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Christian Pruks
christian@clubedoaudio.com.br

Talvez seja o meu gosto por ‘Power-Trios’ – principalmente os de rock progressivo, ou mesmo de outras vertentes parecidas do rock – que me leve a ter, entre os meus preferidos tipos de jazz, o Jazz Trio, que é composto usualmente um baixo acústico, um piano e uma bateria. Também é chamado de Piano Trio – mas eu prefiro me referir ao mesmo como Jazz Trio simplesmente porque eu procuro conjuntos e obras que não sejam centrados no piano e não usem os outros dois como banda de apoio.

O Jazz Trio me pareceu sempre ter uma certa obrigação de ‘fazer bonito’, de mostrar serviço. Um tipo semelhante, em outro gênero musical, é o quarteto de cordas. Conversando com vários membros de quartetos de cordas, eles sempre me disseram o quanto seus instrumentos e suas interpretações e técnicas (e seus erros e fracassos) ficam em evidência, tanto em apresentações ao vivo, quanto em gravações. O motivo é fácil de entender: cada um dos membros está sob um holofote e não ‘diluído’ dentro de uma orquestra.

Por que eu digo isso? Porque o trabalho do baixista e do baterista de um jazz trio tradicional muitas vezes é o de acompanhar o pianista Fulano de Tal, em seu ‘Fulano de Tal Trio’, em vez de brilharem por si próprios. Claro que alguns acompanhantes desse gênero são excelentes, ou mesmo os arranjos e composições desses trios tradicionais são tão brilhantes musicalmente que os mesmos terão sempre cadeira cativa na história da música.

A questão, para mim, sempre foi a de ‘Inovação’ versus ‘Tradição’. Não me entendam mal: eu tenho na minha discoteca e ouço com alguma frequência várias grandes gravações de jazz das décadas de 50 à 70. Se eu quero ouvir um jazz trio tradicional, eu pego uma dessas gravações e ouço. Acontece que eu gosto de coisas novas, de evoluções musicais, gosto de pessoas que fazem diferente do que veio antes. O mundo e a música são fluídos, portanto eu gosto de ver um baterista fazendo um trabalho mais complexo em um jazz trio, gosto de ver o baixista solar mais e brincar mais. E foi buscando um desses exemplos de jazz trio mais ‘ligado ao fato do mundo girar’ que eu fui achar o jazz trio europeu Phronesis.

Entre os discos aqui sugeridos este mês, na sequência temos também um exemplo de jazz tradicional com uma mulher ‘bandleader’ e, depois, um roqueiro virtuoso de mão-cheia pagando seus respeitos ao blues.

Vamos à eles:

Phronesis – Alive (Edition Records, 2010)

O primeiro CD que eu selecionei para o repertório deste mês foi este aqui. Eu, na verdade, lembrei de um ou outro trabalho interessante de jazz trio que saísse fora do usual, que trouxesse algo renovado, e pensei “não é possível, deve existir um certo número de trios de jazz modernos que não façam ‘mais do mesmo’”.

Isso me levou à uma busca longa de artigos sobre o assunto, de opiniões em fóruns, e de longas audições no YouTube – e que resultaram em vários trios me fazendo pegar no sono com o fone no ouvido… Mas, o cenário não é tão ruim assim, e existem trios com inovações interessantes e instigantes na linguagem e na habilidade.

Um dos primeiros que me interessaram ao ponto de ouvir o disco de cabo a rabo, sempre com a atenção na música e na performance, foi o disco ao vivo – aptamente intitulado Alive – do trio de jazz dinamarquês Phronesis.

Vale notar, logo de cara, que esse trio tem nome próprio, e não algo como ‘Sicrano da Silva Trio’, ou ‘Nome de Algum Pianista Trio’ – por favor, perdoem-me o meu mau humor pré festas de fim de ano…

Seguindo o meu raciocínio sobre jazz trios, chama a atenção também, no trabalho do Phronesis, a extensa participação de todos os integrantes, com solos e linhas complexas do contrabaixo e, principalmente – o que me deixou mais interessado – um complexo e detalhado trabalho de pratos e de aro do baterista. Gostaria muito de ver o vídeo deste disco! (Eu sempre tenho a impressão, nesse tipo de trabalho, que os membros estão se divertindo pacas – e fazendo questão disso!).

Criado em 2005 pelo baixista dinamarquês Jasper Høiby (taí porque o baixo tem tanta participação!), o Phronesis tinha, então, uma formação que contava com um pianista sueco chamado Magnus Hjorth – o qual foi substituído em 2009 pelo atual pianista, o britânico Ivo Neame. O baterista da formação original/oficial da banda é o norueguês Anton Eger que, por motivos não detalhados, teve que se ausentar da banda brevemente – e esse período incluiu a feitura do disco em questão. Para tal, foi chamado o baterista americano Mark Guiliana – que, em vários momentos do disco toca como um possesso (e isso foi um elogio – porque até a platéia vem abaixo nesses momentos).

Por acaso agora lembrei-me de um amigo músico que falava que os discos de estúdio de solistas ou bandas é que costumavam concorrer à premiação ou consideração como ‘melhor disco’ do dito artista ou banda – que os discos ao vivo não eram considerados. Eu sempre achei isso contra-intuitivo, e demorei anos para entender o motivo: quem era premiado pelo ‘melhor disco’ era o produtor! Por que eu levantei esse assunto agora? Porque esse disco do Phronesis é um disco gravado ao vivo. Eu, como não sigo essas convenções de mercado, sempre ouvi as gravações ao vivo com muito carinho – elas sempre, para mim, mostravam se a interação entre os músicos funciona ou não. As boas bandas, grupos, trios, orquestras, etc, sempre foram resultado do trabalho interativo entre seus membros – como a química e o diálogo em um casamento! Portanto, duvido que um disco de estúdio do Phronesis expresse melhor seu trabalho como trio do que este aqui, intitulado Alive (palavra que, em inglês, tem um significado mais de ‘estar vivo’ do que o costumeiro ‘ao vivo’, se é que compreendem a nuance).

Phronesis

A palavra phronesis, do grego antigo, tem um significado que gira entre “sabedoria” e “inteligência”. Em português: frônese, é uma palavra que origina-se na Ética Aristotélica, distinguindo-se de outras palavras que significam “sabedoria” por ser a virtude do pensamento prático, traduzindo-se, então, melhor como “sabedoria prática”. Baita título para uma banda, não?

O líder da empreitada – cujo rosto, aliás, aparece na capa do disco – é o baixista dinamarquês Jasper Høiby. Considerado um virtuoso do instrumento em seu país, Høiby estudou na Royal Academy of Music em Londres e tem uma longa discografia de participações, e um nome bem estabelecido no cenário jazzístico de Londres.

O baterista deste disco – apesar de ser o único dele com a banda – merece grande destaque. Na minha opinião, claro! Mark Guiliana tem também um excelente histórico, tendo tocado com luminares do jazz atual como Avishai Cohen, Brad Mehldau, David Bowie, Dhafer Youssef, entre outros. (Nota mental: escutar mais trabalhos do baterista Mark Guiliana).

O pianista Ivo Neame faz seu trabalho na banda com competência, mas não tem a mesma ‘raça’ que o baterista e o baixista. Neame vem de uma família de músicos e é compositor e professor de piano para jazz na Guildhall School of Music and Drama, em Londres, além de, também, ter uma longa discografia de participações em gravações de jazz.

É um disco interessante, bem gravado, que traz um ar diferente e mais moderno ao tão afamado jazz trio.

Destaque para as faixas French e Abraham’s New Gift.

Pode ser encontrado em: CD / Sites de Streaming selecionados

Ouça a Faixa ‘Abraham’s New Gift’

Jazzmeia Horn – Love & Liberation (Concord Jazz, 2019)

A bela Jazzmeia Horn – que tem jazz até no nome – é negra, e soa maravilhosamente negra! Para mim isso dá uma energia, um ritmo, nuances e espírito especiais à qualquer jazz. Ela tem um jeito, uma leveza em sua interpretação, entonação, articulação e um swingue que te deixa sorrindo ao ouví-la cantar, e com certeza de que ela está sorrindo também – como na foto aqui desta matéria.

Bandleader, compositora, intérprete, nascida há 28 anos em Dallas, Texas, Jazzmeia é neta de um pastor batista e começou cantando spirituals e hinos no côro da igreja – aliás, foi a avó, fanática de jazz, que lhe nomeou Jazzmeia, nome inventado por ela. O passo seguinte, como adolescente, a separou de suas raízes gospel e jazz e viu Jazzmeia cantando rock – inclusive covers da banda Nirvana – em uma banda de garagem em Dallas.

Ela reconectou-se ao jazz influenciada por seu professor de música, na escola, que lhe apresentou o trabalho de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan e Carmen McRae – cantoras que visualizou que tinham tudo a ver com ela. Isso mudou totalmente seu caminho musical e, segundo seu professor, em poucos meses já estava cantando jazz como se o fizesse há décadas!

Jazzmeia Horn

Mudou-se logo para Nova York, onde conseguiu uma bolsa de estudos para estudar música na New School, em Manhattan – onde existe uma cena musical jazz que valorizou a voz e o talento de Jazzmeia. Em 2015 ganhou a prestigiadíssima Thelonious Monk International Jazz Competition, o que lhe garantiu um contrato de gravação com o selo Concord Jazz e o lançamento de seu primeiro disco, de standards, A Social Call, em 2017.

O disco lhe trouxe uma indicação ao Grammy de Melhor Disco de Jazz Vocal – que eu espero que seja a primeira de muitas. Aliás, diz-se que Jazzmeia recebeu a notícia da nomeação para o Grammy às seis horas da manhã, no hotel onde estava hospedada, e logo saiu gritando tanto que acabou acordando boa parte dos hóspedes do hotel!

Seu segundo disco é Love & Liberation – destaque aqui da matéria – onde a cantora e compositora ousou ao libertar-se da usual carreira baseada em um repertório de standards de jazz. Love & Liberation traz 8 das 12 faixas de autoria própria de Jazzmeia – e me chamou a atenção exatamente por ter uma personalidade, por ser autoral, por ter um tempero próprio.

Com voz potente e bonita, Jazzmeia Horn evoca um quê de Billie Holiday em suas entonações – sem copiar, sem soar falsa – e traz Ella Fitzgerald em suas articulações rápidas e claras, fáceis para ela como se estivesse brincando. Fecha o pacote da voz de Jazzmeia um ‘toque de seda’ da cantora pop nigeriana Sade.

Alguns críticos do cenário musical americano reclamaram da atual falta de valorização do jazz tradicional – e do trabalho de Jazzmeia Horn – nos EUA, fora do circuito de Nova York, por exemplo. Mas a divulgação e a indicação ao Grammy trouxeram celebridade internacional à cantora, e ela tem se apresentado bastante na Europa e na Ásia – inclusive na China, onde a cantora foi advertida a não falar sobre política, mas teve suas apresentações lotadas de ávidos fãs de jazz chineses.

Segundo Jazzmeia, seu próximo passo é distanciar-se um pouco do jazz tradicional – “temporariamente”, ela faz questão de salientar – e para isso cita como inspirações Bobby McFerrin, Erykah Badu e Stevie Wonder.

Destaque para as faixas Free Your Mind, Out the Window, e When I Say, particularmente interessantes.

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Ouça a Faixa ‘When I Say’

Joe Satriani (Relativity, 1995)

Joe Satriani é um dos grandes mestres da guitarra de rock de todos os tempos. Faço essa afirmação sem a menor parcimônia, pois sua virtuosidade e excelência são amplamente conhecidas. Agora, existe um porém: nem todos seus trabalhos são para o gosto de todos – e mesmo seu estilo ‘pirotécnico’ não agrada nem todos os fãs de rock mais pesado, quanto mais agradaria todos os fãs de música.

É fácil – pelo menos para mim – peneirar sua considerável discografia atrás de seus numerosos belíssimos momentos de guitarra de rock instrumental, sendo alguns até imensamente líricos.

O que, acho, muita gente não contava, era que ele fizesse, em 1995, um álbum sem título – que leva somente seus nome: Joe Satriani – cuja maior parte do conteúdo entrega um intimismo praticamente inédito em sua obra, e um trabalho de blues altamente competente.

Passado o impacto positivo inicial ao ouvir o disco (e olha que a capa não entrega nada), não chega a surpreender que, pela natureza da música – que leva bem menos pedais de efeitos e overdubs de estúdio – o disco é muito bem gravado, e que Satriani optou por usar músicos de apoio extremamente dignos de nota, e diferentes do que ele usa normalmente.

Por exemplo, nove das doze faixas têm como baterista o francês Manu Katché, que foi da banda do Peter Gabriel em uma de suas melhores épocas, e é conhecido por seu trabalho jazzístico com CDs lançados pela gravadora alemã ECM, além de ter tocado com gente ‘razoavelmente’ conhecida do rock, world music e jazz, como Jeff Beck, Al Di Meola, Tears for Fears, Dire Straits, Joni Mitchell, Jan Garbarek, Richard Wright, Ryuichi Sakamoto e Sting. Ufa!

Em dez das faixas, o guitarrista base, de apoio, é Andy Fairweather Low. Seu nome não é muito conhecido, assim, de ‘bate-e-pronto’, mas como músico de estúdio e de banda de apoio de turnês (além de vários discos solo), Low tem trabalhado há cinquenta anos no ramo, em bandas como a de Eric Clapton (incluindo seus trabalhos acústicos), discos e turnês solo de Roger Waters, Linda Ronstadt, Emmylou Harris e George Harrison.

Completando o quadro principal, está o conhecido baixista americano Nathan East, em nove das faixas. East foi o fundador do quarteto de jazz contemporâneo Fourplay (que grava pelo selo Verve) mas, além disso, tem uma ampla carreira como participante de discos e bandas de apoio de uma longa série de luminares, como George Harrison, Ringo Starr, Phil Collins, Herbie Hancock, Anita Baker, Eric Clapton, Steve Winwood, Michael Jackson, Al Jarreau, Elton John, Quincy Jones, Earth Wind & Fire , B.B. King, Sting, Barry White e Stevie Wonder. Mais um que não manda currículo impresso senão gasta muito papel. O interessante sobre Nathan East é que ele também, frequentemente, contribui como compositor ou co-compositor. Um desses casos é a célebre faixa Easy Lover, que trilhou as rádios e MTVs da vida na década de 80, com a dupla Phil Collins e Philip Bailey (este membro do Earth Wind & Fire – e nada de estranho, já que a seção de metais dos discos solo do Phil Collins sempre foi feita pela seção de metais do Earth Wind & Fire).

Joe Satriani

Do lado hard rock e rock pesado – e pirotécnico – de Joe Satriani, é preciso lembrar-se de seu trabalho como professor de guitarra, sendo que entre seus alunos mais conhecidos está o igualmente pirotécnico Steve Vai, Kirk Hammett (do conhecido Metallica) e Alex Skolnick (da banda de heavy metal Testament, entre outras). Uma vez ouvi um fã do Steve Vai dizer que ele era o melhor guitarrista do mundo – no que eu respondi: “imagina quem ensinou ele, então!”. Com 15 indicações ao Grammy, Satriani consta como o quarto músico mais indicado na história da premiação.

O primeiro disco de Joe Satriani é o Not of This Earth, de 1986. Está longe de constar entre os meus preferidos dele – apesar de ser tocado com uma técnica fenomenal – mas ele traz uma curiosidade que eu nunca mais esqueci: no encarte há um texto de próprio punho do artista, falando sobre a produção e gravação do disco. O que eu acho interessante é que ele fala, com uma certa modéstia, que “você deve estar se perguntando de onde veio esse Joe Satriani”, e diz que já tocava guitarra profissionalmente há 16 anos antes de resolver fazer esse primeiro CD. Isso sempre me deixou pensando nos vários sucessos efêmeros que aparecem do dia para noite – e desaparecem da noite para o dia – e o quão duradoura é a carreira de um músico de primeira linha como Satriani.

Completando o quadro do disco aqui analisado, não se pode deixar de falar do produtor do mesmo, o inglês Glyn Johns. Além de dizer que ele produziu e/ou foi engenheiro de som de músicos como os Rolling Stones, The Who, Jimi Hendrix, The Band, Eric Clapton e muitos, muitos outros, fala-se por aí que ele tem uma predileção pela gravação de bateria, por exemplo, com não mais do que dois ou três microfones, fazendo uma captação limpa e procurando uma perspectiva natural do instrumento. Pode muito bem ter sido a contribuição de Johns a este disco que resultou em sua boa qualidade de som.

Destaque para as belas Cool #9, Down Down Down, e Slow Down Blues.

Pode ser encontrado em: CD / Sites de Streaming selecionados.

Ouça a Faixa ‘Down Down Down’

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