Opinião: STREAMING: UM MODELO DE NEGÓCIOS OU NITROGLICERINA EM TERREMOTO?

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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Já faz um bom tempo que os números apresentados pelos diversos serviços de streaming de música, deixam as pessoas com a pulga atrás da orelha – principalmente quando se vê o número de reclamações sérias feitas por músicos, de todo calibre, nível de fama e poder aquisitivo.

Sempre ouvi, ao longo dos anos, que o dinheiro de verdade dos músicos vem de se fazer turnês e shows, e não de vender discos. Mas, mesmo assim, para alguns a venda de CDs e LPs completa o orçamento mensal – e para outros pode significar só o dinheiro da pizza, no longo caminho traçado, na longa briga de um músico em sobreviver – ou até mesmo viver decentemente de sua música.

A grosso modo, em relação a uma faixa de música, existem royalties a serem pagos cada vez que ela é reproduzida em um serviço de streaming – ou pagos na licença para a prensagem de um CD ou LP de acordo com o número de cópias, ou na reprodução em lugar público, ou em seu uso em filmes, comerciais, etc e tal.

Ser um artista cujos direitos estão em uma gravadora grande, um selo de gravação dos conhecidos – geralmente chamadas de ‘majors’ – em geral significa que esse artista tem grande projeção de nome, de vendas e de fama. Essa ‘major’ geralmente detém o fonograma (a master da gravação), os direitos como distribuidor dela, e os direitos como produtor (que inclui músicos usados, e outros profissionais de estúdio). É ela que vai no serviço de streaming e fecha contrato para inserir seu conteúdo lá, e o mesmo estar disponível para audição pelos assinantes.

A partir daí, uma outra porcentagem dos royalties será paga ao compositor da tal faixa musical (seja da letra, seja da música em si). E, por fim, a última porcentagem vai para o artista ou banda.

O quanto o artista recebe, é bastante vinculado ao contrato que ele tem com sua gravadora e distribuidora. Claro que um artista que tiver seu próprio selo, que publicar e distribuir seu próprio trabalho (e for compositor e produtor dele também) irá receber royalties muito maiores – mas também não terá a mesma divulgação que tem em uma gravadora ‘major’. E os serviços de streaming já foram acusados, também, de promover mais os artistas que dão mais dinheiro do que os artistas menores e menos conhecidos.

Desnecessário dizer que uma faixa cada vez que é tocada, paga um valor bem menor do que se fosse um CD ou LP – mas promete o acesso ao trabalho do artista por muito mais gente, ser reproduzida muito mais vezes, e sem o custo de prensagem de um CD ou LP. São modelos de negócios diferentes.

Mas será um bom modelo? Bom, não existe uma transparência sobre quais são as reais porcentagens devidas a cada um desses acima. Isso, claro, também depende muito do contrato, então muda um pouco, de caso a caso.

Um padrão me parece claro: o quinhão das ‘majors’ é o mais alto em todo esse processo – porém quem está atualmente tomando a maior quantidade de pedradas dos artistas são os serviços de streaming. É notório, há pelo menos 50 anos, que a divisão de dinheiro entre gravadora e artista, é um ponto de contenção entre eles, com artistas famosos e de alto faturamento, permanecendo endividados com suas gravadoras por anos a fio. E a história continua se repetindo com artistas mais novos fechando contratos com grandes gravadoras. É um abelheiro que não apareceu ainda alguém com coragem para bater de frente tendo poder para fazer mudanças. Talvez a crise gerada pelo fato de o streaming pagar muito mal muitos artistas, traga isso um pouco à tona.

Nos EUA, existem reclamações de artistas que chegaram a ter suas faixas reproduzidas 20 milhões de vezes no streaming, e receberam cheques de royalties de US$750, por exemplo! E esse é um caso extremo. Porém, é comum que artistas estejam testemunhando seu trabalho ter sucesso e atingir um grande número de pessoas, mas receber apenas o tal ‘dinheiro de pizza’. E para onde vai o resto? Ou para a gravadora, ou para os próprios serviços de streaming – e vários destes últimos têm, há anos, reclamado que fecham (ou fechavam) meses no vermelho.

Porém, mesmo assim, para muitos artistas fica com cara de que todo mundo – tanto os serviços de streaming quanto todos os outros que recebem royalties – está ganhando dinheiro com a música deles, menos eles. Em alguns casos é apenas mal pago, e em muitos, os artistas mal conseguem pagar suas contas do mês.

Provavelmente a ideia de que esse modelo de negócios precisa ser revisto, é plenamente válida – até porque, essas histórias, esse cenário relatado por muitos músicos, é assustador.

Uma das três maiores ‘majors’ hoje, tem claro um catálogo gigantesco – mas fatura bilhões de dólares por ano, sendo a maioria royalties vindos de streaming, CDs, LPs e licenciamento de faixas para TV, filmes e comerciais. Me parece – e a muitos músicos também – que as porcentagens envolvidas precisam ser esclarecidas e revistas. O streaming representa mais de 80% do que é ouvido de música no mundo hoje. Um só serviço de streaming chega a ter 200 milhões de assinantes pagantes em todo mundo – e ainda tem conteúdo sustentado por propaganda.

Centena de artistas no Reino Unido, por exemplo, incluindo muitos nomes conhecidos por todos, fazem abaixo-assinados e petições para que o Parlamento reveja o streaming e seu funcionamento econômico. Nos EUA, foi formada a Union of Musicians and Allied Workers, que está de marcação cerrada com as empresas de streaming. O problema é, na verdade, uma bola de neve que vem se formando há mais de 10 anos – e uma solução satisfatória parece estar ainda há anos de distância.

Os músicos já aceitam que o streaming veio para ficar – mas que a divisão do pagamento de royalties precisa ser revista o mais cedo possível. E isso inclui como cada um dos serviços divide os dinheiros a serem pagos a todos que merecem royalties.

Legislaturas de vários países também estão estudando e revendo esse modelo econômico. O Spotify, por exemplo, declarou que está saindo do Uruguai no começo de 2024, porque o país mudou sua lei de direitos autorais, com o intuito de uma remuneração mais equitativa para os artistas. Isso, segundo o Spotify, torna inviável economicamente a empresa operar no país.

Sou só eu que acho que essa história toda, do começo ao fim, cheira mal? E que tudo precisa ser revisto, que uma transparência se faz necessária, e que uma legislação séria precisa regular o pagamento de royalties pelos serviços de streaming?

Se artistas realmente se unirem, um problema sério pode ocorrer envolvendo-os, as gravadoras, todos que têm direito a royalties, e os próprios serviços de streaming. Pode haver um embate muito sério, pois o modelo econômico me parece tão perigoso e limítrofe quanto nitroglicerina em terremoto.

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