Christian Pruks
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Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio
O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar algo antigo.
Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!
Seja em vitrine de lojas, casas de amigos abonados, ou fotos em revistas, todos temos brinquedos nos quais nunca pudemos nem encostar nossas mãos – às vezes nem em sonho! A maior parte de nós cresce, e passa a pensar em outras coisas, e outros são colecionadores – um amigo de 60 anos de idade, por exemplo, tem um quarto em casa com todos os brinquedos que não pôde ter quando era criança.
O TAPE-DECK NAKAMICHI 1000ZXL
Um desses brinquedos, principalmente para quem viveu plenamente a era da fita cassete, é o tape-deck 1000ZXL da japonesa Nakamichi. Mesmo que você não saiba o que é Nakamichi e sua relevância, basta olhar para as fotos aqui da matéria, e entenderá o que é uma ‘obra de arte’.
A Nakamichi é uma empresa japonesa que fez sua fama em cima dos decks de fita cassete de altíssima qualidade, que passaram a fazer com sua própria marca, em 1973. Antes do final da década, eles já faziam os melhores decks do mundo, tanto em matéria de mecânica quanto pela qualidade de som. Em 1980, eram unanimidade, eram os ‘decks fetiche’. Caríssimos! É como um jovem fã de carros ficar sonhando com um Porsche ou um Rolls & Royce – ou uma mistura de ambos. Mesmo os decks mais simples de linha deles, eram proibitivos, porque também eram raros de serem encontrados.
Nas décadas de 80 e 90, sobrevivendo no imaginário do audiófilo da época, o nome Nakamichi era sustentado – para a maioria – apenas pela fama, já que ouvir um, ou ter uma fita gravada em um deles era bastante difícil. Pelo menos para a maioria dos mortais. Por um tempo eu achei que poderia ser mais fama do que outra coisa qualquer, até ter uma fita (Normal), de um disco do Eric Clapton, gravada em um Nakamichi 1000 (modelo antecessor do 1000ZXL). Até o último dia que usei fitas cassete na minha vida, aquela era a fita mais bem gravada que eu tive.
O 1000ZXL ficou em linha de 1979 até 1984, pela bagatela de US$3.800 (que em valores de hoje é algo em torno de US$15.000), e é o pináculo atingido pela marca, e eu considero ser o pináculo atingido pela existência de fitas cassete na face da terra. Sonho absoluto de consumo.
Com resposta de frequência melhor que muitos gravadores de rolo (com fita Metal), regulagem automática de azimute (alinhamento da cabeça, que em decks normais é feita por um técnico), sistema de ajuste automático – a um toque de botão – do melhor Bias e Equalização específicos possíveis para aquela fita que está dentro do aparelho (com 4 memórias para caso você queira gravar várias fitas da mesma marca e modelo) – um processo que demorava apenas 40 segundos. A Nakamichi chamou esse sistema, esse conjunto de ajustes automatizados, de A.B.L.E. (Azimuth Bias Level Equalization).
Ele também tem um sistema bem próprio de localização de faixas marcando, na gravação, os intervalos de faixas com um código digital de 20-bits (fora da área audível) que não só marcava o intervalo da faixa, como dizia qual era a melhor equalização para reprodução dela, e qual o sistema de redução de ruído que foi utilizado (isso em 1979!!!). É o carro voador dos Jetsons em forma de tape-deck!
O 1000ZXL é um bicho gigantesco para um tape-deck, e pesado, com 53 cm de largura e 26 cm de altura, e 20 kg! Ele segue mais ou menos o mesmo formato e tamanho do primeiro topo de linha da empresa, o modelo 1000, fabricado de 1973 até 1979 – que foi um dos primeiros decks com três cabeças a ser fabricado (uma cabeça dedicada para cada função: apagamento, gravação, reprodução). No caso da Nakamichi, as cabeças são designs proprietários – sempre com o intuito de tirar ainda mais qualidade de som – que usaram o material Permalloy, que é uma liga dura metálica de níquel com ferro, usada em cabeças de vários decks mundo afora, e que a Nakamichi preferiu chamar de ‘Crystalloy’.
Apesar do 1000ZXL ser um avanço em cima do 1000, ambos modelos tiveram como objetivo obter performance de gravadores de rolo em um gravador cassete – e para tal, para qualidade de som, circuito avançado não é o suficiente, sendo necessário uma dedicação minuciosa à parte mecânica – e foi isso que tornou a Nakamichi famosa, desde o primeiro dia em 1973. São quatro motores direct-drive (tração direta sem correias), micro-controlados, sendo que um dos motores, de altíssima precisão, opera o alinhamento do azimute das cabeças milimetricamente. Essa mecânica traz, também, dois capstans, de tamanho diferente, o que dá e mantém tensão certa da fita sobre a cabeça, trazendo uma precisão muito maior – e essa precisão também é aumentada pelas cabeças virem com uma armação em volta que praticamente desaciona a almofada (de espuma ou feltro) que vem em toda fita. Segundo a empresa, essas almofadas causam ruídos e uma pressão pouco uniforme – a Nakamichi prefere só o duplo capstan.
Com um VU fluorescente de alta precisão com 56 passos (!) que vão de -40dB até +10dB, e um botão de Pitch para ajuste fino de velocidade, o aparelho traz também, além do Dolby interno, entradas para processadores e redutores de ruído externos.
Tanto o modelo 1000ZXL, quanto o 1000ZXL Limited, continuam sendo vendidos no mercado de usados pela mesma etiqueta de preço original: US$3.800 e US$6.000, respectivamente – em bom estado e revisados, claro.
Alguns reviewers da época afirmaram que a única coisa que decepcionava no Nakamichi 1000ZXL, era ter que devolver ele para a empresa, ao final dos testes!
MODELOS SEMELHANTES
O mais óbvio modelo semelhante é o 1000ZXL Limited, uma edição limitada que foi feita apenas sob encomenda, com várias peças folheadas a ouro, e especificações ligeiramente mais estritas graças à escolha de componentes ‘à dedo’. O dourado Limited vinha também com uma plaquinha na frente, ostentando o nome do proprietário gravado no ouro (opcional).
Da própria Nakamichi, temos o seu sucessor (como ‘top de linha’), o Dragon. Além dele, segundo os entendidos, uma das melhores performances de gravação da marca é o ZX-9 (de 1982). Algumas pessoas dizem que o Dragon é melhor que o 1000ZXL, e que o ZX-9 é tão bom quanto o Dragon – mas eu não acredito nisso com tanta facilidade. Até porque os originais 1000, e 1000 II, anteriores ao ZXL, têm também uma performance incrível. E o Dragon é, claro, excelente, porém o 1000ZXL sempre sobressai como algo que ultrapassou todos os limites e criou novos standards. Além disso, o 1000ZXL tem especificações ligeiramente melhores.
Durante a minha vida inteira, os decks Nakamichi sempre foram os melhores de todos, e ponto. Simples assim. É o ‘Pelé’ e o ‘Senna’ da gravação e reprodução de fita cassete. Já com o advento da Internet, e a possibilidade de mais fácil acesso às experiências dos outros, é que vamos descobrindo alguns modelos e marcas que – dizem – podem superar os Nakamichi. Acho difícil ‘superar’, mas é bem possível que alguns deles se igualem em performance, como o Tandberg TCD-3014A que é o “Matador de Dragões” (Dragon slayer) criado pela empresa norueguesa para superar o Nakamichi Dragon.
Outros dizem que se iguala o modelo topo da suíça Revox, o B215, com uma mecânica obscenamente boa (Revox!), e recursos mais que suficientes para uma performance ótima, como o ajuste automatizado de bias e equalização para cada fita. A Revox, com sua parte Studer de áudio profissional, é intensamente séria em matéria de mecânica e de qualidade sonora. E, mais um Matador de ‘Dragons’ é o AS-3000 (e suas variações), um deck feito pela desaparecida e esquecida empresa alemã ASC Electronic – Audio System Componenten, no começo da década de 80.
Claro que, também, empresas com a Sony, Teac (com o incrível Z-7000), Technics (com o RS-9900), Akai e a Pioneer – entre várias outras japonesas – lançaram na década de 80 decks de altíssima performance, cheios de recursos semelhantes aos dos grandes Nakamichis.
COMO TOCA O NAKAMICHI 1000ZXL
Se tem algo em matéria de fita cassete que, na reprodução, não faz feio nem para um gravador de rolo caseiro normal e, acredito, nem fica tão ruim em um sistema de áudio moderno, esse ‘algo’ é um deck Nakamichi 1000ZXL – mas, somente usando as melhores fitas de Metal, e usando as melhores fontes, cabos e gravações, claro.
A diferença entre uma gravação em um deck normal de mercado, e uma gravação feita em um Nakamichi dos melhores, é mais ou menos a diferença entre um sistema de som ‘consumer’ normal, e um sistema de som ‘hi-end’. Ao comparar, começam a aparecer aspectos qualitativos que não apareciam antes, como profundidade, separação entre instrumentos, dinâmica, descongestionamento, recorte, textura, etc.
SOBRE A NAKAMICHI
Fundada no Japão por Etsuro Nakamichi em 1948 – e depois comandada por seu irmão mais novo Niro – a Nakamichi Research Corporation começou desenvolvendo e fabricando equipamentos para terceiros. A partir do final da década de 60, começaram a desenvolver e fabricar tape-decks – de rolo e cassete – para marcas conhecidas, como Harman Kardon, KLH, Advent, Fisher, Elac e Ampex, entre outros.
Aliás, o que muito pouco se fala, é que antes de fazer tape-decks de cassete, a Nakamichi Research fez uma breve linha de gravadores de rolo! Chamava-se Fidela, e às vezes vinha com o nome Magic Tone. Nunca tinha ouvido falar que eles tivessem feito gravadores de rolo, muito menos sabia da existência desse nome (veja uma foto aqui na matéria).
Com esse negócio dando certo, e querendo seus próprios padrões de qualidade sonora, de mecânica e de tecnologia, em 1973 começaram a fabricar com a marca Nakamichi – tendo decks mais simples, claro, mas também logo de cara tomando o mercado de assalto com máquinas como o Nakamichi 1000 original. E o resto, como diz o ditado, é história!
A linha de produtos da empresa, nas décadas seguintes, incluiu toca-fitas para carro (que nunca foram superados), amplificadores, receivers, entre muitos outros produtos. Porém na década de 90 passaram dificuldades com a preponderância do CD sobre a fita cassete, e a empresa acabou perto da falência – sendo comprada em 1998 pelo grupo chinês Grande Holdings, baseado em Hong-Kong, e que também engloba marcas como Sansui e Akai.
Novamente com dificuldades em 2002 – em um cenário ruim para as empresas de áudio japonesas – a Nakamichi se reinventou como empresa de eletrônicos ‘lifestyle’ e, depois, com uma linha completa ‘consumer’ que incluía fones, soundbars (a ainda bem sucedida linha Shockwafe), caixas wireless e TVs.