Christian Pruks
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O célebre selo de prensagem de discos Mobile Fidelity tem estado até o pescoço com uma crise de credibilidade – criada por eles mesmos, e que eclodiu em julho passado. Para quem não sabe, eles sempre ‘deram a entender’ com muita clareza – nos últimos 10 ou mais anos – que seus vinis especiais eram tirados direto das fitas analógicas master, de cada um dos seus devidos títulos. Acontece que foi descoberto que uma boa parte deles são de masters digitais, por uma série de motivos. Ó, pecado dos pecados!
Esse assunto, além de criar uma série de indignações e discussões sobre ética, tecnologia e qualidade de som, levou a empresa a pedir desculpas publicamente e prometer transparência – e a divulgar quais de seus lançamentos dos últimos 10 a 15 anos, são de master analógica e quais de master digital. Alguns títulos manterão seus preços como itens colecionáveis, e outros perderão muito valor. Além de uma longa série de pessoas que se sentem ofendidas: colecionadores e profissionais da área, principalmente.
Apesar de muitos acharem, a questão não tem a ver – juridicamente falando – com se a qualidade de som do analógico é melhor que a do digital, se dá para ouvidos profissionais e treinados (e amadores) distinguirem quais prensagens vêm de master analógico e quais vem de digital – e outra questões que estão sendo levantadas nos fóruns de discussão na Internet.
Há um bocado de gente sedenta para defender seu peixe. De um lado estão os puristas do analógico, que até incluem gente com argumentos completamente mal pensados como “o ouvido é analógico, portanto, analógico é melhor que digital” – esses devem achar que tecnologia é ‘mágica’, porque demonstram não entender nada sobre as mais básicas que regem o funcionamento de equipamentos de som.
Do outro lado, estão muitos dos fãs do digital, ‘salivando’, alegando que digital seria, no mínimo, tão bom, já que nem os ‘gurus analógicos’ não teriam percebido que a empresa estava usando uma master digital…
E isso é somente a parte acadêmica da discussão. Há o lado legal – e que vai custar caro à Mobile Fidelity. A questão é: valor, mercado e credibilidade. Processos na Corte Americana já estão sendo instaurados. Tem distribuidores processando, e tem colecionadores e compradores processando. Muitos colecionadores gastaram, ao longo dos anos, um grande número de milhares de dólares só discos da Mobile Fidelity.
Ao saber desses processos, muitos audiófilos levantaram, novamente, a questão de “quero ver provar em um tribunal que analógico é melhor que digital!”. E a questão não é essa! A questão é que quem comprou essas edições prensadas pela Mobile Fidelity, o fizeram porque consideram que o analógico é um produto especial e mais puro, e o compraram porque a empresa claramente ‘deu a entender’ que os discos eram, efetivamente, frutos de um processo puramente analógico, em edições especiais. E esses consumidores pagaram caro por isso, e sabiam que haveria uma grande valorização desses títulos, assim que suas tiragens esgotassem – como já estava acontecendo, de fato, há muitos anos. Cópias lacradas de uma dessas edições especiais do título Abraxas, do Santana, foram vendidas por até 125 dólares quando em catálogo, e estavam chegando a mais de 3000 dólares cada fora de catálogo!
É essa a questão. E a ética e a transparência das empresas, também. A discussão acadêmica subjetiva entre digital e analógico, pertence apenas aos fóruns e grupos de discussão.
Alguns especialistas e jornalistas já estão, habilmente, levantando desdobramentos dessa crise, como: e as várias outras empresas e selos – grandes e pequenos – que vem lançando discos de vinil ‘audiófilo 180 gramas’ nos últimos 15 anos? Será que essas empresas estão usando mesmo os melhores masters? Masters analógicos?
E as várias empresas do super nicho das fitas de rolo de alta qualidade, serão essas tiradas mesmo das masters analógicas? Porque nesse segmento do áudio ultra-hi-end, as fitas custam pelo menos 300 dólares cada!
A ‘pulga atrás da orelha’, sobre essas práticas, pode soar um pouco paranoica – mas será mesmo que não tem ainda outras podridões no ‘reino da Dinamarca’?