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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

CINCO LPS QUE ESTÃO COMIGO HÁ MUITO TEMPO.

Muitos leitores frequentemente perguntam sobre LPs que poderiam ajudá-los no ajuste de seu setup analógico. Então separei cinco discos que acredito serem mais fáceis de achar em sebos (usados) ou comprar novos, já que muitos deles ainda são vendidos em 180 gramas em versões de 33 e 45 RPM.

Já ouço a chiadeira de que essas “versões limitadas” custam o olho da cara (e com o dólar acima de 5 reais, complicou ainda mais) Se serve de conforto, são gravações artisticamente essenciais!

Porém, antes de saírem gastando seu suado dinheiro em versões limitadas e audiófilas, sugiro ouvirem em streaming se são gravações que agradam ao seu gosto, ok?
Dois discos deste mês, somente em sebos, infelizmente. Um você encontrará em prensagem nacional (Astor Piazzolla) e incrivelmente bem prensado. Já o do John McLaughlin (Shakti) apenas importado.

Começo com um dos meus LPs de cabeceira: o Bill Evans Trio – Waltz for Debby, gravado ao vivo no Village Vanguard em 25 de Junho de 1961. Com Bill Evans no piano, Scott LaFaro no
contrabaixo e Paul Motian na bateria. O engenheiro de gravação foi o lendário Dave Jones, que foi profundamente feliz na captação, pois em um bom sistema é possível sentir a atmosfera daquela noite inesquecível. Foi sem dúvida o melhor trio que Bill Evans teve, e o grupo tocava com tamanha graciosidade e prazer, que é preciso ouvir diversas vezes cada faixa para absorver a virtuosidade dos três! Eles literalmente estão se divertindo sem prestar atenção em um público por vezes mal educado, com conversas paralelas, barulhos de pratos e copos. Mas basta a primeira nota para o ouvinte se abster de todo o resto, e se concentrar naquele momento, felizmente registrado para a posteridade. Se você não conhece a razão de todo o crítico de jazz colocar o contrabaixista Scott LaFaro entre os melhores baixista de jazz de todos os tempos (que infelizmente morreu prematuramente em um acidente de carro), ouça seu solo na faixa que dá nome ao disco – Waltz for Debby. Você imediatamente entenderá o motivo, pois a leveza e a precisão de tempo que ele impõe aos seus solos são simplesmente magníficas! As notas são limpas, independente da complexidade dos seus solos. Este é um disco que vale o investimento em um 180 gramas, e pode ajudá-lo a entender as qualidades e deficiências de seu setup analógico.

O segundo LP desta lista está comigo desde outubro de 1976, quando o ganhei de presente de aniversário do irmão de minha namorada na época, que havia estado em Toronto e, sabendo da minha paixão por jazz, quis me fazer uma grande surpresa. Lembro em detalhes do cheiro do celofane e da surpresa ao abrir o embrulho e ver que se tratava do LP Insights da pianista Toshiko Akiyoshi e seu marido saxofonista Lew Tabackin com sua Big Band. Gravado no estúdio A da RCA na Califórnia, este foi o disco de estreia do casal e de sua Big Band. Bancado pelo produtor japonês Hiroshi Isaka, e amigo de longa data de Toshiko Akiyoshi dos tempos em que ela gravou pela AR Company do Japão com seu trio, antes de ir morar nos Estados Unidos. Ao se casar com Lew Tabackin, Toshiko lhe contou de um desejo que ainda não havia concretizado, que era contar em uma suíte musical a tragédia que ocorreu no início dos anos 60 na cidade de Minamata. Lew ficou profundamente sensibilizado com o projeto, pois mostraria ao mundo um acidente com mercúrio que matou centenas de pessoas e deformou milhares de fetos, e foi amenizado pelo governo japonês por mais de uma década. Toshiko sabia que só poderia produzir essa sua ideia fora do seu país natal, e foi aí que Lew conseguiu convencer a RCA a bancar o projeto e convencê-los que a suíte precisaria ser escrita para uma big band, do contrário seria impossível apresentar a tragédia com a dramaticidade necessária. É uma obra prima, amigo leitor! Toshiko consegue expressar de forma magistral todo o processo que desencadeou a tragédia. Não quero dar muitas pistas, pois o meu desejo é que você se interesse em ouvir. Mas darei uma pequena pista, já que a suíte abre mostrando o crescimento de uma cidade, pós guerra, sendo freneticamente desenvolvida e criando a sensação de bem estar e um futuro próspero a toda a comunidade. Brecado por segundos por uma tensão, que logo cessa e volta à normalidade. Até que esta tensão se torna evidente demais para ser amortecida pela metrópole em franco desenvolvimento. Muitos anos depois, consegui uma cópia também ao vivo, gravada no Festival de Jazz de Portland, se não me engano. Meu amigo, o silêncio de dois segundos ao final da obra, antes da apoteose de palmas do público em pé, é de trazer lágrimas a face. Escute Minamata, a obra prima desta genial pianista japonesa.

O terceiro disco me é muito caro emocionalmente, pois não é possível ouvir sem reviver integralmente toda a minha primeira infância e os momentos mais singelos com a família. Já até escrevi sobre ele em um Espaço Aberto, falando de como ele fazia parte dos bailes realizados em nossa casa no início dos anos 60. Belafonte Sings The Blues é, de longe, o disco que mais gosto do Harry Belafonte. O escutei em tantos momentos diferentes, que poderia falar que é uma das trilhas sonora de minha vida. Gravado entre janeiro e março de 1958, em Nova York, Belafonte fez questão de escolher a dedo as 11 faixas com enorme destaque para o compositor e pianista Ray Charles (três faixas), Billie Holiday, Lowell Fulson, Fred Brooks e C.C Carter. É um disco para se ouvir de uma tomada só, para entender a proposta de Belafonte e do produtor Ed Welker: Harry queria dar uma guinada em sua trajetória, cantando e mostrando suas raízes. É um disco que ainda hoje impressiona pela qualidade de captação (principalmente em LP e 45 RPM). Meu amigo, investir nessa prensagem de 180 gramas vale a pena cada centavo, acredite! E será uma ferramenta muito útil para avaliação de corpo harmônico (imbatível em LP), textura, transientes e equilíbrio tonal!

É frustrante para quem gosta, como eu, de Astor Piazzolla, ter tantas obras suas mal gravadas (a maioria infelizmente). Porém esta parece ser a redenção para todas as limitadas. Lembram quando falei de um engenheiro que segue os passos do Professor Keith O. Johnson da Reference Recordings? O engenheiro John Newton! E felizmente foi ele o encarregado, pelo selo Elektra Nonesuch, para gravar este belo disco. A produção foi de Robert Hurwitz, fã de carteirinha de Astor e amigo pessoal de Lalo Schifrin. Robert nos conta que, em um almoço com Lalo em Nova York, sugeriu a ele participar do novo projeto do Piazzolla, que era o Concerto para Bandoneón & Orquestra. Lalo aceitou na hora. Deste casamento surgiu o disco mais bem produzido de Piazzolla para o grupo Warner. E, como escrevi na abertura deste Playlist, é tão bem gravado e mixado, que até a prensagem nacional é bem decente. Claro que se você tiver a sorte de conseguir no sebo uma prensagem importada (dizem que a alemã e americana são as melhores), melhor ainda! O disco é maravilhoso, e se você é fã de Piazzolla, como eu, se sentirá satisfeito por este belo trabalho ter sido gravado pelo engenheiro John Newton. Sorte do Piazzolla, do Lalo Schifrin, e de todos nós!

O quinto, e último disco deste mês, conta parte de minha trajetória musical e minhas buscas por novos estilos e sonoridades na década de 70. Um ímpeto crescente de romper com o passado me levou à incríveis experiências sonoras e descobertas do oriente e do dodecafonismo, e da música étnica de diversas regiões do planeta. Claro que, estudar na Fundação das Artes de São Caetano, com professores incríveis, ajudou muita na expansão de meu gosto musical, mas pela minha natureza sempre inquieta e avessa ao cotidiano, eu teria, ainda que com muito maior esforço e tempo, descoberto sozinho este “universo musical paralelo”. Quando hoje falo para amigos músicos que ouço com enorme prazer Penderecki, eles brincam: “então é você o Frank Zappa”, rs! Eu nunca precisei de uma harmonia ou letra para gostar de música. Para mim, uma nota de um instrumento que nunca tenha escutado pode ter o mesmo efeito que um acorde de Dó Maior bem executado. O que me atrai em qualquer gênero musical é uma ideia bem executada. E se conseguir me surpreender saindo da obviedade, melhor ainda. Eu não ouço música para me alimentar emocionalmente, ouço música da mesma maneira que leio um livro. Eu tenho o maior interesse em saber como o outro vê e sente o mundo, seja pela pintura, pela palavra, pela dança, fotografia, cinema ou música.

Então chegamos, finalmente, em 1977, em um sábado cinzento e chuvoso de junho, nove e meia da manhã, caminhando solitariamente na Rua 7 de abril em direção à loja Brenno Rossi, para iniciar a peregrinação da compra dos discos do mês. Para o leitor ter ideia exata de proporção, ganhava oito salários mínimos da época. Gastava dois salários mínimos com aluguel, água e luz, alimentação e condução. Com escola mais um salário mínimo, e me sobrava cinco salários mínimos para viajar, entretenimento, livros e discos. Comprava uma média de 10 a 20 LPs todo mês (e na época do décimo terceiro salário, investia quase no dobro em discos e livros). Os lojistas do Museu do Disco, Bruno Blois, e Brenno Rossi, me conheciam e abriam um largo sorriso assim que viam eu e a patota entrando na loja. Era uma festa, amigo leitor, acredite. Às vezes saíamos junto com os vendedores da loja, às seis da tarde do sábado. Aprendi a não agir por impulso e olhar com extremo cuidado todos os discos que desejava comprar.

Quando o vendedor me recebeu naquele sábado chuvoso, foi logo avisando que havia chegado uma safra excelente de importados de jazz e clássicos, e que finalmente o disco que estava procurando há semanas estava na lista e ele já havia guardado o meu. Era o Shakti, do guitarrista John McLaughlin com músicos indianos. Nome do disco: A Handful of Beauty. Gravado no Trident Studios, em Londres, em agosto de 1976, John apresentaria ao mundo o violinista hindu L. Shankar, que se tornaria parceiro de John tanto em outros trabalhos do grupo Shakti, como em apresentações ao vivo com a Mahavishnu Orchestra. Foi um divisor de águas, este disco para mim. Pois conhecia e tinha gravações do citarista Ravi Shankar, mas um trabalho que fizesse de forma tão magistral uma ponte entre a música do ocidente e oriente, eu ainda não havia escutado. Tenho hoje ainda comigo dois LPs deste trabalho. O primeiro comprado em junho de 1977, em péssimas condições, e um mais recente adquirido em 1989, se não me engano em perfeito estado. Ouço-o bastante, e já apresentei diversas vezes a faixa 1 – La Danse Du Bonheur, nos Cursos de Percepção Auditiva Nível 3, em que mostramos as diferenças entre CD e LP. A platéia vem abaixo ao ver as diferenças enormes de corpo harmônico, transientes e textura do LP em relação ao CD. E para tornar ainda mais desagradável aos que só conhecem este magnífico trabalho artístico em CD, por algum motivo que desconheço a faixa India (a mais bela faixa do disco em minha opinião), está ceifada no CD. Só tem a apresentação do tema e depois ela foi cortada. Jamais vi tamanho descaso de uma gravadora com uma obra e com o público. Então se quiseres conhecer este disco na íntegra, somente em LP, amigo leitor. Se você garimpar um em bom estado, beba uma taça de vinho, pois tamanho feito merece.

Espero que seja do agrado de vocês algum desses discos.

Se cuidem, sim?

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