Espaço Aberto: REGA QUEEN EDITION: TRANSFORMANDO UM ENTRY-LEVEL EM COISA SÉRIA

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Poucas vezes nos nossos 23 anos, esta seção teve um convidado. Essas exceções ocorreram por uma causa justa.

Nosso novo colaborador internacional (pois ele mora na Holanda há muitos anos), fará sua estreia na revista contando um pouco da sua ‘saga’ ao refazer um toca-discos Rega Queen Edição Especial integralmente, deixando apenas a bandeja original do toca-discos.

Acompanhei de longe, etapa por etapa, e o resultado ficou tão impressionante (pelo o que ele relatou), que achei que seria útil para inúmeros de nossos leitores que adoram realizar seus próprios upgrades (principalmente agora com a crise que estamos vivendo).

Tenho certeza que muitos irão se inspirar nas dicas dadas pelo Tarso Calixto.

Seja bem-vindo meu amigo e que essa seja a primeira de muitas matérias feitas no velho continente.

Tarso Calixto

Quem é esse cara? Prezado leitor, talvez ajude se eu contar um pouco da minha história com áudio, em vez de começar diretamente com o artigo. Minha vocação é em engenharia e arquitetura, resumidamente sou daqueles que gostam de construir, testar, experimentar, e observar os resultados dos experimentos. Geralmente, antes de me envolver com um projeto, tenho a disciplina de estudar e aprender sobre o assunto em questão, fazendo o esforço para ao menos compreender os princípios básicos.

Música faz parte da minha vida desde cedo, lembro claramente do meu Pai sempre escutando o Porgy and Bess com a Leontyne Price, canções da Edith Piaf, Oscar Peterson, Dizzy Gillespie, e Stephane Grappelli. Naquela época eu, por outro lado, gostava de um estilo de música mais carnal, rítmica, começando com trilhas sonoras de filmes, música eletrônica, e acabando por enveredar na Dance Music tocada em clubes e casas noturnas. Meu grupo de amigos tinha um gosto eclético, e dependendo da casa onde realizávamos, o sarau o estilo era diferente. Um deles tinha uma aparelhagem sensacional, sofisticada: foi na casa dele que vi e escutei um CD-Player pela primeira vez, as caixas acústicas eram quase da minha altura (Gradiente Concert I) com um lindo tampo de vidro e ribbon tweeters. O outro amigo tinha dois sistemas, um no quarto dele e outro que pertencia ao pai, ambos muito interessantes. Na casa desses amigos, de vez em quando haviam upgrades, um novo amplificador, novas caixas acústicas, e constante experimentos com novas cápsulas e agulhas.

E havia os saraus na minha casa. Lá também haviam dois sistemas, ambos seriamente limitados: na sala havia um Gradiente System 95, e no quarto havia um receiver Philips 22RH781 conectado a um toca-discos da Garrard automático de três velocidades, que utilizava uma agulha de cerâmica, tudo conectado por cabos DIN, e não RCA. A limitação era tanta que a única coisa interessante que fazíamos era escutar faixas de discos 33-1/3 em 78 rotações por farra e dar umas boas risadas. Lá em casa a aparelhagem era usada até quebrar, não havia o hábito de comprar e experimentar com aparelhos de som.

Graças à esses amigos, tomei o gosto de experimentar com aparelhagem de som e comecei a construir um sistema mais interessante, passando por marcas como CCE, Cygnus, Gradiente, Pioneer, Sony e Technics. Produtos bem mais articulados do que o meu Philips de antes.

O Recomeço e a Ajuda

Em 2016 ocorreu o meu retorno ao áudio, especificamente com aspirações e ênfase no interesse de reaprender a escutar música, associado à utilização de produtos e soluções do nicho Hi-End. Estava claro que a minha realidade financeira, e o pouco conhecimento no assunto, eram limitações para serem resolvidas. Como a maioria dos leitores e praticantes, comecei a estudar, pesquisar e fazer experimentos. Primeiramente procurei por uma referência de como descrever música sem ser músico, e principalmente, sem utilizar uma terminologia subjetiva e vaga. Algumas fontes de informação ajudaram, como o glossário de descrição de som da Head-Fi, e também vídeos sobre o assunto. A grande dificuldade foi encontrar uma referência que reduzisse a subjetividade quando descrevendo som e ajudasse a descrever música de uma forma objetiva, articulando sobre as características e nuances da melhor forma possível.

Com esse recomeço tive o privilégio de contar com a ajuda e a orientação de três indivíduos que tiveram um papel fundamental e marcante: o Ulisses Faggi e o Juan Lourenço da Sunrise Lab, e o editor dessa revista, o ‘gentleman’ do Hi-End no Brasil, o senhor Fernando Andrette. Graças a eles, tive a base necessária que me habilitou a compreender a lógica, e começar a criar modelos mentais de como eu poderia modificar e melhorar os componentes do meu sistema. Este artigo descreve o processo e o raciocínio utilizado para implementar upgrades no toca-discos Rega Queen Edition, transformando de um modelo entry-level em um aparelho com uma excelente musicalidade.

Ponto de Partida e Primeiros Passos

Em junho de 2015 a Rega, em parceria com o grupo de rock Queen, lançou uma edição comemorativa supervisionada pelo grupo. Comparado com a linha atual, o toca-discos é semelhante ao Planar 1 – essencialmente um aparelho razoável em design e implementação.

As especificações do Rega Queen Edition, quando lançado eram:
• Base com acabamento preto piano com o logo do grupo Queen
• Braço RB101 feito à mão
• Fiação standard com plugs RCA de plástico
• Cápsula moving magnet Rega Carbon
• Motor síncrono de baixa vibração com torque optimizado com pinhão de resina
• Sub-prato de resina
• Prato de resina com o logo impresso
• Pés de borracha

Encontrei esse aparelho em oferta online no primeiro semestre 2017, após uma breve consulta com o pessoal da Sunrise Lab, fiz o pedido. Depois da espera de alguns dias, recebi o produto, lacrado em sua caixa original e com todos os floreios. Ao desempacotar, imediatamente comecei a notar as melhorias em potencial.

A cápsula Carbon foi o primeiro item a ser considerado. O desempenho deste componente era suficiente para fazer o aparelho funcionar, mas de forma alguma serviria para escutar discos com algum nível de fidelidade. Logo, esse foi o primeiro upgrade: a substituição desta por uma Ortofon 2M Bronze Moving Magnet. A melhora foi imediata, mas eu sabia que havia uma melhoria adicional a ser feita: os plugs RCA de plástico. Sem hesitação, instalei plugs RCA de cobre e banhados à ródio, da Gaofei, uma marca chinesa com um nível razoável de fabricação. Depois do amaciamento, a melhora era notável e o aparelho já estava melhor que o original. Eu já estava sorrindo.

A Desconstrução e a Reavaliação

O novo ano trouxe um período de várias modificações no toca-discos. Logo no início comecei a procurar por kits de upgrades originais para aparelhos Rega. Encontrei dois fáceis de implementar e não muito caros, substituindo o sub-prato por um de aço inoxidável e o prato de resina (com o logo) por um feito à mão de MDF com acabamento em resina. Adicionalmente, modifiquei os pés do toca-discos com sapatas de aço. A intenção era começar o acerto da precisão tonal e adereçar a questão da redução de vibrações espúrias na base do toca-discos.

Adquiri também um tapete de cortiça para o prato, juntamente com um peso de discos de 290 gramas da Pathe Wings, uma marca alemã. Essa leva de upgrades refinou o aparelho, fazendo com que o som se tornasse mais encorpado, e com a dinâmica mais abrangente.

Passados alguns meses, e depois de uma breve consulta com o Ulisses, descrevi a ele o que eu já havia feito e perguntei o que mais eu poderia considerar para melhorar o aparelho. A resposta foi simples e imediata: “Vamos trocar o braço”, disse ele. Decidimos pelo RB800, pois na época o RB2000 era inacessível e financeiramente proibitivo. Em seguida, fui à Sunrise Lab para visitar e com o braço ainda na caixa, à tiracolo. Ao chegar lá este foi completamente reconstruído e melhorado: a fiação toda foi removida e substituída com tecnologia Magic Scope da Sunrise Lab, e plugs da Furutech. O braço não era mais original – com o tratamento Sunrise Lab este tornou-se uma peça única.

Ao voltar da visita, com o braço pronto para instalar, comecei a trabalhar. Mas havia um problema: a altura da base no braço não era igual ao antigo RB101, e não havia peças originais disponíveis para fazer o ajuste. A situação exigiu a construção de peças dedicadas para essa instalação: usando tubulação de aço inoxidável, construí as buchas para elevar o RB800 na altura necessária, e após algumas tentativas as buchas estavam prontas e o braço foi finalmente instalado.

Ainda usando a Ortofon 2M Bronze, ao experimentar com um disco, qual não foi a minha surpresa: tudo estava “grande”. Imaginem, o corpo que já estava amplo tornou-se ainda mais abrangente, a dinâmica de frequências claramente discerníveis, e o som atribuído de transparência.

Amaciando e Afinando

Até esse ponto, as modificações alteraram o aparelho e elevaram vários níveis de grandeza de musicalidade em relação ao Rega Queen Edition original: cápsula, braço, sub-prato, prato e pés. Durante um ano apreciei o quanto as músicas revelavam detalhes enquanto eu as escutava. Ainda assim, eu tinha a impressão de que alguma forma, de algum jeito, melhorias eram possíveis. Eu só não tinha ainda o quê – momentos para reflexão.

Passado mais um ano, e em visita a Sunrise Lab, decidi que o momento de passar para a topologia Moving Coil havia chegado. Fora com a Ortofon 2M Bronze, e que entre a Ortofon Quintet Bronze. De imediato, e novamente, a resolução do toca-discos aumentou: a nova cápsula melhorou o detalhamento. Decidi também acertar a base do toca-discos, utilizando placas de chumbo usados para isolamento de lajes, combinados com acabamento anti-vibratório, adicionando lastro na área inferior. Esse upgrade modificou a ressonância da base e reduziu a ocorrência de vibrações mecânicas no decorrer da superfície. Depois do amaciamento, o som que estava bem resolvido tornou-se mais detalhado.

Alguns meses depois, me encontrei mais uma vez procurando por melhorias para considerar. Curiosamente, nada me chamava atenção, até que um dia li um artigo sobre um empresa inglesa chamada The Funk Firm, que tinha lançado um novo design de pés para toca-discos – Bo!ng – usando as antigas técnicas de suspensão de toca-discos antigos: molas em cisalhamento, cada um dos pés é composto por um cilindro de alumínio acoplado por molas a um pequeno disco interno. O ajuste relativo de peso envolve o uso de quantidades variáveis de molas, a quantidade mínima é de três e a máxima é de nove.

Ao receber o conjunto dos pés, notei que o kit de montagem exigia uma intervenção inaceitável na base: as instruções indicavam que enormes furos deveriam ser feitos para encaixar buchas para os novos parafusos. Ora, meu interesse era manter a furação original sem comprometer a base. Resolvi, então, que o método de instalação seria redesenhado. Usando tubos de aço e anéis de borracha, construí hastes que acoplariam os cilindros à base do toca-discos. O resultado manteve o design original de cisalhamento sem comprometer a base. Depois de alguns experimentos, decidi usar seis molas nos pés da frente e nove no pé de trás.

Pouco depois, o momento de melhorar a transmissão chegou: fora com o motor original, e entra o upgrade original da Rega de 24V, alto desempenho, com interface de controle e uma nova correia. Não passou uma semana, chegou o controlador digital de velocidade (Neo). Esses upgrades solidificaram todos os outros, e houve uma convergência de melhoramentos. O toca-discos atingiu um nível de maturidade que nunca escutei antes. A essa altura ficou claro que, se novas melhorias ocorressem, a necessidade de considerá-las cuidadosamente seria imprescindível. O aparelho havia chegado à um tal ponto de desempenho que mudanças adversas poderiam comprometer a musicalidade. Resolvi então acalmar e desfrutar da música.

O Último Ato

Passados mais seis meses, comecei a notar uma certa defasagem na dinâmica, especificamente nas frequências altas. Decidi que era cisma e segui escutando minhas músicas. Um dia, ao falar ao telefone com o Ulisses e o Juan, perguntei a eles se eles haviam notado se a Ortofon Quintet tinha uma característica mais suave na faixa de altas frequências, ou se era impressão minha. Eles confirmaram, eles haviam notado o mesmo no sistema da Sunrise Lab. De imediato perguntei o que fazer, então. Eu sabia que passar à linha Cadenza da Ortofon não estava nos meus planos, afinal eu já havia usado duas cápsulas na mesma marca. Aí o Juan me perguntou: “Qual som você está procurando atingir?”. Respondi, então: “Não quero ficar trocando toda hora. Entretanto, não posso evitar de notar essa diferença no que estou escutando”. Aí veio mais uma pergunta: “Você quer manter ou melhorar o detalhamento da Quintet, mas com mais corpo harmônico?”. Me senti como ele estivesse lendo a minha mente, respondi: “Exatamente! Existe alguma coisa assim?”. E ele: “Fácil, você precisa instalar a Benz, Benz-Micro”.

Nunca havia ouvido esse nome antes, resolvi procurar e estudar as possibilidades. Decidi pelo modelo chamado Wood Body S – a cápsula essencialmente é uma Benz Micro Glider S Moving Coil encapsulada num corpo de madeira. O diamante da agulha é tão pequeno que necessito uma lupa para enxergá-lo. Ao instalar essa cápsula, o impacto foi tão grande que tive que confirmar os resultados varias vezes. Eu estava incrédulo, o som que o toca-discos reproduzia era simplesmente espetacular. Telefonei e escrevi para agradece ao Juan e, depois, ao Fernando pelas orientações. Nunca na minha vida imaginei que um dia teria um toca-discos na minha sala com tal nível de musicalidade.

Finalmente, neste ano, ainda havia a suspeita que algo mais restava a ser melhorado para ser considerado: o prato de MDF resinado. Após uma breve consulta com o Ulisses, resolvi usar um Delta Device da Tizo Acrylic, de acrílico usinado nas exatas dimensões do Rega. Esse é um tipo de upgrade que, se não funcionasse, seria fácil de reverter. Sem muitas expectativas, escutei um disco para testar o novo prato – e que surpresa foi a minha, o upgrade consolidou todas as melhorias que o aparelho sofreu no decorrer dos últimos três anos: a musicalidade, o corpo harmônico, o palco sonoro, a transparência, e o detalhamento são incríveis, e ao mesmo tempo estarrecedores.

Retrospectivamente, a única parte original do toca-discos é a base. Todo o resto foi substituído, modificado e melhorado. O Rega Queen Edition tornou-se algo muito além do que foi originalmente desenhado.

As especificações do Rega Queen Edition agora são:
• Base com acabamento preto piano com o logo do grupo Queen com lastro de chumbo e material anti-vibratório
• Braço Rega RB800, com fiação Sunrise Lab Magic Scope e plugs RCA Furutech
• Cápsula Moving Coil Benz-Micro Wood Body S
• Motor síncrono de baixa vibração com torque optimizado com controlador digital e pinhão de aço
• Sub-prato de aço
• Prato de acrilico
• Pés modificados Bo!ng da The Funk Firm

Sistemas de Referência e Notas Finais:

Além de música ao vivo, minha referência de sistemas de áudio são duas: o showroom da Sunrise Lab e a Sala de Testes da Audio Vídeo Magazine. Sem essas, e sem as orientações dos profissionais dessas empresas, esses upgrades jamais teriam ocorrido.

O que me ocorreu, no decorrer desses upgrades, é que a transformação do Rega Queen Edition foi gradativa – a cada passo tive a oportunidade de apreciar cada melhora, aprender como escutar e analisar música, e me divertir à beça durante todo processo. Não há nada mais gratificante do que experimentar e observar os resultados imediatos num sistema de áudio customizado por suas próprias mãos.

Eu gostaria de terminar esse artigo com a esperança de inspirar ao leitor de se aventurar e atrever a experimentar, inventar e construir. Creio piamente que os hobbystas desse nicho têm um alto nível de sensibilidade com um alto grau de criatividade. Agradeço a sua atenção desde já, e se há algum pormenor dos upgrades que necessite explicações adicionais, fico à disposição.

1 Comments

  1. Lucas disse:

    Parabéns pelo artigo!
    Eu tenho exatamente o mesmo modelo e gostaria de experimentar outra cápsula, mas ele não tem ajuste de anti-skating. Como você fez para regular?

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