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Iiro Rantala e Deutsche Kammerphilharmonie Bremen

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

SELO ALEMÃO ACT MUSIC – No final do século passado, os selos de música de qualidade – os também chamados de selos audiófilos – eram contados nos dedos das duas mãos. Ficávamos esperando a Reference Recordings, Telarc, Sheffield Lab, Chesky, Concord, Proprius, Chandos, Finlandia Records, etc, nos presentearem com gravações que pudéssemos ouvir em nossos sistemas e mostrar aos amigos os avanços conseguidos.

Que audiófilo não fez uso de uma gravação hi end para mostrar seu sistema, que atire a primeira pedra! Felizmente, neste mesmo final de século, inúmeros selos ditos comerciais, também começaram a produzir gravações cada vez mais primorosas, tanto de jazz como de música clássica, o que ajudou a todos que nunca abriram mão da qualidade artística em primeiro lugar, a desfrutar em seus sistemas, gravações memoráveis dos selos Blue Note, Verve, Erato, Decca, ECM, Philips, etc. E a este seleto grupo de excelentes selos, na virada do século, veio se juntar o selo ACT.

Meu primeiro contato com este selo alemão ocorreu em 2008, quando ouvi na sequência dois trabalhos da cantora coreana Youn Sun Nah. Fiquei impressionado como ambas as gravações soavam em todo sistema bem ajustado. Claro que eram gravações com grupos reduzidos, arranjos minimalistas, mas a ausência de compressão, ou equalização, possibilitava audições com enorme conforto auditivo.

Depois ouvi um trio de pianistas alemães em uma gravação ao vivo, de por volta de 2010, e novamente percebi que havia uma “identidade” sonora, que estabelecia um padrão de qualidade em todas as gravações deste selo. Com a dificuldade, nos últimos anos, de se comprar CDs neste país, o acompanhamento se restringiu a mais dois discos apenas – de um trombonista e de um trio piano, baixo e bateria, ambos de 2014.

Tudo mudou com acesso no Tidal a dezenas de gravações deste selo. Daí pude ter uma real dimensão da qualidade primorosa artística e técnica deste selo.

Não fazia a menor ideia do quanto seu catálogo era volumoso, e que reunia tantos músicos de distintas nacionalidades. E o mais importante: muitos músicos jovens, trabalhando com músicos de sólida carreira internacional.
A primeira sensação é que este selo segue a mesma fórmula do selo ECM, que se mantém como o selo de música independente em maior evidência nos últimos 40 anos. À princípio não tenho dúvida que sim, pois a ECM serviu de inspiração para muitos selos menores, mas à medida que fui estudando e conhecendo a fundo o selo ACT, percebi que existem algumas diferenças, como por exemplo gravar repertório clássico com novos arranjos, possibilitando os amantes da música clássica apreciarem aquela obra de forma mais jazzística e despretensiosa. E que em gravações mais antigas, como do final dos anos 90, havia outros gêneros como funk em seu catálogo, como é o caso do CD 5000 Miles do trombonista Nils Landgren e sua banda Funk Unit. Gênero que não me lembro ter sido abordado pelo selo ECM (se estiver errado, por favor, os amantes do selo ECM me corrijam).

Outra questão que é bastante distinta entre os dois selos é na qualidade de captação e mixagem dos trabalhos. O ACT está muito mais próximo de uma gravação audiófila, como a Telarc e Concord, do que uma ECM. O padrão de qualidade técnica é muito criterioso, me levando a ter dificuldade em achar um disco que fosse mal gravado.

Então, meu amigo, se desejas conhecer excelentes gravações artísticas e técnicas, e poder rebater aquele discurso de que estamos vivendo uma fase em que nada de novo se faz em termos de qualidade artística, eis uma boa resposta.

Não poderia começar essa lista sem indicar o Playing Gershwin, do pianista italiano Iiro Rantala, com a Filarmônica de Bremen e regência de Jonathan Bloxham. Sempre que ouço Rhapsody in Blue, a obra mais gravada deste autor americano, sempre disse a mim mesmo: o que poderia dar de errado se ela fosse mais jazzística? E nunca obtive essa resposta. Era uma das obras preferidas do meu pai, então ouvi inúmeras versões nos 18 anos que vivi com ele. O fato é que eu não queria ver essa obra arranjada para uma big band, como fez Gil Evans para a Porgy And Bess Suite, eu queria ver mais “molho” com uma orquestra sinfônica! E finalmente minha curiosidade foi atendida! Primoroso, meu amigo, como Iiro Rantala resolveu a questão sem descaracterizar a obra, e dar um tom jazzista na medida exata sem virar uma caricatura da obra original. Não sei de quem foi a ideia, se do maestro, do Rantala ou do engenheiro de gravação, mas a distribuição da orquestra sinfônica por naipes, como nas big bands, deu o clima perfeito que o arranjo precisava. Assim, todas as cordas ficaram juntas no canal esquerdo, podendo trazer o naipe de metais e madeiras para o centro e dar mais ênfase a caixa, pratos e percussão. Outro momento majestoso é o longo solo de piano antes do encerramento da obra. Iiro Rantala foi muito corajoso, deixando o solo mais solto, quase que improvisado sem retirar uma nota sequer da partitura original. O que ele fez foi trabalhar com a liberdade dos intervalos e acentuação dos acordes. Bravíssimo! Ficarei contente se o amigo curtir essa bela gravação.

O segundo disco é uma obra erudita moderna, do também pianista Leszek Mozdzer e vários músicos convidados, como: Lars Danielsson, Zohar Fresco e o quarteto de cordas Atom. Sente na cadeira, relaxe, e aperte o play e ouça a faixa 1, Etude n.2. É de tirar o fôlego, pois sua mente não terá um momento de sossego com tamanha velocidade na execução das notas, como um efeito cascata sonoro. Depois, tudo se acalma na segunda faixa, Praying para piano e contrabaixo, se tornando novamente instigante na Follow My Backlights, agora com a participação do trio. É um disco que irá testar sua zona de conforto ao limite, e lhe dar uma ideia exata do que temos de mais contemporâneo em termos de música no ocidente. Sei que este não será um disco para todos os leitores, mas certamente os que desejam expandir seu horizonte sonoro, eis uma boa dica. Caso você queira começar pela faixa mais “leve” deste disco, sugiro Africa.

O terceiro disco, também é ao vivo, com um dos meus bateristas favoritos: Manu Katché, que ficou mais conhecido depois de tocar em alguns trabalhos do cantor e compositor Peter Gabriel. O que mais aprecio em sua técnica é sua limpeza, e a essência de que menos é mais. Nada de pirotecnia ou álbuns solos intermináveis e enfadonhos. Pelo contrário, o que prevalece em seus álbuns solo é trabalhar em conjunto com o maior número de músicos possível. Interessante é que Manu Katché tem trabalhos seus também lançados pelo selo ECM, e até por selos menores. Para a ACT, já gravou quatro discos e participou em mais alguns de outros músicos deste selo. Nessa apresentação ao vivo ele está acompanhado de Luca Aquino, Tore Brunborg e Jim Watson. Comece ouvindo a faixa 2 – Shine and Blue, antes de sair explorando todo o disco. Pois nesta faixa você terá uma ideia exata como a bateria de Manu Katché se encaixa sem parecer ser um disco de baterista, e sim de um quarteto de jazz moderno.

Este é outro disco que gosto muito – de Wolfgang Haffner, outro baterista bastante versátil e que também está sempre participando de discos de outros músicos do selo. Kind of Spain é de 2017 tem a participação de excelentes músicos, como do baixista Lars Danielsson e o pianista Simon Oslender, e todo o álbum gira em torno do trio com convidados. A ideia central foram temas da música espanhola e de Astor Piazzolla, em que o ritmo predomina em todas as faixas sem que a melodia fique em segundo plano. Um disco para saborear cada nota, cada compasso e cada alternância de andamento. A captação é excelente, permitindo ouvirmos em detalhes todas as nuances, texturas e intencionalidade.

O último disco deste mês, do selo ACT, é do baixista Lars Danielsson com o trompetista Paolo Fresu. Um duo intimista e minimalista. Notas precisas, intervalos que nos permitem acompanhar os músicos sem pressa, como se estivéssemos ali ao lado de ambos. Não é um disco que agradará a todos (principalmente os que sentem a necessidade de um acompanhamento ou marcação de ritmo). Imagine uma trilha sonora para aqueles seus momentos de devaneio, sonhos, desejos e paz. Se este for seu desejo, este disco será uma companhia muito bem-vinda.

E aqui chegamos nós, ao final deste 2020, um ano que se iniciou cheio de esperanças e sonhos. E que se mostrou o avesso de tudo que poderíamos desejar a nós e nossos entes queridos.

Todos nós desejamos um 2021 melhor, mas precisamos fazer nossa parte. O mundo precisa de pontes e não muros. Espero que este seja o desejo da grande maioria dos nossos leitores.

Até o próximo ano, à todos!

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