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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Equipamentos Vintage que fazem parte da história do Áudio

O termo Vintage tem a ver com ‘qualidade’, mais do que ‘ser antigo’. Vem do francês ‘vendange’, safra, sobre uma safra de um vinho que resultou excepcional. ‘Vintage’ quer dizer algo de qualidade excepcional – apesar de ser muito usado para designar algo antigo.

Nesta série de artigos abordamos equipamentos vintage importantes, e que influenciam audiófilos até hoje!

MADE IN JAPAN (MAS NÃO É CONSUMER!)

O Japão começou a ‘nadar de braçada’ no mundo inteiro, a partir do final da década de 60, até a década de 90, com eletrônicos. Era sinônimo de boa construção, qualidade excelente (quando bem selecionado pelos melhores ouvidos, nas marcas mais convincentes, e pelo ‘boca-a-boca’), e pelos preços bastante razoáveis, o que ajudou a popularizar o aparelho de som em praticamente todos os lares do mundo.

Mas eram aparelhos considerados de linha ‘Consumer’ – com raras exceções, dentro de cada uma das grandes empresas. E sempre houveram algumas marcas que não produziam em massa, cujo foco era em audiófilos mais criteriosos. Empresas que poderiam ser consideradas mais ‘artesanais’.

Uma delas é a ELP Japan.

Seu único produto – com variações e atualizações ao longo do tempo – foi concebido como ideia na década de 70, mas apareceu para o mercado somente na década seguinte, ainda que em forma de protótipo. Não é tão ‘vintage’ assim, mas é bem interessante!

O TOCA-DISCOS DE VINIL À LASER ELP

Sim, é um toca-disco de discos de vinil, de LPs, que parece um CD-Player gigante – ou mesmo um player de Laserdisc – com gavetão e controle remoto, completo, e que no lugar de um braço físico com uma agulha de ponta de diamante, para ler o disco, temos um laser (na verdade, vários lasers, mas isso veremos mais para frente). Coisa de ficção científica, né?

Acho que porque poucos tentaram fazer algo assim, ainda soa para nós, em pleno 2023, como algo de filme – mas a tecnologia toda é da década de 80.

E não, não é digital – não há conversão do sinal para o âmbito digital. É áudio analógico desde os sulcos até a saída RCA atrás do aparelho. Mesmo!

O toca-discos Laser ELP

Primeiro, precisamos entender como funciona um vinil lido por uma agulha de diamante. A informação toda da música está gravada fisicamente em um longo e fininho sulco em espiral, que começa no início de um disco de vinil e termina no final. Dentro deste sulco é introduzida a agulha, um diamante bem fininho e vai correr o relevo desse sulco e transmitir esse relevo em forma de micro-vibrações, pela haste da agulha (cantilever) até dentro da cápsula magnética, onde a vibração é convertida em sinais elétricos de baixíssima intensidade.

Sulcos sendo lidos por uma agulha

A parte interna e uma cápsula nada mais é que um motor elétrico, composto de um induzido (bobina) e um indutor (magneto). O movimento do induzido em uma cápsula Moving Coil, gera um sinal elétrico. O movimento do indutor em um cápsula Moving Magnet gera um sinal elétrico. Se você aplica energia elétrica em um motor, ele gira ou vibra, certo? Se você gira ou vibra um motor, ele gera energia elétrica (como um gerador ou um alternador de um carro, que carrega a bateria).

O ELP por dentro

Esse sinal elétrico baixíssimo da cápsula do toca-discos, então, passa por um pré de phono para ter sua intensidade aumentada exponencialmente – assim o sinal desse pré pode ser usado pelo amplificador ou receiver.

O que o ELP faz? Lasers lêem os sulcos, e micro-variações são detectadas e captadas por eles e, por sua vez, convertidas em sinal elétrico (assim como o que vem da cápsula magnética descrita acima). E esse sinal é amplificado – simples assim – para chegar no nível de saída que chamamos ‘de linha’, ou seja, o padrão que até hoje vem desde tape-decks e tuners, até CD e DVD-Players e streamers.

Ambas soluções – o pré de fono normal e o ELP – precisam também aplicar a equalização para que o sinal volte ao seu formato original. O que é isso? Na década de 50, com a popularização do LP, um padrão chamado Curva RIAA foi criado: era necessário a música passar por uma equalização radical antes de ser prensada no LP, pois a mídia física do vinil não tem capacidade de armazenar informação de graves de alta intensidade, assim como tem ótima capacidade para informação de agudos – então, antes de gravar no LP, uma equalização diminui os graves em até 20dB, e aumenta os agudos em até 20dB, usualmente. E essa curva de equalização RIAA precisa, portanto, ser reaplicada de maneira invertida, por todo pré de phono que existe, para que o sinal volte ao normal.

A Curva RIAA

Alguns modelos de toca-discos à laser ELP, tinham duas opções de saída: com sinal ‘de linha’, para poder ligar o aparelho direto a qualquer amplificador ou receiver, ou um sinal com intensidade semelhante ao de um toca-discos normal (e sem a correção RIAA), para ser ligado a um pré de phono à escolha do freguês audiófilo. Isso era definido na compra do aparelho, na ELP.

O ELP usa cinco lasers, no total, para a leitura dos discos. Dois dos lasers acham os topos do sulco, travam neles, e os acompanham durante toda leitura. Dois outros lasers lêem, cada um, um dos lados do sulco: as informações gravadas dos canais esquerdo e direito. E o quinto laser acompanha a altura do disco, corrigindo o posicionamento do conjunto de lasers de acordo com a grossura do disco (desde o pior nacional com 90 gramas, até o melhor 200 gramas que você encontrar) e também de acordo com as variações de altura devido a empenamentos. É um sistema bastante bem bolado – que eliminava vários problemas associados à leitura de vinil, como regulagens de braço e cápsula, com ângulos errados de leitura, distorções de sulco por forças centrípetas mal compensadas, etc.

O ELP também acaba com um dos ‘pesadelos’ dos aficionados por vinil: o desgaste físico dos discos por inúmeras reproduções. Vale lembrar, que esse problema é um tanto relativo – dependendo muito mais de como o vinil é ou foi tratado, e da qualidade do toca-discos e da agulha que foi utilizada para sua reprodução ao longo dos anos. O principal fator de desgaste de um LP, é o uso de agulhas velhas que foram danificadas e, portanto, tem seu diamante lascado, ‘comendo’ o sulco devagarinho – ou sujeiras incrustadas em diamantes que não são corretamente limpos. E, por fim, toca-discos com braços e cápsulas desregulados.

Ainda no lado positivo, o ELP possui dois recursos interessantes para melhora da leitura: um deles regula ligeiramente a altura do conjunto óptico, para que os lasers leiam partes diferentes da parede do sulco (que possui a mesma informação não importando a altura, desde o topo até o fundo), e também um afinador do feixe do laser, para procurar atingir áreas da parede do sulco que possam estar em melhor estado – ambos recursos falam bastante sobre uma vocação do ELP para o arquivamento, para a digitalização de acervo, incluindo discos antigos e que foram maltratados por agulhas e toca-discos ruins.

O lado negativo? Como o ELP faz uma leitura ótica, ou seja, visual do sulco, ele vai interpretar toda sujeira e todos os riscos e danos à superfície do disco, de maneira pelo menos tão ruim quanto uma agulha normal em um toca-discos normal. É de se entender, porque é uma ‘inspeção visual’ de algo físico – a não ser que, algum dia, alguém ensine, com Inteligência Artificial, o ELP a olhar o sulco e ignorar o riscos e danos, ou ‘ver além da sujeira’ e separar e interpretar aquilo que ele quiser, a informação que lhe interessar.

Enquanto isso, tanto com um toca-discos normal, quanto com o ELP, você vai precisar comprar discos usados em excelente estado, e limpos – e vai precisar manter seus discos novos, recém comprados, nesse mesmo estado.
Outro ponto negativo é: como a leitura é óptica, o ELP só lê LPs que são pretos – nada de discos translúcidos ou coloridos, ou ‘picture-discs’. O aparelho se perde e não consegue achar e ler o sulco.

ORIGENS DO ELP LASER TURNTABLE

Como conceito, o ELP não é o primeiro. Em 1976, o inventor americano William K. Heine recebeu uma patente para um sistema de leitura que usava apenas um feixe de laser direcionado ao sulco, e não se sabe se ele conseguiu fazer algum protótipo funcional.

No começo da década de 80, dois estudantes da Universidade de Stanford, nos EUA, os engenheiros Robert Reis e Robert Stoddard, fundaram a Finial Technology, em cima de uma tese de mestrado de Reis, que mais ou menos dava prosseguimento à patente de Heine – mas com um bocado de evolução técnica em cima. Segundo o jornalista americano de áudio, Bill Leebens, na década de 80 a empresa conseguiu patentes para seu aparelho, e investimento de milhões de dólares, além da construção de protótipos e de alguma presença em feiras de áudio – mas o fim da mal começada Finial se deu, no final da década de 80, graças à alta disseminação do CD, e o crescente desinteresse por discos de vinil.

Aí é que entra a japonesa ELP, única empresa atualmente produzindo e comercializando aparelhos desse tipo, porém de maneira restrita. Entretanto, são muito esparsas as notícias de aparelhos deles, tanto em feiras como em sistemas nas salas de audiófilos – pelo menos dos que temos notícias pela Internet. Talvez no Japão, a presença seja maior.

A versão dourada

MODELOS SEMELHANTES

Incrivelmente, e para a minha surpresa o ELP Laser Turntable, ainda é fabricado – por preços que superam 20.000 dólares (e sob encomenda), em sua versão LT-Master Wood, com sistema de leitura, e placa de saída analógica, melhorados. Não há informações se continua sendo, por exemplo, com acionamento do prato por correia (belt-drive), como eram os modelos antigos. Fazia quase uns 15 anos desde a última vez que ouvi falar dessa empresa – e estou surpreso que ainda existam.

Os modelos, ao longo do tempo, tinham mais ou menos a mesma cara – na verdade, três gabinetes diferentes: todo preto original, uma versão bacana com acabamento dourado, e o atual preto de novo, mas com base em madeira.
Modelos, ao longo dos anos, eram para discos de 33 e 45 RPM, com seleção de todos os tamanhos de discos. E, também, havia um modelo que adicionava 78 RPM à essas duas velocidades – mais para arquivistas. O modelo Master, de anos atrás, já trazia uma saída analógica mais caprichada, provendo maior qualidade sonora – obviamente mais voltado aos audiófilos.

O raríssimo protótipo da Finial

Tirando o original, o primeiro desses aparelhos, fabricado pela Finial – mais raro que civilidade pública – do qual, até onde eu sei, só existem protótipos, a única outra empresa a acenar com a possibilidade de um toca-discos de vinil com leitura à laser, foi a também japonesa Almedio (fabricante de leitores ópticos para computadores), que apresentou um protótipo (lindo!) chamado de Optora ORP-1. E, dele, existe bem mais mistério do que especula-se sobre as pirâmides do Egito! Foi apresentado, em 2018, um protótipo não-funcional, em mais de uma feira de áudio, e todas as informações técnicas dão conta de seu funcionamento ser o mesmo do ELP – porém, o Optora nunca mais foi visto.

O Almedio Optora Optical Turntable

Não me espanta, em plena era renascentista do vinil, a ELP estar ainda nesse restrito mercado. Mas o que me espanta é que não tem outros tentando desenvolver o mesmo tipo de aparelho.

COMO TOCA O ELP

Uns 15 anos atrás, circulou no mercado algumas faixas gravadas de discos com o ELP Laser Turntable. Lembro de ter ouvido alguma coisa, que era bem honesto, decentemente correto, mas não mais impressionante que um bom toca-discos normal com um bom pré de fono. É bem possível que uma versão mais atualizada tecnicamente – especialmente na parte da saída analógica – tenha um som de alta qualidade, que impressione. E eu gostaria muito de ouvir esse aparelho, em condições ideais de teste.

A imprensa especializada no exterior, claro, chegou a ouvir alguns aparelhos da ELP, mas as críticas eram que todos os LP soavam iguais tocados no aparelho – apesar de alguns jornalistas acharem ele com um som bastante transparente e aberto. Portanto, agradou a vários, também.

SOBRE A ELP

ELP Japan (que, infelizmente, não significa Emerson Lake & Palmer) é a abreviatura de Edison Laser Player.
No final da década de 80, a Finial Technology, ao fechar as portas, vendeu todas suas patentes para a empresa japonesa BSR, que ao mudar de nome para CTI Japan, criou uma empresa chamada ELP Japan, totalmente dedicada aos toca-discos de vinil por laser.

A ELP Japan, encabeçada por Sanju Chiba (até hoje, inclusive) apresentou seu primeiro produto finalizado apenas em 1997, com preços na época de 20.000 dólares, e que baixaram em 2003 para 10.000 dólares.

E, até onde o site da empresa nos informa, a ELP Japan continua em atividade, sediada na cidade de Saitama, no Japão – fabricando novos aparelhos, e fazendo manutenção nos antigos.

Bom Natal a todos! E nos vemos em 2024!

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