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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Fiz um pente fino na minha coleção no Tidal, que no final do ano já estava com mil quatrocentos e trinta e dois discos. E nesta peneira percebi que muitas gravações estavam ali apenas por uma ou duas músicas, o que não fazia o menor sentido para mim.

Com a limpeza, ficaram oitocentos e noventa e sete discos. Gravações que realmente interessam por inúmeros apelos artísticos e técnicos, além de serem gravações que escuto integralmente com enorme interesse e prazer.

Com os meus merecidos vinte dias de férias em janeiro, como estava impossibilitado de viajar pela pandemia, e pela reforma na nossa sala de trabalho, consegui ouvir minha coleção e selecionar uma nova leva de discos para compartilhar com vocês nesta seção.

São gravações que nos dão uma dimensão extra de como existem obras que são obrigatórias independente do gosto pessoal, pois nos mostram, por exemplo, que gravações com qualidade técnica já eram feitas com esmero desde os anos cinquenta do século passado.

Uma delas, inclusive, coloca por terra a defesa da equalização na reprodução eletrônica, assunto que tratei este mês no Opinião. Pois essa gravação é de 1959 e sequer existiam compressores ou equalizadores, e soa magistral, mesmo em streamer (o que dirá em LP!).

Então comecemos por esta gravação o playlist deste mês.

Meu amigo, ouvi tanto este disco em minha infância e início da adolescência, que conheço o repertório de trás para frente. Cada arranjo, cada inflexão, do maior cantor americano de todos os tempos (fato que relutei em concordar com o meu pai, até meus 30 anos de idade, até que a ficha caiu).

Se você não curtiu este estilo, peço apenas que ouça e perceba duas coisas: a qualidade técnica desta gravação, feita no período áureo da Capitol, em um estúdio com uma acústica espetacular, técnicos competentes, o melhor set de artistas brancos e negros da época, e como soam bem em sistemas hi-end!

Era o início das gravações em estéreo, e as limitações de gravadores de apenas três canais exigiam muito dos engenheiros, músicos e arranjadores para soarem com tamanha grandiosidade e beleza. Outro detalhe: também não existiam as câmaras de eco de mola, então toda a reverberação que escutamos vem da captação da excelente acústica do estúdio.

Em fotos da época, é possível ver um Frank Sinatra perdido no meio de paredes gigantes de biombos a sua volta, para conseguir aquele efeito mágico no timbre inconfundível de sua voz. Quando imagino alguém sugerindo que se ouça essas “obras primas” através de um equalizador, sinto arrepios na espinha de tamanha imbecilidade! É como sugerir que estraguemos um prato doce colocando sal, ou vice-versa. Não tem o menor cabimento tamanha insanidade, mas como vivemos tempos estranhos, tudo parece normal, quando não é!

Se o amigo leitor não conhece esta gravação e o padrão de qualidade artístico e técnico, comece pela faixa seis: Here’s That Rainy Day. Interessante como os arranjos de cordas e metais eram escritos para não atropelar ou “competir” com a voz de Frank, funcionando quase que como uma cama harmônica. Mas tudo está ali, com uma inteligibilidade estonteante.

Depois saboreie o disco todo – quem sabe você descubra, além do extraordinário cantor que foi Frank Sinatra, que na qualidade técnica temos muito que aprender com esses excepcionais engenheiros de gravação.

Pois algo parece que se perdeu para sempre na maneira de entender que “menos é mais”, tanto na captação, mixagem, masterização e, pior: na maneira de ouvir em nossos sistemas estes discos, quando utilizamos equalização.

O segundo disco deste mês acabou de sair do forno. É uma gravação de 2021, lançada no dia 21 de fevereiro.

Me chamou a atenção por ser mais uma trompetista feminina, a jovem Lucienne Renaudin Vary. Nunca havia escutado nenhuma gravação desta promissora instrumentista, então por curiosidade dei o play e ouvi o disco na íntegra, já que sou um apaixonado pela obra do Piazzolla.

Fiquei encantado com sua técnica e precisão e, ainda mais, com a escolha do repertório e dos arranjos. É daqueles discos que não devem ser usados para colocarmos de fundo, enquanto nos prendemos aos afazeres do dia a dia – pois ele vale nossa atenção absoluta!
Mas o disco tem muitas surpresas, como obras menos famosas de Piazzolla, que valem a pena serem escutadas.

Ainda que você ache estranho “Piazzola para Trompete”, saia de sua zona de conforto e garanto que não se arrependerá!

Olha aí mais um disco deste excelente selo alemão, o ACT. Se o leitor gostar deste disco, tem também o volume 1, gravado em 2000, também pelo mesmo selo. Cada nova gravação que escuto deste selo, me surpreendo pela qualidade técnica, seja em estúdio ou ao vivo.

É o oposto em termos de presença e transparência dos discos da Capitol dos anos 50 e 60, mas ainda assim não existe nenhum tipo de compressão ou equalização, fazendo com que soem magistrais em sistemas hi-end. E olhe que este disco é exigente, tamanho virtuosismo de todos os músicos envolvidos neste projeto, que é levar a música flamenca ao mundo.

Sente-se e ouça a faixa 1 – Calima, e você terá uma ideia da qualidade e exuberância deste trabalho. É de tirar o fôlego, amigo leitor!

A faixa três é uma singela homenagem ao pianista Chick Corea, que nos deixou recentemente, e começa com um solo de piano de Chano Dominguez (que foi aluno de Corea) e participação do também pianista Ramón Valle, em um belo duo.

Outra faixa interessante é a faixa 5 – Blues for Pablo, com o saxofonista Cristof Lauer. O que me chamou muito a atenção, é que por ser uma gravação ao vivo, a tendência é sempre o volume de cada instrumento estar sempre em maior evidência, o que tende a deixar tudo mais frontalizado e causar um certo desconforto, caso o ouvinte abuse no volume de audição. Talvez pensando nesses “inconvenientes”, o engenheiro de gravação no momento da mixagem foi bastante cuidadoso (observe o trabalho do baterista com a escova nas caixas, e o ataque do saxofone).

É maravilhoso ver uma nova geração de músicos instrumentistas de tanto talento. Não conhecia o trabalho desta excelente contrabaixista de apenas 25 anos, que sem espaço nos selos de jazz atuais, foi à luta e bancou do próprio bolso seu primeiro trabalho.

E que belo disco!

Acompanhado de piano e bateria, ela mostra que além de enorme técnica e excelente domínio do instrumento, possui bom gosto tanto de repertório como em não querer mostrar um virtuosismo exacerbado e vazio. Ao contrário, se eu colocar o disco para um ouvinte escutar ele irá certamente achar que se trata de um disco de um trio. Gosto disso, principalmente no início de carreira, pois demonstra que as vaidades pessoais estão em segundo plano e o foco central é realmente a música.

Sei que ela já lançou um segundo trabalho, em 2019, mas quero conhecer a fundo este primeiro trabalho antes de saber a direção que ela tomou depois. Eu só tenho este comportamento com artistas cuja obra percebo ser atemporal. E que está livre dos “modismos” e “tendências” tribais. Se você compartilha desse mesmo sentimento, não tem como errar nessa dica.

Meus leitores sabem a admiração que tenho pelo cello. Minha paixão é tão arrebatadora que tentei, inutilmente, tocar este instrumento no final de minha infância – mas eram tão caros que meu pai não tinha a menor condição de bancá-lo e, ao mesmo tempo, alimentar seis bocas. Então foi um desejo que ficará para a próxima existência (se houver, é claro).

Interessante que ele me emociona tanto quanto o piano (minha outra paixão ainda mais difícil), mas meus estados de espírito para ouvir obras solistas de um e de outro, são quase que antagônicos. E não acordo dizendo a mim mesmo: “hoje iniciarei minhas audições com cello ou com piano”. É sempre algo que me faz parar em frente às prateleiras de discos (seja CD ou LP e, agora, streamer) e pegar o primeiro disco de um desses instrumentos e sentir o grau de envolvimento que ele me causa.

Se esta primeira audição já me fizer mergulhar de cabeça e esquecer o mundo à volta, será um dia para visitar discos e mais discos deste instrumento, sejam solo, em duo como neste caso, ou com grandes orquestras. Agora se não tiver este efeito o primeiro disco, não é o dia para este completo “isolamento” do mundo.

Então, quando descubro uma obra que não conhecia e me causa este “impacto”, ela entra de imediato nos famosos “discos de cabeceira”, e será visitada em inúmeros períodos de minha existência.

Este se encontra exatamente nesta fase, por dois motivos: pela leveza das obras e como os dois instrumentistas se comunicam. É um duo que, de tão afinado e complementar, soa como um único instrumento solista, sendo difícil separá-los assim que escutamos os primeiros compassos. Isso mostra o quanto os músicos estão sintonizados e cientes do que desejam transmitir em termos de intencionalidade e emoção.

É um disco para os que desejam dar seus primeiros passos na música clássica como se já fossem fãs do gênero.

Espero que vocês gostem deste playlist e, infelizmente, tenho que pedir a todos que se cuidem, pois pelo visto, março ainda será um mês crítico da pandemia.

Espero tê-los todos aqui no próximo mês. Até lá, e excelentes audições!

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