantos anos ouvindo todo tipo de sala, setups e soluções, me pego (para minha surpresa) vendo que duas das minhas mais recentes consultorias bem sucedidas se deram em salas que não receberam tratamento acústico nenhum. Por ‘n’ motivos, mas aceitei o desafio e conseguimos extrair o melhor dentro dessas limitações.

Nesta edição quero falar de um leitor, que há anos briga com sua sala na tentativa de torná-la pelo menos ‘audível’, passando por inúmeras configurações, desde caixas book até pequenas colunas de duas vias e meia. E confesso que até eu avaliar toda sua odisseia, temi falhar. Mas como sou teimoso ao extremo, achei que haveria uma forma de contornar uma sala que, do lado direito tem uma janela de vidro que dá para a varanda do apartamento, e do lado esquerdo um corredor para os quartos e para a sala de jantar.

E, detalhe: a caixa do lado direito fica a menos de 30 cm da parede de vidro e a caixa esquerda tem as suas costas mais de 3 metros de corredor, e na sua lateral mais 3 metros até a parede da cozinha. E a caixa da direita também está com menos de 70 cm da parede às costas dela (acho que as fotos ajudarão o leitor a entender os problemas).

Acompanhei por anos seu drama e quase desistências, cada vez que uma nova tentativa falhava. E, para definir o caos, faltou dizer que o sofá de audição está grudado na parede, pois a distância entre o sistema e o ponto de audição é de menos de 3 metros.

Seus amigos audiófilos o encorajaram a desistir de realizar o sonho de ter um sistema hi-end, pois ao se depararem com tamanho desafio, julgavam uma missão impossível ouvir um sistema de alto nível nessas condições.

Aqui tenho que publicamente confessar que, se ele tivesse pedido minha ajuda cinco anos atrás, eu não chegaria a conclusão diferente dos seus amigos. Mas o que me fez mudar de ideia foi que temos caixas no mercado atualmente que conseguem uma performance decente mesmo em salas com muitas limitações ou obstáculos (mas não se animem os fãs de caixas amplificadas com ajustes de equalização, pois falo de caixas passivas).

E depois de explicar qual era a minha proposta para ‘driblar’ essa quantidade de obstáculos, ele topou ouvir o que eu tinha a apresentar. Para isso pedi que ele trouxesse seu amplificador integrado e suas músicas de referência em streaming, e eu montei em nossa sala de testes o ‘caos acústico’ de sua sala, com o ponto de audição a apenas 2,80 m das caixas, essas com a mesma abertura entre elas, e caixas simulando a parede lateral do lado direito reflexiva e do lado esquerdo aberta.

E obviamente escolhi uma caixa de três vias excepcional em termos de equilíbrio tonal, e com um tweeter atrás para reproduzir a ambiência (que trabalha bem perto da parede às costas ou não) e com os woofers de saída lateral do gabinete.

Na nossa sala meu intuito foi apresentar a assinatura sônica da caixa. Aprovada por ele, precisávamos colocar a caixa em sua sala e ver se ela realmente ‘driblaria’ todos os problemas acústicos como eu havia previsto.

O que posso afirmar, amigo leitor, é que o resultado foi muito além até das minhas expectativas, quando cheguei lá para o ajuste fino, depois dela estar com mais de 100 horas de queima, o único ‘senão’ era a altura das vozes e instrumentos solistas, que estavam baixas, como se todos estivessem sempre tocando sentados. Para corrigir este problema, precisei apenas trazer o ponto de audição 30 cm para a frente, e o palco ficou perfeito.

Eu ainda não sei se ele já chamou os amigos que o desencorajaram no hobby, mas certamente ele o fará com enorme prazer.

Fico imaginando quantos audiófilos, no mundo, passam a vida sem conseguir o resultado esperado, pois não conseguem entender que as soluções só ocorrerão quando souberem exatamente onde está o problema e como pode-se contorná-lo com o setup correto e as intervenções pontuais necessárias.

Neste caso específico, era necessário se alcançar o melhor Equilíbrio Tonal possível e uma caixa com autoridade, porém de pequeno porte para não ‘excitar’ os problemas na sala, inerentes a todos os obstáculos existentes. E como o distanciamento entre as caixas e o ponto de audição é muito próximo, uma amplificação com autoridade para reger as caixas em volume correto.

Nenhuma medição ou conhecimento teórico iria por este caminho, disso eu tenho absoluta certeza!

Às vezes a resposta que buscamos está justamente onde você jamais ousou pensar!

1 Comment

  1. jean aprigio azevedo ribeiro disse:

    Excelente explanação caro Fernando! Já “briguei” bastante com minha sala, já que também possui pequenas dimensões. Tendo conseguido um melhor resultado com a simplificação do sistema como um todo… Muitas das soluções propostas serão usadas na minha nova sala, que creio estará pronta nos próximos dois meses… obrigado!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *