Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br
Existe hoje um cenário, meio despropositado, onde o tamanho interesse no disco de vinil, no LP – no Primeiro Mundo – levou as grandes gravadoras, com cifrões nos olhos, à comprarem toda a produção das prensas de vinil terceirizadas, em vez de investirem em equipamento de prensagem eles mesmos. Ou seja, os selos pequenos e independentes foram pegos com as calças arriadas – não tem como ter discos de vinil para seus clientes este ano, só lá para o meio de 2023. Eu conheço alguns selos cujo ganha-pão, a razão da existência, era a comercialização de pequenas tiragens de LPs de artistas de nicho – e esses estão fechando as portas.
Já há algum tempo, percebi a impossibilidade de manter meu ‘vício’ – aham! – meu ‘gosto’ por adquirir vinis, devido a seus preços, já que é um produto que se tornou caro lá fora, cujo dólar altíssimo o torna ainda mais proibitivo, e que aqui ainda tem frete, imposto de importação escorchante, e lucro do importador/revendedor local. Por um breve momento, achei que era um problema que só eu estava tendo… até que começaram a chegar ao meu ouvido algumas histórias…
Primeiro um amigo passou a ‘gastar’ todas as cápsulas e agulhas antigas que tem guardado, devido ao preço proibitivo de se comprar boas cápsulas e boas agulhas de reposição hoje em dia (mesmos motivos do vinil importado zero km). Chegou em um ponto, para um grupo de pessoas, onde a questão não é ainda a de não se ter o dinheiro para comprar agulhas de alta qualidade, e sim a questão é: existem prioridades com esse mesmo dinheiro! Detalhe: esse amigo praticamente só ouve analógico, e tem uma coleção extensa. Ele também está tendo dificuldades de expandir sua coleção, pelos preços de discos novos de artistas novos, e pelo preço de discos usados de boa qualidade (boas prensagens, importados usados de várias estirpes). Esse amigo também cogita rever a longa coleção de LPs dele, e começar a se desfazer de parte dela para comprar títulos mais interessantes, prensagens melhores – diminuir suas prateleiras. Vender a mesa de jantar de seis lugares, para comprar uma de quatro lugares de melhor qualidade.
Outro conhecido foi mais radical. Com família, filhos, tendo que trabalhar o dobro para ganhar metade (segundo ele), seu sistema de caixas enormes hi-end, com pré de phono, pré de linha e power monoblocos valvulados, toca-discos com dois braços, numerosas cápsulas, DACs, transporte, streamer, rack, prateleiras, cabos, e tudo o mais, estará sendo vendido. Ele fez um downsizing para um amplificador integrado, um par de caixas menores – mais fácil de usar em vários tamanhos de ambiente, com apenas o notebook dele como transporte e um DAC USB ligando o mesmo ao integrado. E toca-discos? Nunca mais. Suponho que ele irá vender também sua coleção de vinis – que é umas seis vezes maior que a minha…
O motivo, segundo ele, é múltiplo. Primeiro: os equipamentos perdem valor – é um bocado de grana gasta – e manter upgrades em dia exige uma dedicação e um gasto de dinheiro que ele não pode fazer. Segundo: cabos, acessórios, racks, condicionadores, etc etc, tudo custa também muito dinheiro. Terceiro: comprar discos, para quem já tem uma coleção bastante compreensiva, tornou-se um esporte caríssimo, onde alguns vinis novos estão chegando, no Brasil, a preços perto de 1000 reais! Palavras dele: “Não dá pra gastar isso com um disco! Quero ouvir música, prover de melhor para a minha família, e penso até mudar-me para o interior”.
E ainda mais um: com um sistema vintage e um sistema atualizado hi-end – em salas diferentes – ele vendeu o sistema hi-end, melhorou os cabos e o amplificador do sistema vintage, e comprou um bom fone de ouvido, para audições mais críticas. Com isso, sua economia familiar será sanada, e poderá continuar ouvindo música com um mínimo de prazer. Ele se dá por contente em ouvir sua coleção de vinis antigos, e consumir novos títulos e artistas através dos serviços de streaming de música.
Prioridades são prioridades. Uma parte do mundo anda assustadora para muitos de nós, e a realidade bate à porta, ferozmente. Compreendo cada um deles, e me identifico tanto com os problemas como com as atitudes tomadas para resolvê-los.
A Audiofilia é uma grande novela: alguns são novos no hobby e estão expandindo, outros estão saindo, outros florescendo, outros definhando. Muitos se adaptando. Mas, posso dizer que eu nunca tinha visto uma mídia de ‘alta-qualidade’ de música se tornar ‘mundialmente popular’ e ‘de nicho’ ao mesmo tempo – isso eu não tinha visto, não.
Bom abril, e boas audições – não importa a mídia, mas importa a música!