Playlist: UMA NOVA GERAÇÃO DE CANTORAS PROMISSORAS NO CENÁRIO INTERNACIONAL

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Vozes femininas chamavam minha atenção muito antes de descobrir as vozes masculinas.

Vim a esta existência escutando Ella Fitzgerald no ventre de minha mãe, e não creio que possa existir referência mais impactante que crescer escutando Ella.

Tenho imagens na memória, dos meus 3 aos 6 anos, que são recorrentes cada vez que ouço os discos que meu pai escutava nos nossos finais de semana, e Ella ainda hoje traz as lembranças mais intensas e emocionantes!

Lembro de, aos 12 anos de idade, lamentar no rock progressivo não existir uma única voz feminina e, ao externar esse meu ponto de vista, ver a expressão no rosto dos amigos abismados com a minha observação, rs! Jamais esquecerei essa cena hilária!

Acho que soou como perguntar se poderia convidar minha vó para ouvir rock progressivo na sala conosco!
Quando, aos 15 anos, ampliei meus horizontes musicais ao escutar o maravilhoso Academia de Danças, de Egberto Gismonti e, na sequência, o lindo The Leprechaun, do Chick Corea, ambos com espaço para a voz feminina, achei de enorme bom gosto a iniciativa.

Claro que tudo isso só aumentou minha paixão por vozes femininas, e passei os últimos 50 anos buscando descobrir novos talentos em todos os gêneros musicais que aprecio.

Tanto na Audio News, como aqui, nesses últimos 30 anos compartilhei minhas descobertas com vocês e fico feliz que centenas de leitores escrevam também repassando suas descobertas.

As quatro cantoras que irei destacar nesta edição, já foram citadas aqui mesmo, porém estou dedicando um novo espaço a elas, por achar que todas com sua técnica vocal e criatividade se destacam na multidão.

São elas: Samara Joy, Lady Blackbird, Cécile McLorin Salvant, e Yumi Ito.

Interessante que a única característica em comum, é que todas elas têm uma identidade extremamente forte, para não aceitar ‘cabresto’ de suas gravadoras, e fugirem como o ‘diabo da cruz’ de terem que seguir a cartilha de lançar discos repletos de standards e clássicos já gravados um milhão de vezes.

E no caso da Samara Joy, que até aceitou em seu segundo disco, agora pelo selo Blue Note, fazer algumas concessões, o fez com arranjos que nos remetem a apreciar essas canções como se tivessem sido reescritas.

Pessoalmente, eu gosto mais do seu primeiro disco, mas entendo que com o suporte de um grande selo e os dois Grammy recém conquistados, isso lhe dará a projeção que seu talento merece.

Das quatro, Samara Joy é a de maior talento, sem dúvida alguma, e seu timbre de voz é diferenciado de todas as novas cantoras que emergiram no atual cenário musical.

No entanto as outras três possuem uma característica muito interessante, que é a de ousar e buscar seus espaços flertando com uma estética musical bem mais contemporânea que os dois primeiros discos da Samara Joy.

E essa ampliação de propostas é extremamente bem vinda, em minha opinião.

Acredito que todos vocês já tenham tido a curiosidade de ouvi-las, mas se ainda não o fizeram, renovo aqui essa proposta.

1- SAMARA JOY

Aqui no Brasil ela ficou conhecida por ser a cantora que ‘tirou’ a chance da Anita de ganhar seu primeiro Grammy, me levando a escrever um Espaço Aberto dizendo que ambas não fazem parte do mesmo universo musical.

E sequer deveriam estar concorrendo ao mesmo prêmio. Imagino que se tivesse escrito esse artigo em um canal de grande visualização, teria sido ‘cancelado’, como meus filhos costumam dizer.

Aqui, felizmente, nossos leitores ainda não escutam Anita (não que eu saiba), então a repercussão foi light!

Samara Joy é de longe o timbre feminino mais limpo e articulado dos últimos 30 anos, no cenário musical. Ela, assim como Ella Fitzgerald em sua mocidade, canta sem esforço, fazendo com que modulações complexas pareçam ser simples, e que todos os mortais poderiam executar.

Agora alie essa exuberante técnica com uma interpretação precisa do que está cantando, e você terá uma ideia consistente do grau de virtuosidade dessa moça.

OUÇA SAMARA JOY – LINGER AWHILE, NO TIDAL.

O que mais me incomoda em muitas das cantoras que anualmente furam a bolha do mercado musical, e conseguem lançar seu primeiro trabalho, é que não conseguem ‘interpretar’ as letras, (eu até entendo o desconforto de muitas ao serem impostas a cantar standards com letras que falam da realidade de suas mães e avós). Fazendo essas canções soarem burocráticas!

OUÇA SAMARA JOY – SAMARA JOY, NO TIDAL.

Samara Joy consegue reinterpretar essas obras como se estivéssemos sendo transportados para aquela época, porém com toques de atualidade, seja no arranjo ou em sua versátil técnica vocal, que imprime sutis detalhes a cada interpretação.

Deixo aqui os seus dois primeiros discos – sugiro que ouçam em sua ordem cronológica, para poderem tirar suas conclusões pessoais de qual é o mais interessante.

Linger Awhile é de 2022, e o que ganhou os dois prêmios Grammy de Cantora Revelação, e de Álbum de Jazz. O primeiro, de 2021 é o Samara Joy.

2- LADY BLACKBIRD

Lady nasceu Marley Siti Munroe, em Los Angeles, e na verdade está no cenário musical desde os seus 13 anos cantando Gospel, Soul e Jazz.

Mas somente agora, com 38 anos, e seu novo trabalho e nome artístico, conseguiu se destacar e receber inúmeras críticas positivas a seu novo disco.

Seu primeiro contrato foi com o selo Epic, em 2013, mas nunca conseguiu convencer a gravadora a produzir seu primeiro álbum. Em 2021 lançou seu primeiro EP independente, intitulado Self Inflicted Voodoo, sob o pseudônimo de Charley Row. Esse EP chamou a atenção da gravadora BMG, que começou a elaborar um álbum com jazz e black music dos anos 60, e nasce o projeto Blackbird em homenagem à música do mesmo nome de Nina Simone.

OUÇA LADY BLACKBIRD – BLACK ACID SOUL, NO TIDAL.

A pandemia adiou o lançamento do álbum em 2019, e então o disco só foi lançado no meio do ano passado, com uma edição de luxo batizada de Black Acid Soul.

Sua voz poderosa tomou corpo, e exprime toda a angústia em sua longa trajetória nesse primeiro disco.

Se tiver que explicar a sensação que tive ao ouvir pela primeira vez, a reação foi visceral! Não tem como ficar impassível ao ouvir esse disco.

Você pode até achar que, em alguns momentos, Lady poderia ‘domar’ um pouco essa sua fúria vocal, mas entendo perfeitamente os sentimentos tão à flor da pele, que se armazenaram durante tantos anos em sua tentativa de se apresentar ao grande público.

É um disco que merece todo reconhecimento, e certamente será um desafio tanto a ela quanto à sua gravadora, manterem um nível tão alto de tensão e brilhantismo no segundo álbum.

Se conseguirem, estaremos diante de uma nova diva!

3- CÉCILE MCLORIN SALVANT

Cécile é a mais veterana das quatro – nasceu na Flórida em 1989. Sua carreira começou de forma apoteótica, ganhando em 2010 o prêmio na Competição Internacional Thelonious Monk.

Ao completar o ensino médio, Cécile ganhou uma bolsa de estudos na França, para estudar canto erudito e jazz, com o multi-instrumentista Jean François Bonnel.

Seu primeiro trabalho solo saiu pelo selo Mack Avenue Records, de Detroit. Em 2014 ganhou quatro categorias na DownBeat, como álbum do ano na categoria Jazz Vocalista Feminina, Revelação Categoria Jazz. Na sequência, em 2016, ganhou o Grammy de melhor vocal pelo álbum Woman Child.

OUÇA CÉCILE MCLORIN SALVANT – WOMAN CHILD, NO TIDAL.
OUÇA CÉCILE MCLORIN SALVANT – GHOST SONG, NO TIDAL.

Das quatro neste mês indicadas, ela é sem dúvida a mais versátil e com uma carreira bem mais sólida internacionalmente. Ela me lembra muito a trajetória da hoje veterana Cassandra Wilson, que navegou por vários estilos musicais com enorme desenvoltura e talento.

Cécile utiliza de sua vasta qualidade e técnica vocal, para imprimir sua assinatura em qualquer tema que empreste sua voz.

Ousada, intensa e criativa, seus trabalhos não podem ser vistos como sequência do seu projeto anterior. Gosto imensamente dessa liberdade e versatilidade, rara em um mercado em que as gravadoras querem a repetição até o esgotamento de uma fórmula vencedora.

Indico para quem não conhece o trabalho dessa excelente cantora, dois discos: Woman Child ganhador do Grammy, e o Ghost Song, de 2022.

4- YUMI ITO

Outra veterana já com 33 anos, além de vocalista é também compositora, produtora e arranjadora.

Sua mãe é japonesa e seu pai polonês. E atualmente ela mora na Suíça, em Basel. Já se apresentou em inúmeros festivais, com nomes como Al Jarreau, Becca Stevens, Mark Turner e Nils Petter.

OUÇA YUMI ITO – STARDUST CRYSTALS, NO TIDAL.

Das quatro é a que mais flerta com o pop, música eletrônica, neoclássico e, claro, o Jazz. Sei que não agradará a todos, mas não custa tentar. Quem sabe o pego em um dia em que você acordou cansado da rotina, e desejando ardentemente sacudir sua vida, ao menos com uma lufada de novos ares temporários.

O primeiro disco é Stardust Crystals, de 2020, em que o lado jazzístico ainda predomina na maioria das faixas. O segundo acabou de ser lançado – Ysla- pelo selo Enja Yellowbird. E temos Yumi compondo e tocando piano em várias faixas.

OUÇA YUMI ITO – STARDUST CRYSTALS, NO TIDAL.

Yumi e Cécile já possuem uma discografia consistente, em relação a Samara Joy e Lady Blackbird. Mas pelo talento de ambas, acredito que ouviremos – e muito – falar das quatro por muitos e muitos anos!

Espero que você ouça todas as indicações, e concorde!

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