Opinião: O QUE A NEUROCIÊNCIA NOS DIZ SOBRE CADA UM TER UMA PERCEPÇÃO INDIVIDUAL DO MUNDO QUE NOS CERCA

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Não conheço outra publicação de áudio que tenha se empenhado tanto em trazer temas tão essenciais e pertinentes sobre a questão da Percepção Auditiva.

Pois não creio que se possa ter convicção de nada consistentemente, sem conhecimento profundo do que estamos a discutir.

Está claro para mim, que existe uma ‘tendência’ atual de se generalizar tudo e tentar criar uma ‘desconstrução’ de todos os valores e conhecimento até aqui duramente alcançados, com o raso discurso que ‘não existe o certo ou errado’ e portanto ‘tudo é válido’.

E que como a audição é ‘algo individualizado’, o que para você é bom, não necessariamente o seja para mim.

Alimentando essas Falsas Crenças Bizarras, abre-se a possibilidade de se jogar no ralo tudo que a neurociência desvendou nos últimos 20 anos.

E não foi pouca coisa, amigo leitor, pelo contrário: os avanços nos permitem não só estudar o comportamento de como o nosso cérebro reage ao ouvir e tocar música, como foram de fundamental apoio para os mais recentes estudos sobre nossa insondável e tão pouco compreendida consciência.

Um dos expoentes nessa nova fronteira é o neurocientista Anil Seth, autor do livro: Being You – A New Science of Consciousness.

Esse livro possui um apelo multidisciplinar, e teve a ajuda de uma enorme equipe de pesquisadores da Universidade de Sussex, em Brighton – Reino Unido, composta por neurocientistas, artistas, músicos, matemáticos e físicos teóricos.

Sua própria carreira foi multidisciplinar, pois começou por estudar física, depois psicologia, depois ciência da computação, e seu último mestrado foi sobre inteligência artificial.

Nesse seu novo livro lançado em 2021, ele nos conta que se debruçou em três argumentos muito espinhosos: o primeiro é que a consciência é algo que pode ser abordado pela ciência (isso vai contra uma ideia secular de que a consciência está além do alcance da ciência).

O segundo tema do livro é a percepção do mundo ao nosso redor, e aí ele aborda a ideia de que cada um de nós vive dentro de uma ‘alucinação controlada’ e que, portanto, nossas experiências do mundo não nos dão acesso direto e irrestrito a tudo que está do lado de fora, mas sim a uma experiência perceptiva, de cores, formas e sons que povoam o mundo, o mundo que experimentamos, que são gerados ativamente e não percebidos passivamente.

E o terceiro tema central do livro é justamente mostrar como o que percebemos se aplica a nós mesmos e à ideia que temos do nosso EU.

Ele, no terceiro tema, tenta desconstruir a tese – também secular – de que tudo que percebemos se encontra em algum lugar atrás dos nossos olhos ou entre nossos ouvidos, e que no meio do crânio, está o ‘recipiente de toda informação coletada’.

Ele avança e nos coloca em um outro patamar, ao nos mostrar que também o EU em si é uma percepção que temos de nós. E essa percepção tem implicações muito profundas entre a vida e nossa consciência.

Não pare de ler, amigo leitor, este Opinião, pois não embrenharei por tortuosos temas filosóficos ou religiosos. Não é essa minha intenção. Pelo contrário, pretendo apenas jogar um pouco de luz na questão central que a audiofilia hoje discute: uma Percepção Auditiva pode ser avaliada por um grupo de audiófilos, em que todos cheguem à mesma conclusão a respeito daquele fenômeno?

Ou isso é totalmente impossível? Pois a percepção é meramente individual, não permitindo observações coletivas?
Mas antes de compartilhar as conclusões do neurocientista Anil Seth, tenho que descrever um pouco mais seu conceito de consciência, pois ele está intimamente atrelado à questão de nossa Percepção Individual.

Ele escreve: “Consciência não é a mesma coisa que inteligência, não é a mesma coisa que ter linguagem. Não é a mesma coisa que se comportar de uma determinada maneira. É apenas o fato de que a experiência está acontecendo. E todos nós sabemos quando uma experiência está acontecendo, e portanto todos nós sabemos o que é estar consciente, e quando perdemos a consciência ao sermos anestesiados ou entrarmos em sono sem sonhos”.

A falta de consciência é uma excelente maneira de confirmarmos quando saímos do sono sem sonho, ou de uma sala de cirurgia, e a recobramos.

O que Anil nos revela neste seu recente livro, é que podemos tanto ampliar nosso poder de concentração, como melhorar nossa percepção através de um estado mais consciente.

Que vem de encontro a algo que martelo em meus textos desde a virada do século, quando afirmei por conta própria que para o Ocidental a audição ‘consciente’ possui o mesmo efeito que a meditação para o homem Oriental.

Anil trabalha com uma equipe especialista em VR – com as mais recentes máquinas de ressonância para estudo de imagens cerebrais – e o objetivo central desse grupo é estudar como nossa experiência consciente do mundo lá fora, se relaciona com a informação sensorial que chega através dos nossos olhos e ouvidos.

E as conclusões dessa equipe multidisciplinar abrem novos horizontes, tanto na resposta de como nossos sentidos reagem aos sinais externos, e como essas informações ampliam nosso grau de consciência de nós mesmos e do mundo externo.

Ele escreve: “Quando expomos nosso cérebro a imagens e sons, um mundo ilumina partes do nosso cérebro, explodem em sinais elétricos para o observador externo, mas para o indivíduo que as recebe, seu cérebro tem que dar sentido a esses sinais para formar a percepção e criar um gato, uma xícara de café, um céu azul ou qualquer outra imagem que esteja sendo apresentada”.

E conclui: “Nosso cérebro está continuamente tentando ‘adivinhar’ o que deu origem aos sinais sensoriais que recebe. Isso nos leva a entender que nossa percepção do mundo vem principalmente de dentro para fora ou de cima para baixo”.

Então, na verdade, o que podemos concluir do estudo de Anil e sua equipe é que nosso cérebro está o tempo todo gerando previsões do que está percebendo do mundo externo e interno.

E se nossa percepção do que estamos a captar for ‘pobre’, o grau de precisão também o será.

Essa descoberta tem implicações drásticas no nosso grau de Percepção Auditiva do material que ouvimos. E, consequentemente, nossa avaliação e consciência também serão limitadas.

Isso remete à brilhante frase da romancista Anais Nin, que escreveu: “Não vemos o mundo como ele é, vemos o mundo como nós somos”.

Ou seja, nosso grau de percepção e consciência estará sempre limitado ao que nós somos.

E isso é claramente o motivo de que três audiófilos expostos ao mesmo sistema e ao mesmo conteúdo musical, terão percepção distintas tanto do equipamento como da obra escutada.

Mas como ampliar e refinar nossa Percepção Auditiva e nossa consciência, e sentarmos realmente para ouvir?

Anil propõe alguns caminhos: “Podemos ir mais fundo, pois há toda uma parcela de percepção, toda uma área de percepção, chamada de intercepção, que é quando conscientemente fazemos o cérebro sentir, regulando, percebendo, interpretando os sinais que vem de dentro do próprio corpo, sinais que refletem coisas como frequência cardíaca, oxigenação, tensões musculares, desconfortos físicos, ou tranquilidade”.

Ampliar essa intercepção é um dos caminhos para se adquirir mais consciência e ampliar nossa Percepção Auditiva e visual.

O que posso dizer, por experiência própria e que compartilhei por todos esses anos com vocês, é que precisamos entender que uma coisa é fazermos uma interpretação de um acontecimento musical em nosso cérebro, e outra é vivenciar esse acontecimento musical em nós.

São coisas absolutamente distintas. posso imaginar como soa uma harpa que ouvi uma única vez, reproduzida eletronicamente, e essa memória auditiva ser suficiente para toda vez que ouvir novamente uma harpa reconhecer o instrumento.

No entanto, isso não me dá uma Percepção Auditiva real, segura e convincente de como uma harpa realmente soa ao vivo, a poucos metros de distância.

E essa falta de memória auditiva dos timbres dos instrumentos reais, dificulta qualquer análise correta de um equipamento ou de um sistema completo de áudio hi-end.

O que o brilhante neurocientista e sua equipe estão nos dizendo é algo que precisamos entender definitivamente: não se trata de ouvirmos diferente do outro, e sim do grau de Percepção Auditiva que temos da referência real do instrumento.

Isso que nos faz ‘interpretar’ o acontecimento musical de maneira tão díspar, e às vezes até antagônica.
Pois se ouvíssemos de maneira tão distinta um do outro, seria impossível reconhecermos os instrumentos que estamos ouvindo coletivamente.

O que se sabe é que pessoas sem problemas clínicos auditivos, podem ter sutis diferenças auditivas, mas que não permitem defender teses absurdas como a de ‘equalização individual’ ou que ‘não existe certo ou errado’ na reprodução de música em sistemas de áudio.

O que nos faz ouvir de maneira tão distinta coletivamente, se encontra em nosso grau de Percepção Auditiva e, principalmente, o quanto estamos conscientes daquele momento em que queremos esquecer o mundo e mergulhar na música que tanto amamos.

Felizmente a neurociência está avançando a passos largos nas respostas que tanto necessitamos, para colocar as questões essenciais sobre Percepção Auditiva nos trilhos novamente.

Não se aprimora a Percepção Auditiva apenas interpretando em nossa mente o que julgamos ser o som ideal de um instrumento que nunca ouvimos ao vivo.

Se insistir nesse caminho, garanto que a colheita no final da estrada será custosa e provavelmente desastrosa também!

O que é mais incrível na minha opinião, sobre essas novas descobertas, é o fato que ao refinarmos nossa Percepção Auditiva, estamos consequentemente ampliando nosso grau de consciência.

Não consigo imaginar algum de nossos leitores, abrindo mão de qualidades tão essenciais para uma vida mais plena, rica e criativa!

Se este artigo lhe foi interessante, leia mais sobre a questão do Refinamento de nossa Percepção Auditiva na seção Espaço Aberto desta edição.

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