Christian Pruks
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“Pouco se inova no áudio high-end”? Ou será que as inovações são mais invisíveis e menos impactantes tecnologicamente, e mais voltadas à qualidade sonora?
Sempre me ocorre a questão de como avançou, de verdade, o áudio, quando eu vejo alguma reportagem ou documentário – geralmente no YouTube – sobre futurismo em geral (nas previsões sobre o futuro tecnológico, não no movimento de artes plásticas). E o quanto esse futurismo erra praticamente sempre, parecendo uma extensão de filmes de ficção científica. Como um que, em 79, dizia que em 1999 teríamos uma colônia completa na Lua. Ou outro que mostrava um 2001 onde teríamos colonizado várias áreas de nosso sistema solar, e quando arrumaríamos encrenca em Júpiter com alienígenas.
Claro que existiu o reverso desse ‘futurismo’ errôneo, onde gênios da indústria declararam para quem quisesse ouvir que o carro jamais vingaria sobre os cavalos, ou que o xerox era desnecessário porque “não se faz cópia de documento”. Ou mesmo uma criatura ‘iluminada’ que ocupava a direção de uma das maiores empresas de computadores do mundo, na década de 70, que declarou que uma pessoa normal jamais iria querer ter um computador em sua casa, que não teria utilidade nenhuma. E todos esses ‘gênios’ sempre ganharam melhor do que eu…rs… Gente que levou ‘tapinha nas costas’ por ter visão estreita e falar besteiras incríveis!
O mercado ‘consumer’ faz avanços tecnológicos parecerem não só charmosos, como necessários – mas, nem sempre o são. E esse é o mercado ávido por tecnologia, o que sai implantando, adquirindo e usando, todas tecnologias que aparecem, em todas as áreas.
Esse mercado, só no áudio, teve nos últimos tempos: conexão sem fio Bluetooth em sistemas de som e em fones de ouvido. Teve reprodução de arquivos de áudio e, logo, serviços de streaming de música. Tem uma infinidade de dispositivos portáteis, tanto para fones de ouvido como caixas de som ativas. Tem processamento de som no âmbito digital através de DSPs que permitem equalização, efeitos de som, crossover ativo com precisão, e muito mais. Tem cancelamento ativo de ruído nos fones de ouvido. Tem sistemas de som surround e 3D Audio também por processamento digital, como o Dolby Atmos. Amplificação digital Classe D que ocupa muito menos espaço e consome muito menos energia, permitindo dispositivos portáteis e fones de ouvido sem fio do tamanho de uma bola de gude, com bateria inclusa que dura uma quantidade de horas. Alto-falantes pequenos que aguentam alta potência, provendo volumes de som altos com respostas de frequência cada vez mais baixas nos graves, ou seja, com uma eficiência cada vez maior! E por aí vai.
Mas por que essas tecnologias não filtram para o Áudio Hi-End?
O ‘porquê’ é fácil: a maioria delas não amadureceu o suficiente para prover qualidade de som. E poucas estão agora começando a chegar em um estágio interessante.
E, entendam: Audiofilia, o Hi-End, é sobre Qualidade de Som – não sobre status, não sobre avanços tecnológicos simplesmente ‘por avançar’. Tanto que, na nossa área, ainda se usa toca-discos de vinil, fita de rolo magnética, amplificação transistorizada e valvulada, caixas não-amplificadas com crossover passivo e alto-falantes dinâmicos com ímã, bobina e diafragma, entre outras tecnologias ‘obsoletas’. E tudo isso, ‘aparentemente’ não difere do que era 40 ou 50 anos atrás – ou mais!
AS TECNOLOGIAS INVISÍVEIS DO ÁUDIO HI-END
Cabos é um bom exemplo – e não estou falando só de cabos especiais para áudio, caríssimos. Estou falando do avanço no tratamento dos metais e na fabricação dos fios, da qualidade do cobre. E isso atinge praticamente todos os equipamentos de áudio. Fiação de braço de toca-discos, por exemplo, hoje é muitas vezes melhor do que a que equipava o mesmo tipo de aparelho 20 anos atrás – para não falar o que vinha em toca-discos das décadas de 70 e 80. Se aplica a todos os aparelhos e caixas acústicas, também, pois todos têm fios dentro.
Toca-discos de vinil parecem a mesma coisa, certo? Há anos que vários fabricantes têm estudado e experimentado, e pesquisado, sobre materiais diferentes e suas ressonâncias, e mistura de materiais nas bases, braços, pratos – para não dizer suspensão, precisão na construção dos braços e seus rolamentos, e na dissipação de vibrações. E, neste capítulo, inclui-se a pureza do metal das bobinas, o amortecimento do corpo e as suspensões das cápsulas modernas, e também seus cantilevers.
E as fitas magnéticas de rolo? Esse é um caso que precisa de um comentário especial, já que durante toda a era do estéreo – do meio da década de 50 em diante – até a virada para a década de 80, todas as gravações de discos originaram-se de master em fita magnética de rolo. Era um formato voltado para o uso profissional que, se bem reproduzido, com um bom deck, é superior, claro, aos melhores discos de vinil desse mesmo período. E era um formato muito caro para usar em toda sua plenitude em sistemas de som, por exemplo. E, claro, todos temos CDs e vinis que foram originados de fitas master magnéticas de rolo analógico, gravações desde o final da década de 50 que são maravilhosas até hoje em sua qualidade sonora. A partir da década de 80, cada vez mais gravações passaram a ser em digital, mas os gravadores de rolo para uso profissional continuaram a ser usados até a década de 2000! E, em gravações especializadas, principalmente de selos audiófilos, os rolos ainda são usados. Esse formato retornou ao restrito mercado ultra-hi-end na última década, com aparelhos facilmente chegando a 20 mil dólares (no exterior) e fitas pré-gravadas, tiradas direto das master – de gravações modernas inclusive – chegando a 300 ou 500 dólares!
Mas como a tecnologia evoluiu em amplificadores transistorizados e valvulados? Claro que ainda usamos circuitos com capacitores, resistores, diodos, etc. A questão é que esses todos evoluíram imensamente nas últimas décadas – assim como próprio projeto das placas de circuito, o tal ‘caminho de sinal mais curto’, a interferência de umas partes do circuito em outras, etc. Isso tudo é, hoje, de melhor qualidade, mesmo. Até a preocupação com ressonância dos gabinetes, com vibrações nas placas de circuito, faz diferença. E tudo somado, faz mais diferença ainda.
Fala-se, há décadas, da maior precisão no corte do crossover quando este é ativo. E é ainda mais preciso o corte se esse for feito por DSP no domínio digital. Mas as caixas continuam usando crossovers passivos, em sua maioria, e tocando enormemente melhor que caixas de 20 anos atrás! A questão é que tudo que faz parte de uma caixa acústica, evoluiu: o tipo e a forma de usar revestimento interno melhoraram, assim como o uso de fiação interna de qualidade e tipo que rivalizam bons cabos de caixa, e nem precisa falar da qualidade dos diafragmas, bobinas e conjuntos magnéticos dos alto-falantes. Claro que há, também, a questão dos materiais com os quais são feitos os gabinetes, com mistura de materiais de ressonâncias diferentes, com gabinetes mais pesados e mais grossos, com vários tipos diferentes de câmaras internas e uso de travamentos. Há também componentes do divisor de frequência: capacitores, indutores e resistores muito superiores aos de décadas passadas. Cada pequena coisa foi descoberta e melhorada – cada detalhe – faz sua contribuição à qualidade de som.
ALGUMAS TECNOLOGIAS MODERNAS ESTÃO FILTRANDO
Demorou muitos anos da existência do transistor, na década de 60, para o mesmo resultar em amplificadores comparáveis em qualidade sonora aos valvulados – e não falo do tipo de sonoridade ‘preferível’ por muitos, como a maciez e o aveludado da válvula, e sim falo de qualidade sonora. Já a partir do fim da década já existiam grandes amplificadores transistorizados.
Ou seja, algumas tecnologias filtram – e chegam lá.
Bluetooth ainda é, apenas marginalmente próximo do necessário – na maioria esmagadora das vezes – mas eu acho que chegará lá também, tanto em fones como em sistemas de som. Fones de ouvido que tenham os dois tipos de conexão, porém, tanto com fio como por Bluetooth, ainda tocam bastante melhor com fio.
Reprodução de arquivos de áudio digitais, e o próprio streaming, já chegaram à audiofilia – principalmente o primeiro, que é bem superior em qualidade sonora ao streaming. A questão aqui é basicamente a de que o streaming precisa melhorar ainda mais – e vai. Em sistemas audiófilos de entrada, e muitos dos intermediários, o som do streaming já é de um nível que pode se firmar como fonte digital principal.
Os dispositivos portáteis – como caixas acústicas Bluetooth – estão melhorando, e logo alguns deles terão qualidade para cumprir sua função decentemente, como fonte alternativa de música na vida de muitos audiófilos. E eu acredito que a razão disso é a melhora exponencial da amplificação classe D, assim como um uso mais criterioso do processamento por DSPs.
A amplificação digital classe D, a famigerada, está melhorando ao ponto de um amplificador integrado classe D de entrada, de metade do preço de um transistorizado classe AB, se equiparar a ele em qualidade com facilidade. E hoje todos os dispositivos portáteis usam classe D – assim como todos os aparelhos de pequena dimensão, como soundbars e afins – graças aos avanços desse tipo de amplificação.
A audiofilia já tem excelentes caixas acústicas ativas, de várias marcas, que substituem para muitos um sistema de entrada, por causa de seus preços e de suas dimensões reduzidas. Hoje já existe até um amplificador de boa qualidade sonora, que tem dimensões de um maço de cigarros, que se conecta (aos pares) direto nos bornes de qualquer caixa acústica do mercado, e é controlado por um celular, tablet ou notebook – fazendo um sistema de som simples, espartano e decente com quaisquer caixas acústicas que estiverem encostadas no quartinho dos fundos, ociosas. Claro que há, também, caixas acústicas bastante complexas, grandes e caras, que são amplificadas e com crossover ativo, e com performances muito boas – de uma série de fabricantes grandes e conhecidos do mercado hi-end. Caixas ativas de qualidade são caminho sem volta.
Ou seja, coisas interessantes e ‘modernas’ estão acontecendo no áudio! rs…
Porém, outras tecnologias são mais complicadas, em sua concepção, para poderem prover qualidade sonora real. O cancelamento ativo de ruído, por exemplo, só será relevante para a audiofilia quando o Bluetooth tiver qualidade hi-end, e quando os amplificadores internos hiper-miniaturizados do fones de ouvido sem fio também tiverem chegado lá. Tem chão. E se tem uma tecnologia que eu não acredito que chegará ao áudio de real qualidade sonora, é o tal do 3D Audio – pois sua alteração (e estrago) do conteúdo musical, dos timbres, do equilíbrio tonal, da fase, etc, é grande demais, e meio que não tem muita saída para essa situação.
O deslumbramento tecnológico com dispositivos e recursos que impressionam, e que são bem óbvios, pode nos fazer deixar de enxergar o quanto avançamos na audiofilia naquilo que é a base de tudo: qualidade sonora!