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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

UMA REFERÊNCIA PARA AS CINCO SONATAS PARA VIOLONCELO E PIANO DE BEETHOVEN.

Este mês tenho uma proposta aqui no Playlist, para todos vocês. Espero que todos topem o desafio, independentemente de apreciarem a música clássica ou não. Pois poderão, se fizerem o desafio, entender como em diferentes fases de sua vida artística, a interpretação e o entendimento de uma obra podem mudar completamente, mesmo para músicos virtuoses e com uma sólida carreira.

Por isso mesmo que inúmeros solistas revisitam essas obras clássicas, às vezes mais de uma vez em sua carreira, na tentativa de expressar de forma mais ‘integral’ o que já parecia ‘perfeito’!

Pena que na primeira gravação, de 1982, o celista Yo-Yo Ma e o pianista Emanuel Ax, só gravaram a terceira e a quinta sonata, e não as cinco, como agora no recém lançado álbum. Para a revista Diapason, a gravação de 1982 foi considerada definitiva em termos de execução e expressividade! Como a nova saiu no dia 7 de junho, não tenho nenhuma notícia de que já haja alguma crítica da mídia especializada, mas ficarei atento para ver o que será escrito a respeito.

OUÇA BEETHOVEN: SONATAS N.OS 3 E 5 – EMANUEL AX E YO-YO MA, NO TIDAL.
OUÇA O HOPE AMID TEARS BEETHOVEN CELLO SONATAS – EMANUEL AX E YO-YO MA, NO TIDAL.

Ainda que tenha minha opinião, pois passei os últimos três dias, antes de escrever este artigo, ouvindo noite e dia ambas as versões, me restringirei apenas a falar da qualidade técnica de ambas, pois vale a pena comentar a respeito!

Mas antes gostaria, para os que não conhecem essas obras, de falar um pouco a respeito.

Para muitos críticos, essas cinco sonatas de Beethoven podem perfeitamente traçar um perfil da sua grandiosidade e crescimento como compositor, pois representam essencialmente toda a história de sua conturbada vida.

A Sonata número 1, também chamada de Sonata Lírica em Fá maior opus 5, foi composta quando ele tinha apenas 25 anos em 1796. Ele ainda não havia apresentado nenhum sintoma de sua surdez, e iniciou uma turnê de cinco meses por várias capitais da Europa,
se apresentando como pianista. A turnê se iniciou em Berlim, na corte do rei Frederico Guilherme II, da Prússia, que era um amante das artes e um músico amador apaixonado pela sonoridade do cello. Tanto que compositores do porte de Mozart e Haydn, chegaram a escrever obras para quartetos de cordas para satisfazer a paixão do rei pelo instrumento.

Nas apresentações em Berlim, ele foi apresentado a dois irmãos cellistas – Jean-Pierre Duport e Jean-Louis Duport, que já eram famosos na corte pela sua ‘virtuosidade’. Dizem que Voltaire, ao escutá-los, escreveu: “Senhor, o senhor me fará acreditar em milagres, pois vejo que pode transformar um boi em rouxinol”. Os irmãos Duport, pelo seu reconhecimento junto à corte do Rei da Prússia, foram presenteados com um violoncelo Stradivarius 1711 (este violoncelo chegou a pertencer, no século 20, a Mstislav Rostropovich). Beethoven ficou tão fascinado com ambos, que decidiu justamente escrever duas sonatas para violoncelo – a Sonata em Fá e a Sonata em Sol menor – que fizeram sua estreia em Berlim em 1796, com Beethoven ao piano.

Essas duas primeiras sonatas do jovem Beethoven, são consideradas pela crítica como um embate entre dois instrumentos, pois o piano não rende apenas a ser o acompanhamento do cello – ambos fazendo o papel central nos dois movimentos. O que mais chama a atenção é que nessas duas sonatas o jovem Beethoven ‘redimensiona’ a importância do cello que, até então, era tratado pelos compositores como um contrabaixo menor.

E que agora ganhava um caráter de solista, como os violinos.

A terceira sonata foi composta quando a surdez já angustiava profundamente o compositor. Foi apresentada em 1808, no mesmo período em que surgiram a Quinta e Sexta Sinfonias, e o Concerto para Violino e Orquestra. Os historiadores dizem que ele já havia perdido totalmente a audição neste período, mas há quem discorde, dizendo que a perda total de audição se deu três anos depois.

Yo-Yo Ma e Emanuel Ax

Sua angústia foi plenamente colocada nesta terceira sonata e, para muitos, esta é a ‘obra-prima’ das cinco sonatas (tanto que é a mais aclamada). Aqui ambos os instrumentos são tratados como se um fosse a extensão do outro. O que mais chamou a atenção do público e da crítica, ao ser apresentada pela primeira vez, é que na partitura Beethoven deixa que ambos os solistas possam dar sua ‘interpretação pessoal’ em pequenos trechos, demarcados com padrões rítmicos fortes e acentuados, deixando os próprios músicos ’confusos’ sobre a métrica da partitura. E o último movimento, é para o cellista um dos maiores desafios, pois ele exige total virtuosidade do solista!

Beethoven dedicou essa sonata ao grande amigo e celista Ignaz von Gleichenstein.

A quarta e quinta sonatas foram escritas em 1814 e 1815, depois de um longo período de dor e angústia de Beethoven, totalmente surdo, e para muitos com uma carreira em declínio (fico imaginando os que pensavam assim, como se sentiram ao ouvir sua Nona Sinfonia).

Embora sejam mais curtas que as três primeiras, ambas expressam um caráter de dor, luta e esperança. Estes sentimentos ficam ‘explícitos’ na última sonata, em Ré maior. Escrita em apenas um único movimento, executado mais lento, que transmite enorme emoção e esperança.

Aos que não possuem o hábito de ouvir música clássica, sugiro ouvir apenas uma sonata de cada vez, para irem se ’afeiçoando’ com a obra. Por que uso o termo ‘afeiçoar’? Pois é justamente o que precisamos para sair de nossa estreita zona de conforto e nos aventurarmos a explorar o desconhecido.

E depois de ouvir as duas primeiras sonatas, eis o desafio que lanço: escutem, na íntegra, em seus sistemas, a primeira gravação de 1982 da Terceira Sonata e, na sequência, ouçam a nova ‘interpretação’ desta mesma sonata, realizada agora. Tentem descobrir as diferenças entre as duas e poderão, se forem ’honestos’ consigo mesmos, tirar estupendas conclusões a respeito das gravações e, principalmente, a respeito da importância da ‘maturidade’.

O que representa a maturidade em nossas vidas?

É só ganho, ou também existem perdas?

A maturidade nos torna consequentemente menos espontâneos ou é ao contrário?

Qual das duas gravações feitas por esses dois virtuoses, nos toca e nos emociona mais?

O que levou a ambos desejarem gravar novamente essa obra, já que para muitos a versão de 1982 já era quase perfeita?

São perguntas que podem ir muito além das respostas imediatas que tenhamos em mente. E só posso lhe dizer uma coisa, amigo leitor: as respostas mudarão à medida que você também se sinta mais maduro.

Pode acreditar!

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