Opinião: A QUESTÃO NÃO É O QUE MEDIMOS E SIM COMO INTERPRETAMOS

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Meu dia começa às 5h30 da manhã, quando levanto, para preparar o café e acordar minha filha para ir à escola.

Quando volto, vou diretamente ler os e-mails e responder à primeira leva de consultorias da noite anterior (as pessoas só tem a noite para tirar suas dúvidas, então a maior leva de consultas já está na minha máquina às sete da matina).

Feita essa parte, vou direto ao Daily Audiophile dar uma passada de olhos nas quase 80 publicações, para ver o que de interessante encontro. Só depois dessa primeira etapa, é que vou tomar meu café e abrir a sala para ver se os equipamentos em queima estão OK!

Enquanto faço ajustes no que ouvirei no período da manhã, tenho que cuidar de dois cachorros já com 9 anos, e os primeiros indícios de que a idade está pesando (assim como a minha).

Volto para preparar o almoço e quando vejo, já está na hora de ir buscar minha filha novamente.

No trajeto de 18 km, minha cabeça vai assimilando as informações armazenadas na mente e começo a codificar temas que serão interessantes para os próximos ‘Opinião’ e ‘Espaço Aberto’. Geralmente conto com a ajuda do meu ‘braço direito’, a Daianne, para criar pastas com os temas que desejo abordar. Felizmente ela faz isso com enorme maestria, e quando solicito essas pastas elas me chegam catalogadas por tema, para facilitar minha escrita e levantamento de dados.

O problema é que estou sempre em constante ebulição mental, e um tema que me parecia fechado, à medida que recebo mais informações, vai se modificando. Neste ‘Opinião’ ocorreu exatamente isso: tinha coletado em dois fóruns internacionais uma discussão sobre avaliação objetiva e observações auditivas que, como sempre, caminham em dimensões paralelas e jamais se encontram, quando li um artigo muito ‘oportuno’ sobre erros de avaliação que a ciência constantemente comete.

E junto com esse artigo, lembrei de uma longa conversa que tive muitos anos atrás com o querido amigo Eduardo de Lima da Audiopax, em que ele me dizia que medições podem chegar às conclusões que se desejar, portanto para ele as medições só eram usadas para determinar parâmetros iniciais e entender quando algo na prática não estava batendo com o princípio teórico.

E me lembro bem dele, naquela conversa, finalizar seu raciocínio com a criação do Timbre Lock que, segundo ele, medições não o ajudaram a chegar nem no conceito e muito menos na execução da topologia. O importante é saber que o Timbre Lock funciona e a possibilidade de ajuste fino é bastante eficaz. Eu teria uma dezena de exemplos, fora o Timbre Lock, para relatar como as medições tem limites em suas interpretações, mas prefiro ir direto aos fatos.

A discussão no fórum se deu pelas medições de um DAC inglês conceituado, em linha a quase 10 anos, em que um fórum objetivista que se orgulha de afirmar que suas medições são meramente ‘científicas’, o DAC teve uma medição ‘medíocre’ (segundo o idealizador do fórum).

E, claro, seus ‘seguidores’ que, em suas respostas, mais parecem adoradores de alguma ‘seita objetivista’, desdenham dos audiófilos que admiram a marca ou possuem esse DAC. Mas acredito que a discussão tenha tomado essa proporção, ao lembrarem que o colaborador da revista Stereophile, e por muitos anos o responsável pelos testes objetivos, quando testou o DAC escreveu: “Mesmo se eu não tivesse feito o teste, eu teria ficado impressionado com este DAC. Seu desempenho medido é irreprensível”.

Pronto! O fósforo que faltava foi riscado, e a discussão tomou proporções poucas vezes vistas!

Eu tenho idade suficiente para ser um observador privilegiado, ainda que jamais tenha escutado esse DAC em minha vida. E, como sempre escutei minha avó dizer: “A verdade sempre está no ponto de equiíbrio de dois lados”. Eu era muito pequeno, e gostava de imaginar essa frase como a travessia de um abismo, com uma vara de malabarista nas mãos, tentando achar o equilíbrio assim como a verdade!

E sei que este site, e o seu fundador, tem atitudes estranhas para suas conclusões, como por exemplo testar um integrado de apenas 10 Watts valvulado (que ele publicamente diz odiar por ter um nível de distorção inaceitável, assim como toca-discos em geral), e na sua avaliação objetiva, usar uma caixa de 87 dB de eficiência, e colocar o volume dele no talo (100%), para provar que o nível de distorção do integrado é inaceitável!

Aí me pergunto: se alguém em sã consciência, familiarizado com as questões de sinergia e compatibilidade, pensaria em ligar um integrado de 10 Watts com uma caixa dessa sensibilidade, e aumentar o volume ao máximo. Isso me lembra os campeonatos automotivos de SPL, que levava a taça quem conseguisse estourar os vidros do carro! Esse é o perfil do fórum que se diz ‘científico’, e que suas medições mostram a ‘verdade’ a respeito dos produtos hi-end caros.

Em um teste de uma book com um falante de médio-grave de 3 polegadas, ele também achou as medições medíocres, e para provar colocou 96dB na caixa e ela quase foi pulverizada!

Ele tem uma verdadeira ‘obsessão’ por distorção (por isso sua paixão explícita por Classe D e CD-Players).

Se Terraplanistas não se envergonham de falar e defender tanta asneira, objetivistas que se acham apoiados pela ‘ciência’, se sentirão ainda mais confortáveis em disseminar que medições sempre serão a única maneira de determinar a qualidade dos equipamentos.

Pelo menos, neste fórum objetivista, seria interessante que seus participantes olhassem para o próprio umbigo e lembrassem que a ciência, diferente do que pregam, não é imutável – ao contrário, está constantemente se autocorrigindo. E, à medida que as ferramentas de análise e o conhecimento científico avançam, muitas ‘verdades imutáveis’ se derretem como gelo ao sol!

Lembro quando estudei no ginásio a Teoria da Geração Espontânea. Lembra dessa teoria, amigo leitor? Está presente desde a Grécia 600 anos antes de Cristo, até o século XVII. Séculos demais para algum cientista ter coragem de mostrar o erro que misturava ciência com religião!

E por mais bizarra que seja essa teoria, muitos tinham medo de se opor à ela, pois se baseava fortemente na crença de que o homem veio do pó, então tudo que Deus criou era criado de forma espontânea. Assim, as larvas surgiam de um pedaço de carne, e ratos do lixo acumulado nas ruas.

Existiam, no século 16, livros que ensinavam a fazer um escorpião, bastava colocar manjericão entre dois tijolos e deixar a luz do sol até que o escorpião brotasse do manjericão.

Precisou existir Louis Pasteur para provar que a Geração Espontânea era uma falácia, ao realizar em praça pública um experimento simples e contundente: colocar caldo de carne e água em um vidro e fervê-lo para matar qualquer germe que estivesse presente na água. E depois dobrar o gargalo do recipiente em S, para facilitar a entrada do ar até se misturar com o líquido, sendo que pela gravidade os microorganismos se instalariam no S e não no caldo, devido a gravidade, e o caldo continuaria puro. O experimento ficou uma semana para visitação pública, e depois Pasteur removeu o gargalo deixando o caldo exposto ao ar e o caldo em um dia apenas se tornou turvo e escureceu. Provando que a teoria de quase 1000 anos estava errada.

Deste experimento é que Pasteur percebeu que os microorganismos estavam em toda parte e eram facilmente transportados pelo ar.
Imagine uma teoria ser aceita por um milênio, meu amigo – o estrago que fez? Mas o homem não aprendeu muito com essa teoria, e continua a se alimentar de inúmeras , como consumir pesquisas quase que diárias tentando provar inúmeras ‘verdades’ que não passam de pesquisas, e que por isso necessitam de muito mais tempo para serem aprovadas ou negadas.

Quer exemplos?

Quantas vezes em sua vida você já leu pesquisas confirmando que um ovo por dia é extremamente saudável e tantas outras afirmando o contrário?

Ou artigos ‘pseudocientíficos’ de que beber chá quente aumenta em 8 vezes a chance de câncer de esôfago e estômago, ou beber uma taça de vinho diariamente é excelente para o coração e péssimo para nosso fígado?

Esse é o tipo de pesquisa pseudocientífica que nos causa uma falsa impressão de que ela é a palavra final em relação a determinado assunto. É tão grave este tipo de disseminação dessas pesquisas pseudocientíficas, que o psicólogo alemão Gerd Gigerenzer produziu um livro inteiro a respeito do tema. No livro ele tenta mostrar o perigo dessas informações ainda em estudo, e como se resguardar delas. Ele primeiro nos lembra que a ciência nunca apresenta certezas, apenas probabilidades, então pesquisas são porcentagens e nada mais que isso.

E nos dá exemplos interessantes de como se vende essas pesquisas como algo absoluto. O que mais gostei foi o exemplo de que um levantamento feito por cientistas australianos dizia haver uma correlação entre um número de horas vendo TV e o risco de morte súbita. Foram 8.800 pesquisados, com metade do grupo assistindo mais de 4 horas por dia e a outra metade menos de duas horas. Os que eram do grupo de mais de 4 horas tiveram 46% de mais ocorrências de morte do que o grupo de duas horas. O que a pesquisa não disse é que muitos dos participantes tinham problemas graves de saúde e não podiam fazer atividades físicas, por isso passando mais tempo assistindo TV, e nas entrelinhas (não especificadas na pesquisa) uma maior probabilidade de morte leva à TV, e não o oposto!

Outro exemplo citado no livro, são as pesquisas frequentes de que o ômega 3 previne problemas cardíacos. E com um número mais expressivo de voluntários nas novas pesquisas, parece ser o contrário: pode na verdade agravar uma situação cardíaca.

Poderia me estender por muito mais linhas neste interessante tema. Mas acho que já me fiz bastante claro aonde desejo chegar.

Por mais que medições nos ajudem a ter um ’norte’ em relação a parâmetros básicos sobre um equipamento de áudio, elas jamais irão nos dizer como será aquela experiência para você. E a única maneira de descobrir será, obviamente, ouvindo.

Pois se você seguir à risca, por exemplo, este site objetivista, você fatalmente irá eliminar de seu interesse de audição todo produto valvulado, e principalmente os setups analógicos. Pois pelas medições deste fórum, esses equipamentos além de ultrapassados possuem um grau de distorção inadmissível para poder ser considerado hi-end! E se as medições não forem boas, não há a menor chance desse produto soar bem.

Pelo menos os objetivistas deste fórum me parecem ser da mesma escola dos Terraplanistas e dos que defendiam a Geração Espontânea , tanto que aguardei por meses eles discutirem a nova norma estabelecida pela AES para avaliação de caixas acústicas (escrevi a respeito até em editorial essa nova norma), e sequer li uma linha. Para alguém que diz defender e se basear na ciência, me parece estranho demais não colocar em discussão o que a AES propôs.

Claro que a subjetividade também não é nenhum porto seguro para quem deseja se estabelecer neste hobby, e acho que a subjetividade extrema causa grandes danos a imagem do hi-end. Pois existe bizarrice excessiva tanto em argumentos também pseudocientíficos, como em crenças absurdas que beiram o ridículo!

Então, meu amigo, se aceita uma sugestão, caminhe com suas próprias pernas, ou melhor com sua audição, e tenha em mãos apenas discos de Referência que sejam de sua escolha – e que sejam, por favor, bem gravados!

Não caiam nas armadilhas dos ’formadores de opinião’ que indicam ruído rosa como melhor forma de avaliar um equipamento ou caixa. Ou o som de pratos sendo quebrados como em um casamento grego.

Música, de preferência com instrumentos acústicos e vozes.

Sabendo o que necessita ouvir em cada quesito, você se sentirá cada vez mais seguro para desbravar esse mar de tolices que, em pleno século 21, parecem proliferar como microorganismos no ar.

Haja como Pasteur, e siga em frente, mesmo que o desafio seja você destruir uma falácia de 1000 anos!

Albert Einstein, ao saber que sua teoria que a luz faz uma curva quando passa próxima de um objeto, havia sido provada em um experimento realizado em um eclipse solar total, não ficou eufórico e muito menos abriu uma garrafa de champanhe. Questionado pelos jornalistas que o esperavam sair para seu passeio matinal, respondeu: “A certeza antecede a prova. A prova só é necessária para os que ainda não têm certeza”!

Então, meu amigo, só leve em consideração aquilo que você tiver certeza, e isso só é possível (no caso do áudio), ouvindo tudo que lhe for possível escutar.

É árduo, cansativo, mas quando achar o sistema que buscava, todo esse esforço de anos e muitas vezes de uma vida toda, será sua recompensa!

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