Opinião: MEMÓRIA AUDITIVA DE LONGO PRAZO, COMO AMPLIÁ-LA?

Opinião: POR QUE O SETUP CORRETO PARECE SER TÃO RARO DE SE ENCONTRAR?
agosto 13, 2021
HI-END PELO MUNDO
agosto 13, 2021

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Para aqueles leitores que não participaram de nenhum dos nossos Cursos de Percepção Auditiva, quando escrevo sobre a memória auditiva de longo prazo e como ela fica armazenada em nosso hipocampo, muitos acham que estou descrevendo como nosso cérebro guarda letras e músicas que apreciamos, e que nos acompanham por toda nossa existência.

Lembro que a primeira vez que apresentei a função do hipocampo e sua importância para ampliarmos nossa percepção auditiva de longa duração, muitos se mostraram céticos quanto a este grau de relevância, e se haveria de fato algum tipo de exercício que pudesse nos auxiliar neste processo de aprendizado.

Estávamos na virada de século, e a neurociência ainda estava tateando essas possíveis correlações entre a memória de curto prazo e as de longo prazo, e em que local do cérebro ambas ocorriam. Hoje, 20 anos depois, não só foi possível confirmar a importância do hipocampo na memorização dos acontecimentos mais relevantes de cada indivíduo, como vê-lo em funcionamento ao resgatar memórias de longo prazo – através da ressonância magnética.

Outro dia li um artigo bastante didático publicado no site VIVABEM, feito com a neurocientista Viviane Louro da Universidade Federal de Pernambuco, em que ela explica de maneira muito objetiva a importância do hipocampo: “Se a memória fosse uma universidade, o hipocampo (estrutura neurológica que participa fortemente dos processos de emoção, aprendizado e memória) seria a reitoria que é responsável pelo gerenciamento da universidade”. Para quem nunca se aventurou a estudar o hipocampo, faço uso de mais um trecho desta matéria publicada no VIVABEM, que explica de forma simples e objetiva: “O hipocampo é uma pequena estrutura que gerencia as memórias. No entanto, as memórias em si ficam armazenadas em diferentes áreas do cérebro, incluindo o córtex (camada externa do cérebro) e regiões mais profundas, dependendo do tipo de lembrança. É o hipocampo, no entanto, que decide o que é importante ser memorizado e onde essa informação irá ficar armazenada no cérebro. E quando nos recordamos de algo, significa que foi o hipocampo que fez com que a informação armazenada voltasse e fosse lembrada em detalhes”.

Já se sabe há muito tempo da importância dos fatores externos para o desenvolvimento de nossa memória, como estímulos sensoriais (auditivos e visuais), sociabilidade, escolaridade e atividades físicas e esportivas. Um indivíduo que passou sua infância e adolescência tendo todos esses estímulos externos, irá desenvolver tanto a memória de curto prazo, como a de longo prazo (a que nos interessa em termos de percepção auditiva).

As de curto prazo são aquelas memórias que duram poucas horas, também classificadas como imediatas, como o nome de pessoas, ruas, números, etc. E as memórias classificadas de trabalhos como: tarefas como leitura e raciocínio.

E as de longa duração, que se classificam como sendo aquelas que podem durar semanas, meses, anos e até para a vida toda. Aqui encontramos as memórias mais significativas e pessoais de cada indivíduo, e que usaremos socialmente para nos relacionarmos coletivamente.

A neurociência as classifica como: episódicas, que são as datas de nascimento, casamento, gosto pessoal por alimentos, música, indivíduo. Semânticas, as informações relevantes para nossa sociabilidade e conhecimento de regras, leis e comportamentos. E as declarativas, memórias que não podem ser compartilhadas oralmente, como falar, andar, respirar, etc.

Me desculpem se alonguei muito essa introdução, mas achei necessário para os não familiarizados com o tema, pois desenvolver a memória auditiva de longo prazo é uma tarefa que exigirá atenção, dedicação e empenho.

Mas os resultados são quase que imediatos, à medida que entendemos como devemos treinar nossa memória auditiva para podermos reconhecer o que é essencial ao avaliarmos tudo que seja referente à reprodução eletrônica de música.

No Curso de Percepção Auditiva que falo do processo de treinar nossa memória de longo prazo, eu utilizo exatamente exemplos musicais que serão fáceis de serem memorizados no curso, e que poderão ser escutados em casa no seu sistema.

O processo é o mesmo de quando temos que guardar um número de telefone, ou uma resposta daquela questão chata de geografia que nunca mais usaremos (a não ser para passar de ano), mas que sabemos que irá cair na prova. E para que não esqueçamos, a única maneira de garantir que memorizamos é repetir sistematicamente, até que ‘grude como chiclete’ em nossa memória. E quando esquecemos, nosso cérebro – ou melhor, o hipocampo – está nos dizendo que nossos esforços não foram suficientes.

Com a memória auditiva de longo prazo, o processo é o mesmo: temos que repetir os exercícios até que o nosso hipocampo entenda que aquela informação é importante em termos de conhecimento e utilização no futuro.

E para facilitar a todos os participantes do Curso de Percepção Auditiva, temos exemplos para todos os oito quesitos da Metodologia, apresentando em detalhes o que é preciso memorizar para poder averiguar depois (em qualquer sistema que reproduza aquela faixa) se o resultado é satisfatório ou não.

A repetição desses exemplos ao longo dos anos, irá criar o que os neurocientistas denominam como ‘plasticidade cerebral’- que sai do campo da memória de curto prazo e se organiza no sistema nervoso. Essa memória, então, fica armazenada no hipocampo, e cada vez que for acionada, novos campos de neurônios serão ativados. Este fenômeno é chamado de neurogênese.

Talvez a pergunta que você esteja se fazendo é: “mas para que diabos preciso saber disso tudo, se eu quero apenas ouvir minha música?”. Se você quer apenas ouvir música em seu fone de ouvido ou no carro, enquanto estiver em intermináveis congestionamento diários, certamente este artigo é totalmente inútil.

Mas se você é um melômano ou audiófilo com sérias pretensões de investir em uma sala dedicada e com o melhor sistema que seu dinheiro possa comprar, eu continuaria lendo este texto! Pois o que eu lhe garanto é que se fizer a lição de casa (ampliar sua percepção auditiva), a economia que fará nos próximos anos comprando somente o que precisa, será bastante vultosa.

E o mais essencial: ampliar seu prazer em ouvir seus discos como jamais você imaginaria ser possível quando escolheu este hobby.
Voltando aos exemplos que utilizamos para os participantes repetirem com o seu sistema, peguemos o utilizado para avaliação de Equilíbrio Tonal (região média e alta), a famosa faixa 11 do disco You Won’t Forget Me, da Shirley Horn, em que o prato de condução (reproduzido no canal esquerdo logo na introdução do tema) irá reproduzir 13 ‘ondas’ depois que o baterista para de fazer a condução nele. Tem sistemas que se escuta apenas 9 ondas, outros 10 ondas, a grande maioria 11 ondas, os mais corretos 12 e os totalmente
corretos 13 ondas. É um exemplo tão consistente que também pode ser usado para avaliação de Microdinâmica (a partir da sexta onda), e que não necessita de um ouvido de ‘ouro’ ou um ‘superdotado auditivo’ para fazer o teste em seu sistema, e iniciar uma ‘radiografia’ precisa de seu sistema. E muito menos precisa de um bando de audiófilos dando palpites e opiniões de como deveria ou não soar o sistema.

O mesmo ocorre com o exemplo do piano do Nelson Freire tocando Chopin, para avaliação de Textura, Transientes e Equilíbrio Tonal. Pois apresento os exemplos repetidamente para os participantes, até que memorizem o correto. Uma nota apenas na última oitava da mão direita, e ali você irá saber se a Textura e o Equilíbrio Tonal de seu sistema estão corretos ou não. Basta não soar como vidro a nota lá, e o ouvinte perceber que todo martelo tem um feltro, e este feltro impede que a nota soe como vidro, dura e agressiva. Não precisa ser PHD em absolutamente nada, basta reproduzir essa faixa e em um segundo o ouvinte saberá o nível de seu sistema para apresentação de Texturas e o Equilíbrio Tonal nos agudos.

Cada quesito da Metodologia tem diversas faixas para ‘radiografar’ com precisão o que estamos ouvindo. Sem truques, sem “subjetividade”. Ao contrário: de forma transparente e objetiva. Por isso que recorrentemente eu insisto em dizer que os objetivistas que nos criticam não conhecem a fundo o nosso trabalho, pois ele é todo embasado em observações auditivas bastante sólidas e criteriosas.

E se eu aprendi, e centenas dos nossos leitores também, todos vocês podem desenvolver essa memória auditiva de longo prazo. Quando se sabe exatamente o que se deve ouvir para se detectar os erros, o trabalho deixa de ser hercúleo e passa a ser prazeroso. Pois você entende onde estão os elos fracos e o que deve ser corrigido.

E a cada vitória na direção certa, as evidências são cada vez mais audíveis, pois os exemplos oferecidos para a avaliação de cada um dos quesitos vão montando o quebra-cabeça.

A única regra é: comece por corrigir o Equilíbrio Tonal do seu sistema, faça a elétrica dedicada e o tratamento acústico mínimo. Feitos estes três tópicos essenciais, você caminhou 75%. O resto pode vir à medida que você tenha disposição e saldo na conta bancária para correção dos elos fracos.

E à medida que sua memória de longo prazo conhecer nos mínimos detalhes cada um dos exemplos utilizados para o ajuste fino, você se surpreenderá que poderá deixar de lado vários dos exemplos e nomear apenas um para cada quesito. E ainda assim seu grau de assertividade será grandioso!

Vale ou não, exercitar nossa memória de longo prazo?

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