Opinião: DOIS PESOS & DUAS MEDIÇÕES OBJETIVISTAS

Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Eu tenho a impressão que a maior parte dos medidores compulsivos, de caixas e equipamentos – a maior parte dos objetivistas ferrenhos – não consegue sentar e ouvir e avaliar a qualidade do som que sai de um equipamento, nem para salvar o pai da forca.

Penso em um audiófilo, que sente insegurança em decidir por um par de caixas ou outro – afinal são aparelhos caros – e ele não sabe se o dinheiro será bem investido, e se o mesmo par de caixas irá funcionar bem no sistema e sala dele, e se vai tocar a música que ele gosta de maneira prazerosa.

Esse mesmo audiófilo vai, então, e compra o par de caixas que algum medidor inveterado ‘definiu’ que é boa, ao olhar alguns gráficos. O objetivista disse que é boa porque o conjunto de medições feitas em laboratório ‘mostra’ que é boa! rs… Esse medidor deve escolher seus interesses românticos mediante apresentação de ressonância magnética do coração da pretendente! rs…

Com medições você consegue saber, a grosso modo, curva de resposta de frequência, questões de fase e dispersão em caixas acústicas, entre outras várias coisas. Mas se você quer saber se o equilíbrio tonal é realmente o mais redondo, claro, agradável, quente, com corpo harmônico generoso e cheio, com texturas claras, corretas e límpidas que trazem os melhores timbres, com resposta de transientes natural e sem dar impressão de lerdeza, com dinâmica sem embolamentos e achatamentos do som, com inteligibilidade em passagens musicais mais complexas, com palco que traga melhores camadas e separação entre instrumentos, etc – se você quer saber tudo isso, que é o que diferencia o nível de Qualidade Sonora de um equipamento de som, então saiba que as medições não irão te informar isso. “Só ouvindo!”, como dizemos milhões de vezes, no meio.

Ache medições que digam mesmo como é a Qualidade Sonora, que eu me torno objetivista amanhã. Tem coisas que a inteligência artificial não pode fazer por você. E é aqui que algumas pessoas acham que estou simplesmente puxando a sardinha para o nosso trabalho aqui – mas realmente, eu gostaria muito que alguém trouxesse medições revelassem Qualidade. De verdade. Facilitaria o nosso trabalho, e permitiria mais facilmente ao mercado distinguir o ‘jôio do trigo’.

Aqui volto a lembrar do teste que um engenheiro americano fez, pegando um par de caixas bookshelf de qualidade simples, e fazendo uma cópia exata de seu divisor de frequência – porém usando só componentes de alta qualidade, de qualidade muito maior que os componentes usados originalmente nela. Pôs, então, nas caixas ambos divisores, com um conjunto de chaves comutando entre um divisor e outro. Fez medições do novo divisor, que resultaram iguais ao original (fantástico, não?), e testes auditivos com várias pessoas onde ficou claro que a caixa subiu de patamar de qualidade. Isso demonstrou com total clareza que medições não dizem Qualidade Sonora. E isso, para um hobbie onde o que se preza é a Qualidade Sonora, faz todo esse objetivismo ser inútil na hora que o som tem que chegar na orelha de quem está ouvindo o sistema.

Alguns objetivistas têm a cara de pau de dizer que as medições e especificações dizem tudo que é preciso saber sobre um equipamento. Que pobreza! E quem paga por isso é o audiófilo seduzido pela ideia de que essa ciência irá lhe dar segurança para escolher. Mas muitos não vêem que, por exemplo, usar um espectrógrafo de massa e fazer análises químicas em laboratório não irão te dizer se uma refeição é gostosa ou mesmo satisfatória, e estamos falando não da capacidade nutritiva dela, mas sim de prazer gourmet à mesa.

Porque a Audiofilia está para áudio como o Gourmet está para a comida.

Esta revista faz um esforço de mais de duas décadas – mais de metade desse tempo com minha humilde participação – para esclarecer uma série de pontos, mostrar e utilizar uma Metodologia, que permite uma análise mais completa da Qualidade Sonora de um equipamento, ou seja, de seus aspectos Qualitativos.

Porque se for para falar de quantidade, qualquer um pode dizer se toca mais alto ou mais baixo, se tem mais graves, menos agudo, muito agudo, etc – mas não é isso que você procura e nem o que está comprando, e também não é o que terá o trabalho de montar, regular, casar, e usufruir, em sua sala, como um audiófilo melômano.

Por que falamos tanto de Referência? Digamos que você não saiba que gosto tem um morango, a fruta. E aí vai comer um biscoito com recheio sabor morango – mas com zero comprometimento de usar um paladar aguçado e educado, ou mesmo de que esse biscoito tenha que ter qualquer semelhança de gosto com a fruta. Você só quer um doce para comer com o cafezinho da tarde.

Só que, imagine um cenário onde você adora o gosto de morango, é um aficionado e entendido, ao ponto de experimentar e criticar vários, de várias origens – seja porque, mesmo alguns sendo muito vermelhos, ainda não são tão doces, ou porque outros sejam muito ácidos (como é o morango brasileiro comparado com o de países frios). Parabéns! Pois você é um Morangófilo! rs! Você não precisa de nenhuma medição para te dizer se o biscoito de morango tem qualquer semelhança com o gosto de um morango de verdade. Você sabe o gosto do morango de verdade, você tem a Referência! E você acha que o biscoito comercial é uma droga artificial e não o consome mais.
Entende a analogia? O paralelo com ser Audiófilo?

O ideal é, portanto, conhecer o som dos instrumentos reais – quanto maior o número de instrumentos, melhor, assim como a intimidade com o som dos mesmos. Eu presto atenção à sonoridade de todos os instrumentos que eu ouço, de perto, ao vivo, sempre – até hoje.

“Mas eu gosto de música eletrônica, de sintetizadores!”. Mesmo os instrumentos eletrônicos têm textura, gama de frequência, riqueza de harmônicos, e seu particular tipo de equilíbrio tonal. Ou seja, ele pode desafinar, ter timbre feio e distorcido, ter pobreza harmônica, falta de extensão, pobreza de texturas – como qualquer outro instrumento musical.
Existem subjetivistas que se baseiam em informações e conhecimento acumulado para poderem fazer suas análises e descrições subjetivas. Mas também existem aqueles que parecem que querem levar a reprodução eletrônica da música – os equipamentos de som – para o lado do esoterismo, criando definições e análises quase artísticas de tão lúdicas, em um universo paralelo à realidade. O uso, então, de adjetivos completamente desperdiçados por esses reviewers, é quase folclórico.

A análise (completamente inútil) de muitos – ou mesmo a incapacidade de ter espírito crítico, de prestar atenção, de absorver e entender – me lembrou de uma edição de um periódico célebre, que elegia ao final de ano os melhores restaurantes de São Paulo. Eu parei de ler ele quando, em uma edição, definiram que o melhor hambúrguer era o da lanchonete X. Acontece que eu gosto muito de hambúrguer, já tinha comido algumas vezes lá, e só era um sanduíche decente, mas nada que pudesse ser chamado de “O Melhor de São Paulo”. Fui ler a fundo, para entender o motivo que levou a esse prêmio: “O lugar é muito alto astral, e as pessoas que vão lá são bonitas”. Está aí, caro leitor, algum analista testador de equipamentos de áudio, subjetivista desvairado, ganhando uma grana extra analisando lanchonetes.

Em outra análise e teste de equipamentos, um gênio disse que jamais ouvia música clássica – nem por gosto e nem para testar – porque ele, com os sistemas atuais, não conseguia separar instrumento por instrumento da orquestra e distingui-los com perfeição, e essa limitação seria em detrimento da qualidade sonora. Na verdade não: é em detrimento dele, que não só nunca foi lá ouvir uma orquestra ao vivo in loco, como também parece ter uma predileção forte pelos sistemas atuais que prezam uma hiper-definição, um hiper-realismo fatigante que nada tem a ver com o mundo real.

É preciso referência real, acústica, no mundo real!

É preciso desenvolver e ter espírito crítico, e analisar!

É preciso aprender, estudar, lapidar o conhecimento, a informação, e especialmente a audição necessita de educação e treino (da mesma maneira que o paladar o faz com comida gourmet e vinhos).

Não, não nascemos sabendo. E ter capacidade auditiva física é uma coisa, e ter ouvido treinado é outra.

E isso, amigo leitor, dá trabalho.