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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Me responda rápido: o que ocorre quando eu avalio produtos de áudio sem Referências e sem Método? E o que ocorre quando eu baseio minhas conclusões apenas em medições?

Se você respondeu que ambas situações são inconsistentes e inconclusivas, parabéns!

No entanto, o mundo do áudio está repleto de testes que se baseiam no ‘gosto pessoal’ do revisor crítico de áudio, ou na crença que as medições dizem tudo que precisamos saber em relação a qualquer produto medido.

Nos anos 70, quando eu era apenas adolescente e acompanhava meu pai à casa de seus clientes audiófilos, ouvi muitas vezes a piada que circulava entre eles que, para escolher o melhor receiver ou amplificador, bastava ler a ficha técnica de todos os produtos japoneses!

E olha que antes da imbecil Reserva de Mercado decretada em 1974, a eletrônica japonesa era soberana em nosso mercado. O que permitia a todos audiófilos ouvir e comparar receivers da Sony, Kenwood, Sansui, Pioneer, Teac, etc, e posso lhe garantir que sonoramente os mais interessantes não eram necessariamente os que tinham as melhores medições ou especificações.

E os que contavam essa piada, sabiam desse detalhe.

Achei, sinceramente, que no século 21 essa ‘máxima’ objetivista já tivesse sido refeita ou, ao menos, colocada em uma gaveta e esquecida.

E, recentemente, me deparei no You Tube com um objetivista ‘ortodoxo’ que foi além de defender as medições, e declarou essa ‘pérola’ em seu canal: “Se dois amplificadores soam diferentes, um está com defeito”.

Cúma?!!? Acho que até o humorista Didi dos Trapalhões soltaria essa, após ouvir tamanho descalabro!

Fico imaginando o estrago que esses ‘formadores de opinião’ podem fazer na cabeça dos que estão iniciando no hobby, e a única pergunta que teria vontade de fazer a esse cidadão é: se ele consegue me dizer com total certeza então qual ele acha que está com defeito?

Pois não conseguir ouvir diferenças na assinatura sônica de dois amplificadores, integrados ou prés de linha da mesma topologia, essa pessoa não tem o menor preparo para exercer essa profissão. E ele não apenas o faz, como posta semanalmente uma quantidade impressionante de besteiras!

E do outro lado da moeda, temos os subjetivistas que tem como bússola para suas avaliações seu gosto pessoal. Não importando estabelecer Referências em equipamentos, criar uma Metodologia ou uma seleção de gravações com o mínimo de qualidade artística e técnica.

Falo de um revisor crítico de áudio europeu, que deve ter seus 30 e poucos anos de idade, criou sua própria página e se gaba de não ter nenhum método de avaliação pré estabelecido, deixando que o equipamento o ‘emocione’ ou não!

Ele recentemente testou um pré de linha de um conceituado fabricante dinamarquês, de mais de 17 mil euros. Ele faz uma breve descrição do produto, e alega que o fabricante foi um tanto “taciturno” nas informações técnicas do pré. Então ele inicia as audições, e o compara com um pré alemão que ele havia testado recentemente, e ainda não havia sido devolvido (lembre-se que ele não possui um sistema permanente de Referência).

O teste se inicia com essa primeira observação: “A tonalidade do pré alemão é mais arejada e o dinamarquês é mais terroso. E o grave profundo do dinamarquês é mais potente que o alemão”.

UAU!

“E, se tratando dos graves profundos do dinamarquês, ele é mais neutro que o alemão, ou seja, ele consegue ir muito mais que o alemão”.

É sério, amigo leitor, sua descrição do que ele observou. Por mais que tenha relido várias e várias vezes, não consegui fazer a menor ideia do que se trata.

“O baixo superior no dinamarquês soa mais alto, o que se torna lindamente dinâmico, mas talvez um pouco unilateral”. Eu, se tivesse nos meus dias ruins, teria parado de ler nesse comentário – mas como pressenti ser um excelente material para este Falácias, resolvi continuar a ‘tortura’ até o fim, para saber de suas conclusões finais.

“Os médios e os altos no pré dinamarquês, parecem mais suaves que o alemão, e mesmo a voz de Leonard Cohen não se torna mais turva, e seu calor natural é apenas acentuado”.

“O timbre ligeiramente mais terroso do pré dinamarquês é mais perceptível com vozes femininas, ainda que no pré alemão essas mesmas vozes respirem mais abertamente que no pré dinamarquês”.

“Da mesma forma que o timbre do violoncelo no dinamarquês, se inclina mais para o corpo de madeira do que para as cordas”.

“As imagens desse dinamarquês são desenhadas de forma mais compacta, mas com bordas mais nítidas. Essa é a maior força deste pré – a terceira dimensão, a profundidade dos sons individuais mais elaborada do que normalmente me é apresentada em outros prés”.

“Dinamicamente, à ênfase e rigor dos graves profundos, no tutti orquestral, a apresentação não é apenas suculenta, mas também mais ousada e repentina”.

E, finalmente, ele conclui: “Além da encantadora combinação de boa resolução e um tom de voz mais quente, a representação cativante e concreta da música é a principal qualidade desse pré amplificador. Sugiro uma audição se você se sentir atraído pelo perfil de som descrito”.

Eu talvez esteja ficando senil, por isso tanta dificuldade em concluir o que o revisor realmente achou deste pré, já que sua falta de Metodologia o impede de descrever com exatidão o que ele realmente ouviu.

Gostaria de reiterar que esse teste foi de um pré amplificador de uma renomada marca dinamarquesa, que custa 17 mil euros!

Não é um teste de um pré de 900 euros – e ainda que fosse, merecia ser melhor descrito em suas características sônicas.

Fico imaginando o que o fabricante achou desse teste, e que contribuição efetiva trouxe para o produto. Pois imagino que o que todos leitores e fabricantes esperam de um teste publicado, é que além de uma descrição decente do produto, o revisor consiga compartilhar suas impressões com todos os seus leitores.

No caso específico desse revisor, ele não possui sequer um conhecimento ‘básico’ das características sônicas que é preciso serem avaliadas, e confunde por exemplo ‘grave potente’ com uma boa resposta dinâmica. Ou expressa termos como ‘terroso’ como o antagônico de ‘arejado’.

E a ‘cereja do bolo’ é, também, confundir ‘graves profundos’ com maior ‘neutralidade’.

Um show de horrores que certamente não fui o único que vi nessa falácia subjetiva!

Incrível que tenha que tratar desse tema do despreparo de inúmeros revisores, na Edição 300 da revista!

Queria, depois de 300 edições, estar comentando o quanto o mercado evoluiu, como as mídias estão mais preparadas e como o grau de informação que o consumidor recebe é consistente. Mas não, estou aqui descrevendo dois absurdos que ocorreram há poucos dias!

Eu não estarei aqui para escrever uma edição 600, e sinceramente não sei se daqui 27 anos estaremos convivendo com um mercado mais preparado e profissional!

Gostaria muito de crer, mas pelo andar da carruagem, acho essa hipótese muito pouco provável, infelizmente!

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