Opinião: AMPLIANDO NOSSA PERCEPÇÃO DE EQUILÍBRIO TONAL PARA DOIS INSTRUMENTOS

Teste 2: TOCA-DISCOS THORENS TD 550
março 11, 2020
Teste 1: AMPLIFICADOR INTEGRADO NAGRA CLASSIC INT
março 11, 2020


Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Voltando ao combinado, nesta edição como o prometido veremos quatro gravações primorosas com dois instrumentos, na tentativa de ajudar você, leitor interessado, a ampliar seu acervo de gravações para análise do equilíbrio tonal de seu sistema, ou de componentes isolados.

Espero que tanto os exemplos de gravação de pianos, como os de Textura, no mês passado, tenham sido de enorme valia. Pela repercussão e o número expressivo de e-mails que recebemos, a maioria aprovou tanto as dicas como as gravações.

Para esta edição, separei quatro discos que uso há muitos anos, tanto para fechar a nota de produtos em teste, como também os levo em minhas consultorias por todo este Brasil. Muitos ingenuamente podem imaginar que um duo de instrumentos seja ‘pera doce’ para sistemas ditos hi-end. Não se enganem, meus amigos, pois essas quatro gravações podem revelar ‘meticulosamente’ o grau em que seus sistemas realmente se encontram. Como diria um amigo músico: “Capaz de causar calvície em cavanhaque”.

A primeira, a que mais admiro, não será fácil de encontrar, pois quando prestei consultoria para a gravadora Movieplay nos anos 90, esta foi uma das gravações que indiquei do selo JVC Entertainment para ser lançada no Brasil. Depois de muitas reuniões, ficou decidido que lançaríamos 1000 cópias, e estas seriam divulgadas pelo Clube do Áudio e vendidas com desconto para os leitores da Revista.

A gravação é tão primorosa e a interpretação de tamanha virtuosidade, que ainda hoje impressiona em um sistema com um equilíbrio tonal excelente. Achar este disco nos sebos é uma tarefa para lá de inglória – então, aos interessados, minha sugestão é comprar direto no Japão. A última vez que um leitor conseguiu, ele me disse que pagou, com frete, 28 dólares. Se querem minha opinião, vale a pena, pois a interpretação da jovem Yoko Hasegawa (que na época tinha apenas 23 anos) é de tirar o fôlego. Trata-se de dois concertos de enorme dificuldade técnica e cheios de armadilhas para o cellista. E depois de tantos anos ouvindo este CD, já não sei dizer qual dos concertos mais me emociona, se a Sonata para Cello e Piano em Sol menor Op.19 de Rachmaninov, ou a Sonata para Cello e Piano em Ré menor Op.40 de Shostakovich.

Lembro-me, no final do primeiro ano da revista (1996), de ter comprado 100 CDs desta obra e presenteado todos os anunciantes e os 20 primeiros associados ao Clube do Áudio. Na minha cabeça, seria uma forma de agradecer a parceria e o reconhecimento de nosso esforço e trabalho e, para minha surpresa, apenas dois parceiros comerciais agradeceram a lembrança e comentaram a beleza técnica e artística do disco! Os outros, que ligaram ‘educadamente’, fizeram críticas à qualidade técnica, dizendo ser uma gravação ‘estranha’, feita muito próxima do instrumento, com muito ruído de arco e levando a ter que ficar alterando o volume o tempo todo!

Confesso que fiquei muito surpreso ao perceber que se tratava de um disco capaz de opiniões tão antagônicas. Foi a ‘deixa’ para colocar este CD na minha lista de discos para avaliação de Equilíbrio Tonal e Textura, desde então. É realmente uma gravação que não se consegue um meio termo, ou passa com méritos, ou escancara todas as deficiências do sistema em termos de Equilíbrio Tonal. As duas obras trabalham e exigem do instrumento solo virtuosidade plena, mas o piano também não se comporta como um mero acompanhante do instrumento solo – trata-se realmente de um duo, em que ambos se revezam no tema e no acompanhamento. Não é uma gravação ‘café com leite’ para nenhum engenheiro, pois ele será ‘intimado’ a exercitar todo seu conhecimento na escolha dos microfones, distância entre os instrumentos, posicionamento de ambos na sala de gravação (principalmente se for em uma sala de concerto e não em um estúdio) e, por fim, conseguir na mixagem o recorte, foco, planos e ambiência corretos, pois ambos os instrumentos necessitam de imenso respiro, para transmitir a intensa carga emocional que ambas as obras carregam.

Tenho diversas gravações destas duas obras, com solistas renomados, e nenhuma outra que tenho conseguiu ênfase em todos os aspectos aqui citados, sem perda de algo essencial.

Umas gravações, para dar a intimidade que o duo necessita, os coloca próximos demais, comprometendo a inteligibilidade quando ambos instrumentos estão tocando na região médio-grave. Outros engenheiros fazem a opção por um maior distanciamento dos músicos, com isto ganham o respiro necessário, mas perdem a tensão emocional intencionalmente imaginada pelos compositores. E muitas das gravações destas duas obras pecam pela escolha malfeita dos microfones, que tendem a deixar o corpo do cello do mesmo tamanho do piano.

Talvez você leitor, que nos conheceu recentemente, deva estar se perguntando: é possível realmente escutar todas essas diferenças entre as inúmeras gravações de um mesmo tema? Sim, meu amigo, não só é possível como todo equipamento hi-end, para fazer jus à esta denominação e ao preço que custa, tem obrigação de mostrar. E se não fizer, não fique assustado, com a jugular explodindo, e o anfitrião de um caríssimo sistema, vociferando para você que o problema é da gravação e não do seu sistema. Não neste disco. Pois se ele quiser jogar a culpa de soar ruim em seu setup, quando ele ouvir em um sistema correto ele ficará em maus lençóis! Pois é uma gravação que soa esplendorosamente em um sistema à altura desta gravação.

Não há desconforto algum, com agudos espirrando ou falta de inteligibilidade. É uma das gravações que, quando eu toco nos Cursos de Percepção Auditiva, a sala fica absolutamente em silêncio, saboreando tamanha complexidade, virtuosidade e musicalidade. Alguns chegam a suspirar ou bater palmas, como se estivéssemos a ver e ouvir os músicos. Já tive alunos que, ao final do Curso (na maioria jovens), chegam à mim e confessam que estas audições os levaram a querer conhecer a música clássica, gênero que até então jamais os tinha cativado. Este é o poder desta gravação.

Portanto, se acharem na internet para comprar, se sintam felizardos, pois é daquelas gravações que vocês ouvirão por toda a vida. Mas, preparem-se para também criar inimigos, pois como escrevi acima, sua capacidade de expor as ‘vísceras’ de um sistema é enorme. O ideal é que, para conhecer o disco todo, o ouvinte passe todas as faixas no decibelímetro, e os picos não passem de 87 dB. A média da gravação é em torno de 60 dB nos pianíssimos a
87 dB nos fortíssimos. Se o sistema tiver um excelente equilíbrio tonal e enorme folga, é possível deixar os fortíssimos chegarem a 89 dB, acima disto é um exagero absoluto, e extrapola o volume da própria gravação.

É um disco excelente para avaliação de todo o espectro audível do Equilíbrio Tonal. Lembre-se: nada deverá soar duro, agressivo ou brilhante nos agudos.

Yoko Hasegawa

Outro CD que adoro levar em minhas consultorias (este bem mais recente) é o Gismontipascoal, do André Mehmari e Hamilton de Holanda. Um disco de dois virtuoses tocando obras de outros dois gênios da música instrumental brasileira. Este você não terá que saber falar japonês ou mergulhar no mar morto para conseguir. Basta entrar em contato através do site www.andremehmari.com.br, e adquirir seu exemplar (aproveita e já compra também o que indiquei na edição passada, para Textura) e garantir um natal com duas gravações excepcionais, artística e tecnicamente.

Parece um disco fácil de tocar até em um 3-em-1 vintage, mas não se iluda pois em termos de Equilíbrio Tonal, ele está cheio de ‘armadilhas’ para qualquer sistema hi-end. Trata-se de outra gravação que, quando tocada em um sistema com Equilíbrio Tonal correto e folga, soa divinamente. Mas, se não estiver correto, sobram agudos duros na última oitava da mão direita, os graves também na última oitava da mão esquerda, e a inteligibilidade do duo quando ‘conversam’ (principalmente) na região média, fica comprometida. É um disco tão rico em detalhes que, se o Equilíbrio Tonal não estiver correto, se perde muito do encanto, intencionalidade e virtuosidade.

A primeira reação que escuto, quando toco este CD em minhas consultorias, e o sistema está ‘torto’, é: “Essa gravação não ajuda muito, né?”. Entretanto, quando o sistema está ajustado, já presenciei até esposa parar o que estava fazendo e sentar para ouvir e comentar, ao final, para o marido comprar este CD, pois ela gostou muito! Minha experiência em tantos anos nesta estrada é a seguinte: música complexa e bem executada, em um sistema à altura artística e tecnicamente, abre a mente e a disposição em ouvir estilos musicais que antes jamais chamaram atenção. Não estou afirmando que um sistema hi-end bem ajustado o fará admirar e sentar para ouvir Penderecki, mas sua disposição em ouvir música clássica e outros estilos irá ampliar, acredite.

O contrário também é totalmente válido. Como ouvir música complexa em um sistema caríssimo, incapaz de tocar corretamente apenas duos? Não dá. Sistemas incorretos só levam audiófilos a expurgar toda a sua coleção de discos e selecionar uma dúzia de trechos de gravações que seu sistema reproduz, e passam a vida acreditando que só aquelas gravações estão à altura do seu investimento.

Então, se você está galgando agora os primeiros degraus deste hobby, não cometa este erro. Busque sempre a objetividade – e quando falo em objetividade estou falando em não cair na armadilha de que equipamentos hi-end não foram feitos para tocar gravações limitadas tecnicamente. Isto é balela, de quem entrou em um labirinto e não consegue sair. Então cria todo tipo de desculpa para poder conviver com sua própria incapacidade.

O que um sistema hi-end correto faz é demonstrar o nível que cada gravação se encontra tecnicamente. Assim, quanto melhor tecnicamente, maior prazer auditivo. Mas não ‘censura’ ou se nega a tocar aquele disco que você tanto gosta artisticamente, mas que tecnicamente deixa à desejar. Se você aceitar as limitações e seu sistema tiver folga, você não irá excluir nenhum disco.

Outra gravação exuberante é a das sonatas de Prokofiev para violino e piano. Gravação lançada em 1995 pela London, e que tenho desde o lançamento. Outro osso duro para avaliação de Equilíbrio Tonal, principalmente para avaliação de agudo. Meu amigo, já toquei em sistemas que minha vontade era pular pela janela quando o violino está na última oitava, no mais agudo. Alguns sistemas de milhares de dólares, que se mostraram incapazes de reproduzir decentemente esta última oitava, tanto do violino como do piano. Em um sistema correto, nenhum dos dois instrumentos soam brilhantes ou endurecidos. O som é extremamente extenso, com decaimentos perfeitos e uma captação de ambiência excelente, mas não agridem nunca o nosso ouvido.

No começo, apanhei muito nas consultorias pois o cara havia me contratado, e eu ali com ele, avaliando o seu sistema, e colocando só gravações de qualidade ‘duvidosa’ tecnicamente. Muitos não acreditaram que pudesse ajudá-los. Aí, eu inverti o processo: só fecho a consultoria depois do cliente vir a nossa sala e ouvir comigo todos os discos que irei levar à sala dele. E faço questão de mostrar a capa do disco, a faixa do disco, o volume que estamos escutando e enfatizo todos os detalhes que preciso que ele escute e assimile. Resultado: ficou muito mais fácil e objetivo mostrar para o cliente as diferenças entre o que ele ouviu na nossa Sala de Referência e o que estamos ouvindo em sua sala! Agora ele não duvida mais da qualidade dos discos que ouço para entender os problemas de acústica, elétrica e setup. Pois ele ouviu como essas gravações soam em um sistema, elétrica e acústica corretos. Vivendo e aprendendo, diria minha mãe!

Para finalizar, outro disco pedreira para qualquer sistema: a violinista Leila Josefowicz (com apenas 19 anos quando gravou este disco), acompanhado do pianista John Novacek. Em um repertório bastante eclético e de níveis de complexidade distintos. Temos Manuel de Falla, Olivier Messiaen, Edvard Grieg e Bela Bartok. Gravações Philips de música clássica, sempre tiveram altos e baixos. Algumas estupendas e outras abaixo da média. Esta é uma das estupendas!

O que sempre admirei nas gravações que deram certo da Philips, foi a capacidade do engenheiro não querer reinventar a roda, aplicando corretamente o manual de gravação e deixando com os músicos o papel de brilharem. Então, quando acertaram a mão, essas gravações soam com um equilíbrio tonal e uma naturalidade impressionantes. É possível perceber o potencial ‘bruto’ da jovem violinista e o quanto ela se sentiu à vontade com um repertório tão variado e exigente. Não são muitos solistas que encaram, em sua primeira gravação, tamanho desafio. Geralmente as gravadoras optavam por um repertório mais ‘fechado’, para o disco de estreia dos grandes talentos. Leila Josefowicz já saiu ‘quebrando tudo’, como os músicos falam quando descobrem um talento raro. E esta jovem nos mostrou que estava à altura de tamanho desafio.

Um disco artisticamente denso, pois o duo anda no fio da navalha o tempo todo. E foi um grande acerto o produtor escalar para este duo um pianista já com uma sólida carreira e bem mais velho que a violinista. Como sempre digo: é o tipo de gravação que não faz nenhum sistema refém. Ou passa, ou sucumbe. Uma dica importante: use novamente o decibelímetro e mantenha os fortíssimos em 88 dB, no máximo. Se o sistema estiver correto tonalmente, e tiver folga, o prazer em ouvir este CD será pleno e com zero de fadiga auditiva. Mas se tiver um pelo em pé, o Equilíbrio Tonal desanda, e desanda feio, com agudos duros, brilhantes e a última oitava da mão direita do piano soará como vidro.

Muito me perguntam como é o piano soar como vidro? Simples: não se esqueça que o piano é um instrumento percussivo e as notas soam através de um martelo acionado pelas teclas, e que este martelo possui um feltro na ponta. Este feltro é essencial para que as notas, quando percutidas por este martelo, não soem duras e agressivas. Óbvio que, nas notas mais agudas, o ataque tem uma velocidade e um decaimento muito, muito rápido. E isto dificulta percebermos o feltro como percebemos na região média do piano ou nos graves. Mas, ainda assim, se pedires para um pianista passar a última oitava para você ouvir, ou se você mesmo dedilhar, perceberá que esta oitava do piano não soa como vidro. Tem o feltro a deixar o som menos agressivo e brilhante. No entanto, dependendo do que o compositor pedir, o pianista pode ter que aplicar mais força nesta nota tão aguda, aí – e somente nesta circunstância – será bem mais difícil perceber o feltro do martelo. Mas se trata de uma situação muito excepcional. Na esmagadora maioria, esta última oitava não soa agressiva e nem tampouco com ‘som de vidro’.

Espero que pelo menos um desses discos você adquira, amigo leitor, pois eles são referências seguras para a busca do Equilíbrio Tonal correto do seu sistema.

Mês que vem é a Edição Melhores do Ano, então teremos uma pausa nesta seção. Mas em março voltamos com gravações com mais instrumentos para o ajuste de Equilíbrio Tonal, Dinâmica e Corpo Harmônico.

Desejo a todos uma ótima passagem de ano, com muita saúde e amor.

Faixa 01
Faixa 02
Faixa 03
Faixa 04
Faixa 05
Faixa 06
Faixa 07
Faixa 08

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *