Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Ensaiei escrever sobre esse tema, nos últimos dois anos, pelo menos umas quatro vezes, mas sempre aparecia algo mais urgente e ele era novamente engavetado.
Até que em uma discussão em um fórum só de objetivistas, com mais de duzentos posts, percebi que esse tema não só devia ser explorado, como acredito seja de interesse de muitos de vocês audiófilos.
Naquele site, válvula e analógico são tratados como topologias ultrapassadas, mortas, e apenas cultuadas por audiófilos ‘velhos e surdos’. Isso mesmo, lá quem levantar qualquer discussão sobre esses dois temas, é simplesmente colocado no ‘paredão’ e fuzilado sem dó.
E um ‘incauto’ inocentemente julgou que lá tirariam sua dúvida em relação às diferenças que ele escuta entre um sistema valvulado e um transistorizado, já que para ele o valvulado soava mais ‘confortável’ e com isso ele tinha maior prazer em ouvir seus discos. Só faltaram afirmar que o pobre sujeito deveria ter alguma deficiência auditiva para achar o valvulado melhor.
E com essa virulência desproporcional ao tema, resolvi que estava na hora de desengavetar a ideia de ouvir diferentes válvulas no meu pré de linha e no meu DAC, e ver se nesses dois produtos tão corretos e redondos, conseguiria ouvir diferenças significativas com válvulas vintage novas, e as modernas.
Para mim, trocar válvulas e ouvir a assinatura sônica de cada uma, não é nenhuma novidade, afinal quando fui diretor de Marketing da Oliver do Brasil (do grupo Roland), e estávamos desenvolvendo amplificadores de guitarra e baixo, tivemos acesso não só aos modelos produzidos no Japão da Roland, como também cabeçotes da Marshall. E depois de ouvir esses produtos com as famosas EL34 Sovtek, tivemos a chance da matriz nos enviar EL34 da GE e da RCA, e fizemos diversas audições com músicos convidados que nos davam sua opinião sobre a timbragem com válvulas distintas, assim como com os falantes que estávamos trabalhando com os três maiores fabricantes nacionais: Novik, Selenium e Bravox.
Aprendi muito nesse período, e fico até hoje pensando o motivo dos objetivistas não procurarem conversar com músicos e ouvirem deles o quanto um set de válvulas pode mudar toda a timbragem de seu amplificador. E não pensem que ao trocar as Sovtek pelas GE ou RCA, a diferença fosse sutil – ao contrário, era enorme!
Mudança no corpo, velocidade, sustentação, limpeza, folga na macrodinâmica, mesmo em ajustes com alto grau de distorção (afinal eram amplificadores de guitarra), e textura.
Os músicos ficavam assustados com as possibilidades que cada válvula podia oferecer, e muitos que mantinham um verdadeiro ‘culto’ às Sovtek, saiam daquela experiência atrás dessas válvulas vendidas na Santa Ifigênia a preço de banana.
Então, quando tive já na Audio News meu primeiro par de monoblocos valvulados da Audio Innovations, que vinham com quatro EL34 por monobloco, da Sovtek, a primeira coisa que fiz foi dar um pulo na Santa Ifigênia atrás de EL34 feitas nos Estados Unidos entre os anos 60 e 70. Voltei para casa com 16 válvulas RCA, algumas nem a embalagem original tinham, e o vendedor as colocou em uma caixa de papelão enroladas em páginas do jornal Notícias Populares (os mais velhos irão se lembrar deste jornal, e que escorria sangue de suas páginas policiais e sensacionalistas, e os com mais de 50 anos irão certamente lembrar do Bebe Diabo que por meses foi capa deste tabloide infame).
O resultado infelizmente não foi o esperado, com perdas e ganhos em relação às Sovtek.
Fiquei, na época, pensando a razão de não ter sido um upgrade consistente. Seria uma questão de casamento, topologia, elo fraco? Tanto que só voltei novamente a fazer essa experiência alguns anos atrás, quando tive os monoblocos da Air Tight, os ATM-3.
Novamente com válvulas Sovtek, mas feitas em pares e com a supervisão da própria Air Tight (tanto que o logo na válvula está escrito Air Tight, e Sovtek aparece em letras menores no verso da válvula).
São essas que tenho ainda: seis válvulas casadas aos pares, que estou anunciando na seção vendas e trocas aqui da revista.
Pelo nível de performance desses monoblocos, achei que não iria conseguir avançar mais, então hesitei por um longo tempo em sair a captura de novas válvulas vintage. Até que li um artigo a respeito das válvulas EL34 feitas pela JJ, um fabricante da Eslováquia que estava ganhando notoriedade pela qualidade de produção, durabilidade e performance, e consegui 8 EL34 JJ para comparar com as Sovtek.
E novamente não foi superior, com um ‘perde e ganha’, muito mais a favor das Sovtek do que da JJ. E novas perguntas sem respostas: será que essas Sovtek feitas com a supervisão da própria Air Tight eram diferentes das Sovtek produzidas em série? Ou foi novamente questão de casamento?
E quando os resultados de meus testes são inconclusivos, prefiro não compartilhar com os leitores, pois é melhor não levantar expectativas se estamos satisfeitos, não é verdade? Mas, quando eu vi como o pobre do internauta foi tratado, eu pensei: e se eu fizer uma avaliação com mais válvulas, de diversos períodos, no nosso sistema de Referência, que está sinergicamente bem ajustado, sem elos fracos audíveis e com os cabos com a maior neutralidade que conseguimos ter até hoje?
Seria algo interessante a ser compartilhado? Essa resposta eu só saberei depois que vocês lerem essa edição e me derem seu feedback.
O que posso garantir, amigo leitor, é que foi uma longa jornada conseguir todas as válvulas necessárias para o teste, e deu um trabalho danado catalogar minuciosamente as observações feitas com cada set de válvula. E quero deixar registrado meu enorme agradecimento aos amigos: Ulisses da Sunrise Labs, Ricardo Monteiro, André Lima, Fábio Storelli e César Miranda, que contribuíram dando dicas, conseguindo as válvulas que eu pedi, e tornando esse desafio muito maior do que eu havia planejado em seu começo.
Pois a princípio eu imaginei conseguir um set completo de 12AX7 (duas) e uma 12AT7 para o Nagra PREAMP Classic, e uma 12AU7 para o TUBE DAC, de no máximo três fabricantes, e comparar com as Electro Harmonix que vêm de fábrica no pré, e a Philips modelo militar utilizada no TUBE DAC.
Mas todos se empenharam tanto em ajudar, que em um mês me vi com os sets completos da JJ, GE, RCA, Zaerix, Telefunken,
Electro Harmonix e Sovtek. Ou seja, de três sets, pulamos para sete, o que obviamente demandou muito mais tempo para amaciar, ouvir e comparar cada set antes de sentar e escrever este Opinião.
Ao contrário das duas tentativas anteriores frustradas, assim que troquei as válvulas que a Nagra disponibiliza de fábrica, pelo set de JJ, as diferenças foram audíveis (mesmo na etapa de amaciamento de cada set). Mostrando o quanto o pré de linha e o DAC respondem às alterações.
Para essa avaliação, usamos o tempo todo os cabos Apex da Dynamique Audio, tanto interconexão como digital AES/EBU (veja teste na edição de novembro), e cabo de força também Apex (leia teste na edição de dezembro) na fonte do Pré e do DAC. E os cabos de caixa também foram Apex, ligados às Estelon X Diamond mk2.
O motivo de usar o tempo todo os mesmos cabos, foi para facilitar a avaliação e pelo fato de serem muito neutros, ajudando a entender com segurança a assinatura sônica de cada válvula utilizada.
Antes de passar minhas observações auditivas, é importante lembrar que com válvulas, como com todos os componentes de uma cadeia de áudio, será uma questão de casamento e sinergia. Então, essa avaliação serve apenas para o conjunto Nagra, e mesmo assim não significa que todos que possuam setup Nagra irão concordar com o resultado, sendo preciso que cada um ouça pelo menos duas ou três opções, para ver quais atendem mais suas expectativas e gosto.
O interesse é que nenhum set alterou dramaticamente o caráter sonoro do sistema – o que muda são as escolhas e perspectivas de cada válvula inserida no setup.
Por exemplo, as JJ em relação as válvulas originais do setup Nagra, deram mais luz a região média (algo na minha opinião absolutamente desnecessário), e um certo ‘tensionamento’ constante, que tirou um pouco da grande virtude de qualquer produto Nagra: folga e conforto auditivo. E, por fim, a JJ nitidamente soou mais frontalizada que qualquer um dos outros sets (até mais que a Sovtek, que também apresentou pouca profundidade).
A segunda foi justamente o set Sovtek. Interessante que, ao contrário da JJ, ela também apresentou esse caráter mais nervoso, porém sem luz adicional na região média, o que manteve o setup, com o ‘calor’ da assinatura Nagra, intacto. Mas o equilíbrio tonal nas altas se mostrou um pouco mais escuro que o set original (tudo Electro Harmonix, e Philips no TUBE DAC).
O terceiro set foram as RCA, que nos fóruns valvuleiros são extremamente bem cotadas, com relatos de ganhos impressionantes em todos os aspectos. Com essas informações, confesso que minha expectativa cresceu. Pois bem, no setup Nagra, as RCA soaram como um setup vintage. Graves mais gordos, lentos, corpo exagerado no médio-grave, região média excessivamente quente (coloca quente nisso meu amigo) e os agudos mais escuros de todos os sets. Fiquei tão decepcionado e com tanta dúvida, que achei que poderia ser uma questão de amaciamento, e estendi a queima até 150 horas. Infelizmente não era mais burn-in!
Fomos para um fabricante muito pouco conhecido por aqui, a Zaerix, fabricante inglês fornecedor por muitas décadas de válvulas de reposição para os consoles da BBC e para uso militar. Esse fabricante, nos fóruns especializados, tem uma legião de admiradores e, na mesma proporção, de detratores, rs! No setup Nagra ela se mostrou muito bem, tanto em termos de equilíbrio tonal – corretíssimo – como em velocidade, texturas, transientes, corpo harmônico e dinâmica. Seu único pecado: menos profundidade que as válvulas originais (mas eu não resisti pelas suas qualidades e já as separei para serem misturadas com as GE e Telefunken, e ver se consigo juntar o melhor de dois mundos).
Próximo set: as válvulas alemãs Telefunken produzidas em 1965 e 1967. Elas realmente merecem a fama que possuem nos fóruns especializados: sonicamente musicais, realistas, com uma naturalidade impressionante no timbre e texturas, mas no setup Nagra não tiveram a precisão na resposta de transientes das válvulas originais e das GE.
Até agora, todos os sets (com exceção às JJ, Sovtek e RCA), quando comparados às originais de fábrica, ficaram abaixo. As
Zaerix e Telefunken mostraram qualidades que pontualmente superam as originais, mas não as desbancam totalmente. Então faltava ouvir um set completo de GE.
E deixei por último essa análise das GE, pois deu muito mais trabalho conseguir a 12AU7, que fui comprar nos 45 minutos do segundo tempo! Mas, finalmente chegou a tempo para não a descartamos do teste. E para minha surpresa, foi o único set que desbancou completamente as originais, e com folga expressiva. No setup Nagra com todos cabos Apex, o resultado foi primoroso!
Foi um upgrade capaz de subir o sistema de um a dois pontos no geral, o que no patamar acima de 100 pontos é algo realmente impressionante, e a um custo de 1400 reais pelo set com as 4 válvulas!
Em termos de assinatura sônica, o que mais impressionou foi que nenhuma das características sonoras dos setup Nagra foi adulterada. Pelo contrário, as qualidades cresceram todas de forma proporcional, sem prevalecer um quesito em detrimento de outro.
Essas experiências só são válidas, na minha opinião, se você realmente desejar tirar o último sumo de seu sistema.
Pois, no caso dos Nagra, o nível já é muito alto e consistente para se começar a fazer experiências aleatórias.
Mas caso você deseje trilhar esse caminho e iniciar avaliações com trocas de válvulas, eu indicaria seguir um roteiro de avaliar primeiro as válvulas vintage, fabricadas na Europa e Estados Unidos entre 1950 e 1980.
E pesquisar muito no eBay, Mercado Livre, e só comprar de pessoas ou empresas com muitos testemunhos de bons serviços e idoneidade. Alguns vendedores são muito profissionais e realmente entregam o que oferecem.
Não se assuste com a variação de preços, pois quando as válvulas são casadas e zeradas, custarão obviamente mais caro.
As válvulas mais caras que comprei para fazer este Opinião, foram justamente todas as GE. Mas, como disse, as 5 válvulas me custaram 1400 reais.
Claro que, com o resultado, terei que desembolsar novamente essa quantia para ter um set completo de reserva, afinal válvula é como lâmpada, tem vida útil definida quando sai de fábrica.
E no nosso caso usamos demasiadamente o sistema (de 12 a 15 horas dia), então já consegui um par de 12AX7 sobressalente (graças a uma excelente dica do Ricardo de Monteiro), e já estou a captura de uma 12AT7 e uma 12AU7. E ficarei também com as Telefunken (graças ao Ulisses) e as Zaerix (graças ao André Lima).
E não pensem que essa peregrinação acabou, pois os ‘entendidos’ já me avisaram que deveria ouvir as Mullard feitas pela Philips entre a década de 70 e 80, e também as próprias Philips feitas na Alemanha nos anos 70.
Se houver alguma novidade ‘arrebatadora’, eu avisarei.
Se algum de vocês deseja ver o que pode melhorar em seu setup valvulado, desejo boa sorte e, se puder ajudar de alguma maneira, conte comigo sempre!