Fernando Andrette
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Parece que alguns leitores gostaram da ideia de publicar, de vez em quando, um playlist com um único músico, e pincelar algumas obras mais significativas, como fiz mês passado com a pianista Jessica Williams.
Este mês vou falar de outra grande virtuose – do clarinete, sax tenor e soprano: Anat Cohen. Irmã mais nova do trompetista Avishai Cohen e do saxofonista Yuval Cohen.
Anat nasceu em 1975. em Tel Aviv, e desde cedo a música sempre foi parte integrante de sua vida diária, fazendo-a desde muito pequena a querer também seguir por esse caminho. Em 1996, ela foi estudar na Berklee College of Music e, com seu talento nato, logo seus irmãos começaram a convidá-la para participar de seus trabalhos. Foi o cartão de visita que Anat necessitava, no início de carreira, para lhe abrir portas.
E ainda que trabalho e convites não faltassem, Anat demorou para assinar seu primeiro contrato com a gravadora Anzic Records, e lançar seu primeiro álbum de 2005 – Place & Time, com a participação em algumas faixas de seu irmão Avishai Cohen.
Anat sempre foi, como ela diz, uma cidadã do mundo sempre atenta às culturas musicais de todos os continentes, mas com um carinho muito especial pela música brasileira, e principalmente o chorinho. Você poderá encontrar inúmeros vídeos dela no YouTube tocando choro, Jobim e Gismonti. Sua relação com o Brasil só foi se estreitando à medida que ela começou um intenso intercâmbio de shows e discos com músicos brasileiros.
Se você não conhece essa virtuose do clarinete, meu amigo, selecionei quatro dos seus discos que mais ouço há muitos anos.
Anat Cohen é uma clarinetista que adoraria poder ter gravado pelo selo Cavi Records, acho que compartilhando com vocês esse meu desejo, expresso a minha mais profunda admiração por essa maravilhosa clarinetista.
1- Anat Cohen – Quartetinho (Anzic Records, 2022)
Esse é seu mais recente trabalho, lançado a poucas semanas, e virou logo depois de sua primeira audição mais um disco de ‘cabeceira’ – como costumo dizer dos discos que me encantam e passam a ser ouvidos nos raros momentos que tenho de lazer, geralmente entre o encerramento de uma edição e o começo de outra.
Se você não quiser apenas em streamer esse lindo disco, seu selo Anzic Records vende o download em alta resolução pelo seu site. Mas se você for assinante do Tidal ou QoBuz, a qualidade já é de alto nível.
Como em todos os seus trabalhos mais recentes (para ser exato das gravações de 2008 para cá) Anat grava nossa música. Nesse disco temos versões espetaculares de Palhaço e Frevo de Egberto Gismonti, e O Boto de Tom Jobim. É um disco de um repertório brilhante, em que todos os músicos convidados têm liberdade para solar e participar ativamente dos arranjos.
E o que mais se sobressai é a técnica exuberante de Anat, que toca como se estivesse ensaiando ou apenas exercitando. Sua digitação e o grau de limpeza em seus fraseados, são espetaculares!
Aqui você precisará ter tempo para escutar as 11 faixas, pois será impossível levantar para fazer qualquer outra atividade. Trata-se de uma gravação que exigirá um bom equilíbrio tonal de seu sistema (principalmente nas faixas com contrabaixo, clarinete, piano e vibrafone). E também para avaliar o grau de inteligibilidade de seu sistema na resposta de microdinâmica.
2- Anat Cohen & Fred Hersch – Live in Healdsburg (Anzic Records, 2018)
Já indiquei esse trabalho nesta seção, se não me engano no ano passado, mas não poderia estar fora dessa lista apenas com trabalhos de Anat Cohen.
É outro com que me encanto a cada fim de tarde, no único final de semana que tenho livre, para reunir a família em volta do sistema e ouvirmos um pouco dos estilos musicais que cada um está escutando. Esse foi um ritual que fiz minha infância toda com meus irmãos e meus pais, e que resgatei agora que estamos todos novamente reunidos (meu filho está passando uma temporada conosco).
A faixa preferida por todos é a três – The Purple Piece – minha filha que estuda balé, adora sua cadência, e diz que ainda irá fazer uma coreografia para o tema. Gosto particularmente pela maneira singela com que o duo de piano e clarinete ataca o tema, e depois solam. Tem um tratamento despojado, leve e, no entanto, trata-se de um arranjo complexo, pela mudança constante de andamento.
Quando fecho os olhos, a sensação que tenho é de dois amigos conversando ao meu lado e fico apenas saboreando aquelas palavras ‘sonoras’.
Em um mundo tão tensionado e amargurado, esse disco é um bálsamo à alma e aos nossos ouvidos.
3- Anat Cohen & Trio Brasileiro – Rosa dos Ventos (Anzic Records, 2017)
Nessa seleção, jamais ousaria deixar de fora o encantador Rosa dos Ventos com Anat e o Trio Brasileiro, com Dudu Maia, e os irmãos Douglas e Alexandre Lora.
A faixa 1 – Baião da Esperança, é tudo que o povo brasileiro precisa nesse momento tão absurdo que vivemos. Dá vontade de sair dançando pela sala.
Além de baião, temos choros maravilhosos, como a faixa 2 – Para você, Uma Flor. Valsas como a faixa 4 – Valsa do Sul. E a belíssima faixa 10, que mistura temas do oriente e ocidente no sugestivo título: “O Ocidente que se Oriente”.
É tanta informação, que você precisará ouvir algumas vezes para assimilar a riqueza e diversidade que esse belo trabalho nos oferece.
Uma dica importante, se você gostar desse disco e ainda não conhecer o fantástico trabalho do Trio Brasileiro, ouça também o Alegria de Casa (com a Anat Cohen) e o Simples Assim lançado em 2012.
4- Anat Cohen – Claroscuro (Anzic Records, 2012)
Para fechar este Playlist, não ousaria jamais deixar de fora esse lindo disco de 2012, feito com seu quarteto e os convidados Paquito D’Rivera e Gilmar Gomes.
Um repertório extremamente eclético e ousado e, como sempre, com arranjos criativos na medida certa.
Você ouvirá um arranjo que praticamente ‘reconstrói’ La Vie en Rose, dá um toque singelo As Rosas Não Falam do mestre Cartola, e faz uma homenagem linda a Tudo Que Você Podia Ser de Milton Nascimento.
Mas minha preferida deste disco é, sem dúvida, a versão intimista que Anat Cohen deu para a belíssima Olha Maria.
E não menos genial, sua versão – com a participação de Paquito D’Rivera do delicioso chorinho Um a Zero.
Meu amigo se esses quatro discos não colocarem um enorme sorriso em seu rosto, e fizerem seu coração clamar por vida e harmonia, não sei o que mais poderia causar essa ressurreição.