Opinião: QUE FIM DEU O ROCK PROGRESSIVO?

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Outro dia me perguntaram qual era, de todos, o meu gênero musical preferido. Respondi: Rock Progressivo! “Ah, você ainda ouve, então, Yes, Genesis, Emerson Lake & Palmer?”. Ouço sim, mas só de vez em quando. “Se é seu gênero preferido, como você só ouve de vez em quando?”. E instaurou-se a confusão…

Cresci ouvindo música clássica, depois Beatles, depois passei por todo tipo de pop e rock, do mais leve ao mais pesado, tive um gosto especial por várias vertentes de música eletrônica (sim, eu já fui jovem) – gosto o qual, em partes, ainda guardo hoje.

Não vivi o Rock Progressivo em seu momento, mas por conviver com gente mais velha, tomei conhecimento da maior parte dele, já na adolescência. E, acho, minha base de música clássica sempre me fez admirar a elaboração e complexidade desse gênero musical.

É difícil e impreciso traçar um caminho, uma evolução para o Progressivo – quanto mais querer traçar uma ‘árvore genealógica’ dele. Além de que, me sinto incapacitado para tal.

Minha idéia aqui é querer mostrar que tudo evolui, mostrar que ainda hoje existem vários filhos e netos do progressivo, gente que manteve muito do espírito e da qualidade, ainda que em mutação, ainda que mesclando vários estilos e gêneros – é algo que eu ‘enxergo’ nas entrelinhas, nas harmonias, nas complexidades rítmicas de arranjos, e não algo que é acadêmico ou fruto de estudos de musicólogos. Até porque, estou longe de ser acadêmico.

Acho que a melhor maneira de traçar isso, seria a partir de bandas e artistas consagrados. A ideia é expor um pouco de que eles, e seus membros e colaboradores, fizeram depois da época áurea, a partir da segunda metade da década de 1970 – enquanto o mundo puxava a sardinha para coisas muito pop como a Disco, ou muito barulhentas e revoltadas como o movimento Punk. Vou achar para o resto da vida muito estranho como esses dois ‘gêneros’ substituíram, de alguma maneira, o Progressivo como música com alta popularidade…

Yes
YES & ALÉM

A banda inglesa encabeçada pelo vocalista e letrista Jon Anderson é um dos pilares principais do gênero, claro. Que fim deram eles? Bom, o Yes existe até hoje! É um progressivo ‘de nicho’… rs… Nesse sentido eles continuam fazendo o mesmo tipo de música, em shows e em numerosos discos lançados, com mais formações que uma dança de cadeiras: atualmente apenas o guitarrista original Steve Howe, e um dos bateristas dos tempos áureos, Alan White, permanecem na banda.

Asia

Outros membros da formação atual são: o tecladista Geoff Downes, que formou o grupo Asia em 1981 com o baterista do Emerson Lake & Palmer e um dos baixistas do King Crimson. O baixista Billy Sherwood, que teve várias bandas de Progressivo entre o meio da década de 80 e os anos 2000, como World Trade e Circa. E Jon Davison, ex-vocalista da banda Glass Hammer, de 2009 a 2014. Ou seja, dos cinco membros atuais, três deles são ‘filhos do progressivo’, com carreiras e representatividade que começaram anos depois da época que esse gênero era do mainstream.

Bill Bruford

E os membros antigos do Yes, o que fizeram depois? O tecladista Rick Wakeman teve vários discos temáticos, como Six Wives of Henry VIII, e Journey to the Centre of the Earth, com uma longa discografia e carreira que perduram até hoje, inclusive com uma banda própria chamada English Rock Ensemble. O baterista Bill Bruford teve uma longa colaboração com o King Crimson, que durou décadas, além de bandas próprias (como Earthworks e U.K.), e colaborações com Patrick Moraz (outro ex-tecladista do Yes com vários discos solo ao longo dos anos), Bruford Levin Upper Extremities (com o baixista Tony Levin que tocou em todos os discos do ex-vocalista do Genesis, Peter Gabriel, e com o King Crimson por décadas, e em um disco do Yes, e em um disco do Pink Floyd), entre vários outros.

Rick Wakeman

O próprio vocalista e letrista Jon Anderson, fez participações em discos do tecladista e compositor grego Vangelis (que foi da banda de Progressivo Aphrodite’s Child, com Demis Roussos nos vocais), e lançou vários discos solo nas décadas seguintes. A dupla Jon & Vangelis também lançou, até 1991, quatro álbuns, sendo alguns deles pérolas do rock progressivo, como o Short Stories, de 1979. E o próprio Vangelis – que chegou bem perto de substituir Rick Wakeman no Yes em meados dos anos 70 – tem lançado discos até hoje, com uma discografia de 36 discos (sendo 13 deles trilhas sonoras, como a do consagrado Blade Runner).

Jon & Vangelis
GENESIS & ALÉM

O segundo dos grandes pilares do Progressivo é outra banda inglesa: Genesis, formada com o vocalista e letrista Peter Gabriel, o guitarrista e baixista Mike Rutherford, o guitarrista Steve Hackett, o tecladista Tony Banks, e o baterista Phil Collins.

Genesis

Peter Gabriel saiu da banda no auge, em 1975, para perseguir uma prestigiosa carreira solo, que perdura até hoje, com uma fenomenal banda de apoio, profunda promoção da world music e composições complexas e cerebrais. Sua discografia já ultrapassa 14 discos, para não falar nas colaborações e participações. Dentre os membros mais frequentes de sua banda estão o baixista Tony Levin (King Crimson, discos solo e amplas colaborações) e o exímio baterista de jazz e world music Manu Katché. Inclusive, o líder e guitarrista do King Crimson, Robert Fripp, colaborou mais de uma vez com o trabalho solo do vocalista.

Peter Gabriel

Com a saída de Peter Gabriel, o Genesis continuou na década de 70 com Phil Collins assumindo tanto as baquetas como os vocais, continuando com a sonoridade progressiva. Já a partir dos anos 80, a banda assumiu um som mais pop-rock, mas ainda com algumas faixas mais elaboradas em seus discos. Aliás, com idas e vindas, o Genesis pendurou as chuteiras definitivamente este ano, com a aposentadoria de Collins, por questões de saúde.

Pink Floyd
PINK FLOYD & ALÉM

Já deu para perceber que o Rock Progressivo é um produto especialmente inglês, não? Pelo menos em seus tempos áureos – depois houve uma diversificação, porque no mundo globalizado tem músico bom em todo lugar.

Provavelmente, a banda inglesa mais famosa do gênero é o Pink Floyd, que teve um começo bem mais psicodélico.

A formação original teve, logo no começo, a baixa do guitarrista e vocalista Syd Barrett (caso triste de problemas de saúde e de abuso de LSD), trazendo em seu lugar o amigo David Gilmour, e mantendo o baixista Roger Waters, o tecladista Rick Wright e o baterista Nick Mason, continuando o período psicodélico até partir para composições e arranjos mais complexos, como o divisor de águas The Dark Side of the Moon, de 1973, e chegando no auge da grandiosidade com o álbum The Wall de 1979. Após o álbum seguinte, Waters deixou a banda para fazer carreira solo – com shows de palcos enormes com muita produção e músicos. Gilmour assumiu a liderança da banda e fez apenas mais três álbuns com a banda, sendo o primeiro com participação do baixista Tony Levin (do King Crimson e Peter Gabriel), para depois fazer carreira solo, que perdura até hoje, com alguns álbuns.

David Gilmour

O tecladista Wright permaneceu na banda, mas fez um par de discos solo – um deles o excelente exemplo do que pode ser o Progressivo em 1996, Broken China (com participações do excelente baixista de estúdio Pino Palladino, e o baterista Manu Katché, da banda de Peter Gabriel e outras). Wright também passou a integrar a banda solo de David Gilmour, a partir da década de 90, até seu falecimento em 2008.

Já o baterista Nick Mason, que também lançou um par de discos solo, voltou recentemente ao início psicodélico, tocando ao vivo os primeiros trabalhos do Floyd com sua banda Nick Mason’s Saucerful of Secrets – que tem em seus quadros o baixista Guy Pratt (que foi do Pink Floyd desde o final da década de 80) e o guitarrista Gary Kemp (que foi da banda pop inglesa Spandau Ballet).

KING CRIMSON & ALÉM

Acho que o quarto e maior pilar do Progressivo inglês é o King Crimson. Um dos mais longevos grupos, provavelmente o mais cerebral, e um dos mais influentes.

Foi fundado em 1968 pelo guitarrista Robert Fripp – uma das figuras mais enigmáticas do Progresssivo, que toca sentado nos shows porque precisa se concentrar na guitarra, e porque vire e mexe solta frases como “O som do Crimson foi feito para se ouvir com o cérebro e não com os pés”.

King Crimson

A primeira formação conta com o baterista Michael Giles (que junto com seu irmão e com Fripp tiveram o trio Giles Giles & Fripp), o saxofonista Ian McDonald (que depois colaborou com Steve Hackett do Genesis), e o letrista Peter Sinfield (que escreveu para quatro álbuns do Crimson e mais quatro do Emerson Lake & Palmer). E, claro, completando o quadro, está o vocalista e baixista Greg Lake – que fez parte dos dois primeiros discos da banda para, depois, fundar o Emerson Lake & Palmer e, à seguir, o Emerson Lake & Powell (com o baterista Cozy Powell), seguindo a tradição do Progressivo.

O Crimson teve várias fases – e continua ativo até hoje! Sem McDonald e Giles, a banda fez mais três discos, para passar a adotar a improvisação musical pelos três discos seguintes, até 1974, quando o King Crimson foi dissolvido.

Em 1981, com uma formação totalmente diferente, Fripp trouxe de volta o nome. Nessa formação estavam o baixista Tony Levin, o baterista Bill Bruford (Yes) e o guitarrista e vocalista Adrian Belew – este com uma longa carreira solo e de colaborações que se estendem à artistas multimídia como Laurie Anderson, mais Frank Zappa, David Bowie, entre outros.

Essa formação durou três discos, até 1984, para ser ressuscitada por Fripp dez anos depois como parte do Duplo Trio, que incorporou também o baixista e guitarrista Trey Gunn e um segundo baterista virtuose, o americano Pat Mastelotto. Esse foi o período mais pesado e mais criativo do som do King Crimson, e também o mais complexo – e veja que estamos falando de 1994, ou seja, quase vinte anos depois do auge do Rock Progressivo. Essa formação é, provavelmente, o maior exemplo da evolução do que seria o Progressivo décadas depois, e fica bem longe de ser apenas uma ‘continuação’ para os fãs envelhecidos – apesar de ser, em vários momentos, um som muito hermético, que pode não interessar a todos.

De 2014 a 2021, o Crimson teve o que é, provavelmente, sua última formação: um sexteto que expandiu-se para octeto, do qual apenas Fripp, Levin e Mastelotto ainda fazem parte.

Penso que o Crimson foi a banda que mais influenciou e criou novas sonoridades para novos músicos do gênero progressivo – e também que, passivamente, acabou acompanhando o trabalho de novos artistas em cuja música eu enxergo uma visão moderna dos mesmos princípios de elaboração, complexidade melódica, harmônica e rítmica.

David Sylvian

Um desses músicos é o vocalista e compositor inglês David Sylvian – ex-membro da banda de rock Japan. Sylvian é um que elevou seu trabalho, desde o começo da década 80, a níveis de qualidade incríveis. Tanto que na época da Duplo Trio chegou a ser convidado a ser vocalista oficial do Crimson. Além disso, ‘meio Duplo Trio’ (Mastelotto, Gunn e Fripp) gravaram com ele um disco extraordinário de estúdio, sob a alcunha Sylvian & Fripp, cujo melhor fruto foi um disco e vídeo ao vivo da turnê – mais um grande exemplo da evolução do Progressivo, mais de 20 anos depois, no estilo “que nível de música será que esses artistas conseguirão com décadas e evolução?”.

Outra coisa interessante sobre o trabalho de David Sylvian, tem a ver com os membros remanescentes de sua banda pop Japan, finalizada em 1982. São eles: o baterista Steve Jansen (irmão de Sylvian e que tocou em vários discos solo dele), o tecladista Richard Barbieri (que anos depois foi para um lado de Progressivo mais tradicional, passando a fazer parte da banda Porcupine Tree do guitarrista Steve Wilson), e o baixista Mick Karn (um virtuose do baixo fretless e que também tocava fagote, clarone e oboé).

Jansen Barbieri Karn

Com a saída de Sylvian, o som do Japan virou o mais elaborado e cerebral JBK (ao longo de muitos anos, culminando no final da década de 90), evoluiu para uma excelente visão do Rock Progressivo instrumental moderno – e que durou até o falecimento de Mick Karn em 2011. Acabou por aí? Não mesmo. O baterista Steve Jansen, depois de diversas participações e colaborações, hoje faz parte de uma excelente banda chamada Exit North, que mostra bastante o que o Progressivo pode ser nas décadas de 2010 e 2020, e Richard Barbieri domina os teclados no Porcupine Tree, ainda em plena atividade.

Terry Bozzio

E por aí vai… Dá pra falar dos expoentes do progressivo eletrônico, que existem antigos ainda em atividade, e existem novos também. Dá pra falar de projetos quase únicos e curtos que incluem: Bozzio Levin Stevens (com o baterista Terry Bozzio que tocou com Zappa e com Jeff Beck, e o baixista Levin do Crimson, e o guitarrista de rock Steve Stevens), ou do projeto Polytown (com Bozzio de novo, o baixista Mick Karn do Japan, e o guitarrista David Torn que já gravou com Tony Levin, David Sylvian, Ryuichi Sakamoto, entre outros).

A ‘árvore genealógica’ é gigante – e isso só com as atividades de alta qualidade feitas nos últimos 30 e poucos anos! Tem mais? Claro que tem – tanto nos antigos quanto nos novos. Inclusive bandas que continuaram o caminho mais tradicional do Progressivo setentista. E tem o Prog Metal, que juntou o meu querido gênero com o Heavy Metal, e praticamente sumiu com o que o Progressivo tinha a oferecer – e, portanto, não é minha praia.

Isso tudo, caro leitor, é apenas um apanhado geral da minha visão pessoal… Nada mau para um gênero que ‘acabou’ no final da década de 70, não é?

Curtam muito ouvir Progressivo Moderno!

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