Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Um dos conteúdos que eu mais curto no YouTube é o canal do engenheiro Danny Richie, e de sua empresa de caixas acústicas GR-Research, sediada no Texas, nos EUA.
Richie é especialista em ‘upgrades’ – ou comumente chamados de ‘Mods’ (modificações) – em caixas acústicas. Ele fabrica sua própria linha de caixas, dá consultoria a outros fabricantes, e também vende suas caixas como kits para o cliente montar.
Mas seu trabalho mais interessante, e frequente, é quando clientes mandam caixas com as quais estão descontentes com a sonoridade, para que ele avalie, conserte o que está errado e cobre pelo upgrade. E o que ele faz depois? Faz um vídeo mostrando o que tem de errado com o gabinete, com os falantes, com o divisor de frequência, e até com os bornes.
E explica em detalhes o porquê de cada erro. E mostra inclusive alguns gráficos de medições.
Um de seus mais interessantes vídeos, mostra algo que faz objetivistas perderem o rumo de casa: ele pegou um par de caixas monitores de estúdio, bookshelf, passivas, de preço semi-baixo e estirpe bem discutível, mediu de acordo com o que o objetivismo dita, depois pôs um segundo divisor de frequências dentro da caixa que, mesmo sendo idêntico ao original em projeto, usava componentes de primeira qualidade – em vez dos componentes mais vagabundos disponíveis no mercado, que vieram no divisor original. E, para avaliação do resultado sonoro, podia-se chavear entre um divisor e outro, com botões atrás das caixas.
O resultado? Duas coisas: tocou imensamente melhor, mudando o som da caixa da água para o vinho. E, para desespero dos objetivistas: as medições foram iguais. Provou o óbvio: medições e especificações não dizem o nível de Qualidade do resultado sonoro. Fato.
Um dia desses, Richie publicou um vídeo sobre a análise e upgrade de um par de caixas vintage Pioneer HPM-100 da década de 70 – modelo o qual já saiu em nossa seção Influência Vintage (leia na Edição 286 de julho de 2022).
Ele seguiu o mesmo processo de sempre: fez medições com a caixa original, que lhe dizem problemas com a resposta de frequência e o equilíbrio tonal, assim como problemas de dispersão no eixo e fora do eixo (atrasos temporais), problemas de difração (causados pelas flanges dos falantes, bordas da frente da caixa e das telas de tecido), de casamento entre os vários falantes (e essa Pioneer ainda é 4 vias!), curva de impedância, e uma ‘sujeira’ no decaimento espectral da resposta de frequência – que Richie diz ser causada por problemas de desalinho temporal entre os falantes, e por vibrações e ressonâncias audíveis de partes do gabinete.
Ele também analisa a construção do gabinete (vibrações e ressonâncias) e soluções de amortecimento interno. Assim como a qualidade da fiação interna, dos componentes do divisor e dos bornes de conexão. E por aí, vai! Seus vídeos são uma aula para quem quer entender muita coisa sobre o projeto e construção de caixas acústicas.
As Pioneer HPM-100, coitadas, após a avaliação de Richie, são um ‘show de erros’. A resposta de frequência parece um eletrocardiograma de um atleta em plena corrida – é o oposto do plano! A dispersão não é das melhores, e a difração pega um bocado de sujeira pelas flanges dos falantes e pelo desalinho do tweeter com o médio. As frequências de corte dos falantes chegam a ser mal encaixadas umas com as outras. Completa o quadro o gabinete que vibra audivelmente, a fiação interna muito fina e os componentes de divisor de frequência indecentes de ruins (e baratos) – para não falar do projeto em si, do divisor.
Qual é o problema causador de tudo isso? Mau projeto de divisor de frequência, geralmente feito na matemática, e más condições de medição (se é que houve). E, se foi feito algum acerto de ouvido, então entram também condições menos que ideais de audição, ainda com os equipamentos de áudio muito limitados da época – década de 70.
As curvas de medição do divisor novo, projetado por Richie, fazem o divisor antigo parecer uma piada de bêbado. O novo divisor tem uma resposta de frequência incrivelmente plana! Mudança da água suja para o vinho francês!
(Aqui vale um parêntese: muita gente defende equipamentos vintage, achando que eles têm a mesma performance de um equipamento moderno – então eu faço sempre a mesma comparação, usando uma analogia de um carro antigo comparado com um atual: um VW Passat da década de 80 comparado a um Chevrolet Cruze atual. Em absolutamente todos os aspectos qualitativos aplicados normalmente a um carro, o Cruze é superior: performance, ruído, segurança, estabilidade, conforto, etc. Adoro muitos equipamentos vintage, mas não podem ser comparados quanto a qualidade sonora e performance. Mesmo.
A reflexão maior deste texto, é sobre como ouvíamos antes, e como ouvimos hoje, e como caixas eram projetadas e desenvolvidas antes, e agora. Para tal, aqui vão alguns estágios do processo:
CÁLCULO DE DIVISOR DE FREQUÊNCIA
Desde que se faz caixas acústicas, inclusive e especialmente em empresas grandes, que se usa cálculo de divisor de frequência. Eu não me lembro de nenhum projetista e nenhuma caixa, com resultados superiores, só com divisor calculado – e existem muitas caixas que só usam cálculo.
O cálculo é o ‘começo’ (e muitos consideram que seja também o ‘meio’ e o ‘fim’) do projeto de uma caixa acústica. É o desenvolvimento do divisor de frequência na matemática. E, desde a era do computador existem softwares para fazer esse cálculo, e há muitos anos existem, na Internet, calculadoras de caixas acústicas, gratuitas, em vários sites.
Qual é o problema? Bom, na maioria dos casos são projetos equivocados porque os dados usados para alimentar o software (os dados Thiele-Small, parâmetros elétricos dos alto-falantes) não são medidos corretamente pelos projetistas das caixas. E, muitas vezes, também não são muito realistas os dados passados pelos fabricantes dos falantes.
Além disso, acontece que esses softwares de cálculo são muito restritos, muito acadêmicos, não incluindo algumas ‘manhas’ e técnicas usadas pelos projetistas mais experientes. Aquele ‘conhecimento a mais’, que vem da experiência.
Além de serem limitados tecnicamente. Eles também não substituem totalmente e definitivamente acertos finos de ouvido – e eu devo lembrar que, estes, podem ser a diferença entre o ‘audível’ e o ‘inaudível’, entre o ‘certo’ e o ‘torto’, que o acerto de ouvido pode ser o único que traga equilíbrio e musicalidade. Portanto, projetar caixas acústicas não é para qualquer aventureiro.
MEDIÇÕES EM CÂMARA ANECÓICA
Aí passamos a algo que foi um fetiche durante décadas e mais décadas – principalmente por empresas grandes que faziam caixas acústicas comerciais, baratas, nada de hi-end ou audiófilo, e que costumavam ter um som ‘sem pé nem cabeça’, ou mesmo ruim.
É uma ideia errônea por princípio. A câmara anecóica é um ambiente acusticamente tratado para completo isolamento sonoro externo, e para que as ondas sonoras do que estiver tocando lá dentro não sofram nenhuma reflexão. Ou seja: acusticamente é completamente morto – sendo que a ideia é que, ao se medir com microfones uma caixa acústica lá dentro, as medições peguem apenas o que a caixa emitir, e não nenhuma reflexão, nenhum reforço do ambiente em nenhuma frequência. O som purinho da caixa acústica sendo medida.
Bom, né? Não. Não mesmo.
Mas, por quê?
Porque uma caixa acústica nunca será usada, por seus compradores, para ouvir música dentro de uma câmara anecóica. E uma caixa que for medida – e ‘acertada’ – dentro de uma câmara anecóica, vai soar bem só dentro de uma câmara anecóica! Vai soar totalmente diferente no mundo real, nas salas das pessoas, que sempre (incluindo de audiófilos) terão reflexões, absorções, perdas e colorações. O mundo real acústico é assim. Eliminar tudo isso não é a melhor solução – e sim, regular isso o melhor possível.
Usar uma câmara anecóica para projetar uma caixa, é como projetar uma receita de comida só por seu valor nutricional, e não por sua interação com outros ingredientes e temperos, sua harmonização com bebidas, o gosto pessoal de cada gourmet, etc e tal.
Há muito tempo, muitos fabricantes consagrados de caixas não usam mais câmaras anecóicas – e muitos nunca usaram.
MEDIÇÕES EM AMBIENTES DE ACÚSTICA NORMAL
E aí chegamos nas medições feitas em ambientes de acústica normal – que é o que o Danny Richie, e a maioria dos fabricantes fazem – para se poder ter uma curva de resposta de frequência real, e semelhante à interação da caixa com um ambiente real.
E, o passo seguinte, seria:
O ACERTO ‘DE OUVIDO’
Acerto de ouvido é ter uma sala com acústica e elétrica preparadas, e um sistema de Referência para que, dentro uma longa série de critérios de avaliação (uma Metodologia), se ouça os protótipos das caixas para que, então, correções sejam feitas em seu crossover, com objetivo de atingir o estado de um produto final.
Aqui vale uma visão geral, ou seja, como eu vejo o processo de desenvolvimento de uma caixa acústica – até porque, eu já acompanhei e participei desse processo, mais de uma vez.
Primeiro você define o tamanho e o tipo de caixa que quer desenvolver, depois seleciona os falantes que serão usados na caixa, que sejam apropriados não só por custos e logística, como em relação à performance que você procura atingir. E eles têm que, woofer e tweeter, ser apropriados para trabalhar um com o outro, ‘casados’, em questão à sua sensibilidade, potência, impedância, etc. Depois, esses falantes têm que ser medidos para ver se seus parâmetros batem com os parâmetros divulgados pelo fabricante dos falantes.
Com esses dados em mão, um cálculo do divisor de frequência é necessário – e existem vários tipos de divisores, uns mais complexos para corrigir uma profundidade de comportamentos dos falantes – mas não vou entrar aqui nesse nível de detalhe.
O passo seguinte é montar um gabinete protótipo, com a litragem necessária de acordo com os parâmetros do woofer a ser usado. Montar a caixa, com divisor e tudo, amaciá-la e medi-la extensamente em um ambiente de acústica normal. Várias modificações nessa fase ocorrem (inclusive o abandono do woofer ou do tweeter por outro modelo, ou até fabricante, porque não ficou à contento). Modifica-se o divisor, amacia-se tudo que precisa amaciar de novo, e mede-se de novo.
Quando a medição estiver do jeito que se procura, testes auditivos em sistema e sala de referência – por ouvidos treinados – começam. Aí toda a experiência real do projetista vai tirar daquela caixa a ‘mágica’ dela, sua assinatura sônica.
Hoje em dia ainda vejo empresas ou projetistas pequenos que só usam a matemática. Outro dia soube de uma empresa que estava fazendo uso de uma câmara anecóica. E, percebe-se facilmente que no mercado existem alguns excelentes projetistas com critério e bom ouvido, e uma infinidade de aventureiros – inclusive empresas de renome.
Atualmente, não fazer uma caixa realmente bem acertada, é uma temeridade comercial, já que existem várias que são muito surpreendentes, excelentes em sua performance, no segmento de entrada, por valores que mal superam – no exterior – meia dúzia de refeições.
Vale a pena conhecer o trabalho de Danny Richie e da GR-Research. Mais informações em: GR-Research: www.gr-research.com.