Opinião: SALA DE MONITORAMENTO DE ESTÚDIO COMO REFERÊNCIA?

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abril 5, 2024
HI-END PELO MUNDO
abril 5, 2024

Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Cada vez mais eu ouço que tal e tal sistema, ou equipamento, reproduziria o som que o engenheiro ouviu no estúdio de gravação – e que isso seria a ‘referência suprema’. E isso está lá, para mim, junto com o “soa como o artista queria que soasse”!

Essas são reais ‘Referências’?

Não, eu acho que não. Por uma infinidade de motivos. E o primeiro deles é: incorrem em sérios erros, logo de começo.

O caso do que se ouviu na sala de monitoramento, me lembra do engenheiro de gravação que foi ouvir um sistema de áudio hi-end, pediu para por uma gravação dele, e relatou “estou ouvindo detalhes e nuances que eu não tinha escutado no estúdio!”, e que não tinha escutado em nenhum equipamento de som ‘consumer’ que jamais teve, também. Parece maluquice, mas não é. Usar um monitor de estúdio que não é muito bom, por exemplo, significa mais que você está mascarando detalhes e nuances do que qualquer outra coisa.

Por que um sistema mais recente, de maior qualidade, te mostra coisas nas suas gravações preferidas, que você nunca tinha ouvido antes, mesmo tendo um sistema de boa qualidade? É por que esse sistema ‘fabrica’ mais detalhamento e qualidades nas tais gravações? Claro que não, né! Nem tem como.

É porque essas informações ‘a mais’ sempre estiveram lá, e os sistemas mais simples mascaram elas – e os sistemas de maior qualidade, as trazem de volta à tona. E isso exacerba más qualidades das gravações, especialmente timbres ruins e mau equilíbrio tonal.

A mesma coisa acontece em um estúdio de gravação e mixagem com monitores de menor qualidade – e são muitos deles, até demais. Um caso clássico, que perdurou décadas, e ainda se encontra por aí, é o do monitor Yamaha NS-10 – aquele mini-monitor preto com o woofer de cone branco, que todo mundo já viu em uma foto ou vídeo de um estúdio. Que me perdoem os defensores, mas aquilo é absurdamente, incrivelmente, imundamente ruim de doer. E foi tão venerado durante tanto tempo, por tantos…

Monitorar mixagens com essas caixas é como avaliar um prato gourmet logo após bochechar com Listerine – quem sabe, e já fez, de comer depois do Listerine, lembra que salmão e espuma de borracha têm o mesmo gosto.

Veja, todas as melhores gravações existentes, usam monitores de melhor qualidade. Sempre volta-se à ideia de que não se faz comida realmente boa com ingredientes ruins. Então existe, dentro do estúdio, esse fator também.

Mas, a história não para por aí. As salas de estúdio, mesmo as de monitoramento, frequentemente têm um tratamento acústico muito mais amortecido que qualquer sala de audição caseira – e essa disparidade fará que não tenham um bom paralelo uma com a outra. É preciso pensar que sala de monitoramento não só não é referência, como é um utilitário, uma ferramenta – e que, nem assim, é uma unanimidade.

Alguns engenheiros de gravação usam esse tipo de sala apenas para monitoramento durante as gravações – e outros até preferem algum dos sensacionais fones de ouvido que temos hoje em dia para monitorar, em vez de usar as caixas que estiverem disponíveis lá. Para esses o local é apenas acesso ao ferramental utilizado em seu processo.

E muitos desses citados acima, vão buscar salas de audição e sistemas modernos e sinérgicos audiófilos, para fazerem a finalização da produção e a mixagem. Assim como os melhores estúdios de masterização que eu conheço, têm salas que são semi-vivas, com acústica semelhante às das melhores salas audiófilas – e com sistemas de primeira, audiófilos, lá. Afinal, eles sabem que essas condições são as que melhor reproduzem essas gravações, então naturalmente são as melhores condições na qual ouví-las e avaliá-las. É ‘nivelar por cima’.

Portanto, as salas de controle e monitoramento dos estúdios não são as melhores referências em matéria de qualidade sonora. E isso me lembrou luminares do mercado audiófilo dizendo o quanto tal e tal equipamento os faz sentir como se estivessem sentados logo atrás do engenheiro de gravação, ouvindo-os! Eu não quero um sistema que soe assim! É o mesmo que querer dar a entender que tal torta de maçã é a melhor, porque faz a pessoa se sentir como se estivesse comendo a marca tal de doce de maçã em lata: não é essa a Referência em gosto de maçã, amigo.

A Referência é a própria maçã, escolhida fresca e no ponto certo, recém colhida e mordida (para experimentar e saber que está no ponto) – e aí extrapolamos como ela seria feita em forma de torta de maçã pela vovó!

“Soa como o músico tinha a intenção que soasse”

Esse caso é ‘outros quinhentos’, e com suas próprias complicações. E bastante errôneo, também.

A interferência do músico no processo de captação, gravação e mixagem, é mais quanto à forma musical do que outra coisa qualquer – e a banda de rock brigando, durante a mixagem, para que cada um tenha o seu instrumento em destaque e peso desejados…rs… Mas nenhum desses geralmente está ouvindo a gravação e reclamando do timbre alterado por excesso de processamento e efeitos, da quantidade de compressão, do equilíbrio tonal, da separação entre os instrumentos, da inteligibilidade, da profundidade de palco, dos transientes, das texturas…

A maioria esmagadora dos músicos que eu conheço – e eu conheço muitos deles – não podiam ser ‘menos’ audiófilos. Aliás, eu diria que 99.99% deles são qualquer coisa menos audiófilos. Qualidade sonora não é seu forte, e não é o que enxergam na música. A maioria, inclusive, ouvia música em um microsystem Aiwa comprado nas Casas Bahia.

Isso é um caso que soa muito estranho para a maioria das pessoas, pois é contraintuitivo: imagina-se sempre o músico como ‘o bastião’ da defesa da qualidade de som – e não poderia estar mais longe. E a minha busca pela explicação para tal, é algo que ocupa meus pensamentos há anos.

Aqui a analogia com comida não funciona, porque enquanto que a comida gourmet é totalmente ligada a seu resultado final em questão a sabores e texturas – em uma relação Qualitativa – para provocar reações emocionais, a música provoca reações emocionais por sua forma, pela melodia, harmonia e arranjo, pela ação e reação entre os músicos. E nada disso tem a ver com ela soar perfeita e ‘Real’ em seu sistema de alto nível audiófilo com equilíbrio tonal, texturas, etc.

E mesmo assim, todo músico que ouve seu trabalho em um sistema audiófilo de boa qualidade, é um músico ‘convertido’ ao nosso caro hobby. Porque eles logo de cara ouvem, percebem e apreciam, aprendem a apreciar. Acho que deveríamos fazer uma cruzada para trazer cada vez mais músicos para a audiofilia!

Portanto, dizer que o músico tinha uma ‘Intenção’ de Qualidade Sonora quando gravou um disco, é uma afirmação que é, na maioria das vezes, errônea e irreal. Quando audiófilos usam essa afirmativa, estão geralmente pondo o músico como responsável por algo que não costuma ser sua prioridade sonora.

Se não usar a desculpa da Sala de Gravação & Monitoramento, ou a desculpa da Intenção do Músico, o que daria certo neste caso, então, para os audiófilos?

Usar o som do instrumento e do acontecimento musical real, presencialmente percebido, como Referência. E por que eu sei que não está rolando, em muitos casos? Porque ouço, em casas de audiófilos, em showrooms e em eventos, pianos soando como se seus martelos estivessem batendo em copos de requeijão, e ouço violinos que parecem que estão matando um gato bêbado. Metais que soam como buzinas de carro, violões que soam como arame de varal de roupas.

Penso que talvez sejam gravações ruins – porque elas existem, e de monte – e vou ouví-las em um sistema bom, e o piano parece um piano de verdade, e o violino, igualmente. A mesma coisa com os metais, e com o violão. Portanto, essas pessoas, e muitos dos que ouviram esses sistemas ruins acima, não têm a menor ideia de como soam esses instrumentos, e não têm ideia de que esses sistemas estão tocando péssimos, irritantes e errados. Tortos.

Acabo não entendendo para quê gastar dinheiro e se dedicar ao hobby, para ter um resultado inferior.

E, amigos, quando um piano soa como um piano de verdade, um violino soa como um violino de verdade, uma percussão soa como uma percussão de verdade, certamente um disco de música eletrônica também soará com muito melhor qualidade tímbrica e, portanto, Qualidade Sonora.

E por isso que, quando entro em uma sala ou showroom, e está tocando uma gravação ruim cuja qualidade sonora nada tem a ver com a realidade, não tenho como saber se aquilo é um bom sistema, saber o que está sendo mascarado e distorcido. E se não tenho como saber se um sistema cuja razão da existência é prover qualidade sonora, está provendo qualidade sonora – então tem algo de muito errado nesse processo.

Estamos vivendo em um mundo ‘audiófilo’ que está tentando validar a ideia de que, além de você poder ouvir aquilo que quiser, mal gravado ou não (e eu acho que deve!), esses discos e gravações também seriam ‘válidas’ para avaliação de equipamentos e ajuste de sistemas. E isso é tão errôneo que, aqui vai mais uma analogia com comida, para que isso seja entendido de uma vez por todas: ‘Não se faz comida boa com ingrediente ruim’, não adianta querer usar salsicha e creme de leite de caixinha para querer fazer a receita de estrogonofe gourmet do Czar de todas as Rússias.

Ao entrar, em um hi-fi show, na sala de um fabricante ou distribuidor, e estiver tocando um disco ruim porque o mundo resolveu que é necessário dar validação à ele e seu gênero, entenda que você não estará tendo a menor ideia das Qualidades Sonoras daquele equipamento – e não, você não conseguirá extrapolar na maioria das vezes, e pode ser enganado mesmo assim, se tentar. E ninguém quer comprar equipamento de som hi-end por status – todo mundo quer qualidade de som (em um aparente paradoxo).

Bom outono a todos!

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