Opinião: É HORA DE REVER ANTIGAS DIVERGÊNCIAS ENTRE O QUE FOI GRAVADO E O QUE OUVIMOS EM NOSSOS SISTEMAS

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Este artigo vem ocupando o pouco tempo livre que tenho, bem mais do que eu gostaria.

Isso significa que ele já foi plenamente maturado, e estava precisando apenas do ‘pontapé’ inicial para ser escrito. E quem deu este ‘empurrão’ foi o artigo escrito por Dave McNair, do site parttimeaudiophile.com, e publicado no dia 13 de agosto deste ano.

Dave McNair foi engenheiro de gravação profissional, mixer, produtor e audiófilo (mais recentemente, segundo palavras dele).
Seu artigo tem o instigante título: “Como as gravações são produzidas e o que isso significa para o seu aparelho de som – A Torre de Marfim”. E o subtítulo: “A realidade é superestimada quando se trata de gravações”.

Em seu longo artigo, escrito com conhecimento de causa, já que ele atuou em várias etapas de como a música é produzida e reproduzida eletronicamente, ele toca no velho e surrado assunto da qualidade das gravações, que soam ruins em equipamentos hi-end.

E inicia o artigo com um fato que ocorreu com um amigo de longa data, quando ele gentilmente enviou uma master sua de um grupo vocal/jazz, muito bem produzido e moderno, para o seu amigo audiófilo ouvir em seu sistema. E, para sua surpresa, o amigo disse ser “inaudível” em seu sistema.

Então Dave pega este acontecimento, para contar um pouco de como a preocupação estética e artística da grande maioria das gravações não audiófilas passa longe da escolha de ter que soar bem em equipamentos de áudio hi-end. E lembra que muitos audiófilos pensam que a maioria (senão todas), as gravações deveriam ser feitas com o mínimo de microfones possível, sem equalização que possa destruir o som natural. E que os músicos toquem juntos na sala de gravação, para uma reprodução correta do foco e recorte.

E ele (para ser educado), até diz que este pode ser um conceito admirável, mas que não funciona no mundo real das gravações ditas ‘não audiófilas’. E usa como exemplo os Rapazes de Liverpool, em que a última coisa que eles queriam eram os engenheiros do Abbey Road impondo as ’melhores práticas’ exigidas para gravar música clássica para o quarteto. Com microfones à distância, sem nenhum tipo de equalização, e sem compressão dinâmica, o que tolheria completamente o nível de experimentação que o quarteto desejava dar aos seus trabalhos.

Ainda que Dave concorde que os primeiros discos dos Beatles eram praticamente tocados ao vivo no estúdio, e sem overdubs adicionais. E que só a partir do disco Revolver, os truques de edição de fitas começaram a ser utilizados.

Depois ele defende sua ‘tese’, com exemplos dos discos da gravadora Motown, que eram gravações feitas para soarem ‘incríveis’ nos rádios, no carro e jukebox, e não em sistemas hi-end. E que muito desta sacada foi graças ao talento dos artistas, produtores e arranjadores, e que o objetivo era realmente ter uma sonoridade exagerada.

E fecha este parágrafo de defesa de suas ideias, dizendo que provavelmente os discos da Motown não soem bem em uma Wilson Audio Chronosonic XVX (eu quase que parei de ler o artigo desta parte, mas aí resolvi dar uma pausa, sair para caminhar, colocar as ideias em ordem, e ler o artigo até o final, para poder escrever este Opinião).

E aí volta aos Beatles para dizer que, a partir do Revolver, os engenheiros responsáveis tiveram que aceitar colocar um microfone dentro do bumbo da bateria em um compressor Fairchild. E aí as gravações nunca mais foram as mesmas.

Aqui preciso fazer um aparte, pois se Dave tiver um bom sistema, tratar sua sala e parar de sentar no chão para ouvir e testar equipamentos (ele em todas as fotos sempre aparece sentado no chão e no seu currículo faz questão de colocar que também é vegano), e colocar as gravações dos anos 50 da Capitol, Columbia, Decca, Verve e Impulse, irá perceber o que os engenheiros extraíram, com apenas três microfones, é muito superior em tudo que os engenheiros conseguiram extrair em qualquer disco dos Beatles.

Mas, voltemos ao raciocínio do Dave: ele nos diz que no início de sua carreira de produtor, ele fez gravações minimalistas, sem equalizar, sem comprimir e que o resultado era ‘incrível’ quando reproduzido através dos monitores do estúdio, mas quando tocados em qualquer outro lugar, soavam como ‘pão torrado sem manteiga’. E isso o fez ir do ‘purismo’ para o uso de todo o tipo de parafernália utilizada nos estúdios. Pois ‘percebeu’ que ‘músicos e cantores’ quase nunca se permitem deixar as falhas que o acompanham em uma sessão de gravação serem ‘capturadas’ para serem apresentadas no trabalho final.

Pois todo músico gosta de ‘parecer maior’ do que na vida real. E com os recursos de edição digital e afinação, parecer ‘maior do que é’ se tornou algo trivial! E nos lembra que, no mundo digital, mesmo na música clássica e no jazz, a ‘perfeição’ que ouvimos está sempre sendo ‘auxiliada’ pelo computador, ainda que ele ache que este ‘expediente’ não seja tão utilizado como nos outros gêneros.

E ele lembra que até Glenn Gould tinha uma quantidade ‘insana’ de edições nas fitas analógicas para chegar ao resultado final.

E fecha seu ponto de vista dizendo que, em muito raras exceções, existem músicos audiófilos ou que tenham sistemas hi-end. E que, portanto, para a maioria esmagadora dos músicos, uma gravação altamente realista nem mesmo faz parte de seu processo de pensamento estético / musical. E os avanços atingidos pela ‘perfeição na gravação digital’ lhe são muito mais atraentes.

E, no final do artigo, vemos o Dave ‘audiófilo’ concluindo seu raciocínio dizendo: “Como audiófilo, posso me maravilhar com uma gravação que parece me transportar para o evento musical gravado. Só não acho que funcione para a maioria dos artistas fora do gênero de música clássica e jazz”.

E termina o artigo, em primeira pessoa: “Para mim o ideal é o sistema preciso e transparente o suficiente para ser capaz de, quando solicitado, sugerir uma ilusão confiável de ‘você está lá’, mas o mais importante para mim é que o sistema seja capaz de satisfazer meu ouvido com um estilo típico de gravação ‘falso’ e um tanto exagerado. Porque essa é a maioria do que gosto de ouvir”.

Nada contra sua maneira de ouvir, Dave, pois como sempre brinco: se o cara quiser escutar música de cueca, plantando bananeira, na sala ao lado, cada um escuta como quiser.

O que incomoda, e muito, é escrever um artigo tentando defender como você gosta de escutar seus discos, utilizando uma quantidade infindável de informações no mínimo (para ser educado) duvidosas.

Vamos, então, voltar a uma questão que posso descrever com bastante propriedade: a captação bem feita.

Participei de dezenas de gravações, conheci músicos muito talentosos e outros ainda em início de carreira, e nunca ouvi um músico ter resistência a ser bem captado. Jamais presenciei um músico ouvir um take seu e dizer: “Fernando, daria para você esconder meus erros por favor?”. Nunca gravei nenhum solista ou grupo sem mostrar os benefícios de uma gravação bem feita e que, ao final de minha demonstração, o músico ou o grupo virasse para mim e não tivesse o interesse de viver essa experiência.

Ok, meus críticos vorazes podem argumentar que nunca gravei música de consumo (pop ou rock) e, portanto, meu universo de produção não seja tão amplo, mas ainda assim existem centenas de excelentes exemplos de rock e blues eximiamente bem gravados.
Citarei apenas dois, que utilizo inclusive para fechar nota de equipamentos: o Joe Satriani de capa laranja e o Eric Clapton & BB King – Riding With The King. Mas existem centenas de excelentes gravações que põem por terra essa tese dele!

Outra grande questão, nunca levantada, é a qualidade do instrumento do músico e sua qualidade como instrumentista. Aprendi na prática, gravando, que não se usa um microfone B&K para gravar um violão Giannini, na mão de um músico de bar de beira de praia. Já contei dezena de vezes o apuro que passei na gravação de um pandeiro no Genuinamente Brasileiro volume 1, em que todos os microfones que havia escolhido para a gravação do disco estavam muito acima da qualidade do instrumento, e no desespero tive que recorrer a um Shure SM58 do técnico do Teatro Alfa.

Ou a vez em que fui assistir ao lançamento do disco da querida amiga Jane DuBoc, na Sala São Paulo, e só a voz dela estava sendo amplificada e não os instrumentos acústicos – e estava difícil ouvir o piano. Até que a Jane chamou o Egberto Gismonti para dar uma ‘palhinha’, e o piano se transformou da água para o vinho. Foi uma das experiências mais marcantes que presenciei em termos de digitação de um virtuose em relação a um músico esforçado.

Acho que todos que abraçaram este hobby precisam entender definitivamente que o resultado de tudo que ouvimos em nossos sistemas é a soma de partes, e todas precisam estar no mesmo nível, ou o bolo desanda.

Mas os audiófilos também precisam compreender que se o seu sistema ‘seleciona’ os discos que tocam bem, como uma criança mimada fazendo birra em uma loja de brinquedos, o seu sistema está torto!

Pois um sistema hi-end com o equilíbrio tonal correto e com folga suficiente, a gravação precisa ser de um nível técnico muito lastimável para não poder ser ouvida.

Então, no artigo do Dave, das duas uma: ou o sistema do amigo está muito torto, ou a gravação do Dave tecnicamente é lamentável! Não me perguntem em qual opção eu cravo que está o problema, mas garanto que eu sei a resposta!

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