Fernando Andrette
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Não dizem que se não chora não mama?
Pois então vou continuar ‘ousando’ na lista de discos do mês, com quatro gravações que saem inteiramente do lugar comum e navegam pela inovação, criatividade e improvisação.
Como sempre escrevo, me avisem no momento que eu extrapolar demais, ok?
O primeiro disco é de um trio de jazz alemão que gosto bastante, o Trio Elf, e o motivo de minha admiração é que eles também gostam imensamente da música brasileira e vivem nos visitando, realizando parcerias e workshops com jovens músicos e passando um pouco à esses de sua experiência musical.
O trio é formado por Gerwin Eisenhauer um excelente baterista, Walter Lang um pianista que se aventura a todo o tipo de teclado, e Peter Cudek no baixo – acústico e elétrico.
Se você gostar da indicação, eles têm muitos discos interessantes fora este The Enja Heritage Collection Elfland, que abre com a belíssima Ponta de Areia e o próprio Milton Nascimento nos vocais.
É um disco que, na minha opinião, serve como ’cartão de visita’ para os que querem descobrir novas sonoridades bem feitas, e com uma musicalidade muito contemporânea em que o acústico e o elétrico convivem sem nenhuma resistência, seduzindo tanto o purista quanto o jovem que está cansado da mesmice que as rádios lhe oferecem.
Quer um exemplo de como esta convivência se dá? Aos puristas eu indico iniciar a audição pela bela Interlude (faixa 2 ). Aos amantes da música brasileira, pela Ponta de Areia (faixa 1). E para os com menos de 30 anos, com a Hammer Baby Hammer (faixa 9), uma pegada disco moderna muito bem construída e dançante.
Duvido não ser apreciado por muitos de vocês!
Eis um outro músico e compositor que acabou demorando para eu colocar nos playlists mensais, por puro esquecimento. Afinal, minha cabeça é um enorme caleidoscópio sonoro com tanta coisa orbitando simultaneamente. Mas foi um lapso digno de um puxão de orelha, pois Terence Oliver Blanchard, nascido em 13 de março de 1962, é um excelente trompetista, arranjador e compositor, e assina uma infinidade de grandes trilhas de filmes de enorme sucesso em Hollywood como: Malcolm X, Crooklyn, Crockers, He Got Game, Inside Man e uma dezena de outros sucessos de bilheteria.
Mas antes de galgar seu espaço neste mercado de trilhas sonoras, Terence foi o substituto de nada menos que Wynton Marsalis em uma banda de jazz nos anos 80, quando Wynton iniciou sua monumental carreira solo.
Amigo desde a adolescência do cineasta Spike Lee, a partir dos anos 90 ele teve que optar por uma carreira solo no disputado cenário de jazz, ou aceitar o convite do amigo para ir para o cinema. Ele topou o desafio, e conseguiu depois de se firmar como arranjador e compositor, manter um trabalho paralelo, ainda que esporádico, no Jazz.
Eu confesso a vocês que não sou um grande conhecedor de trilhas de filmes, e não tenho muita paciência em ouvir, pois para mim muitas trilhas não fazem o menor sentido sem a imagem ou a história. Então eu sempre prefiro os discos do Terence feitos em seus ‘intervalos’ das trilhas sonoras.
E eis que ele nos brinda, em 2021, com o seu melhor trabalho deste século: Absence. Em que ele faz diversas homenagens a seus ídolos e referências musicais, como: Miles Davis, Wayne Shorter, a banda Weather Report – prestando um comovente tributo a esses músicos.
E, para fugir da obviedade em termos de arranjos, chamou para participar em algumas faixas o quarteto de cordas Turtle Island (outro grupo que estou devendo colocar aqui no playlist).
Meu amigo, se você quer fazer uma incrível jornada sonora, sem o uso de nenhum aparato químico (estou falando das lícitas e ilícitas), recoste na sua cadeira e aperte o play e comece pela faixa 1, que dá nome ao disco.
Garanto que se trata de um dos mais belos trabalhos de 2021!
Outro expoente de uma geração de grandes músicos de jazz, atuando em alto estilo há três décadas, Joshua Redman nasceu na Califórnia, filho de um outro grande saxofonista: Dewey Redman.
Talvez para não seguir os passos do pai, o primeiro instrumento em que Joshua se interessou foi o clarinete, aos 9 anos de idade. Mas sua paixão pela sonoridade do saxofone era tão intensa, que ele um ano depois já estava se dedicando totalmente ao instrumento, com a supervisão do próprio pai.
No entanto, o próprio Joshua não se achava bom o suficiente para seguir uma carreira de músico profissional, por isso estudou com enorme afinco para entrar e se formar em Harvard, porém sem nunca deixar nas horas vagas de tocar saxofone.
No entanto, foi só uma questão de tempo depois de formado e morando em Nova York, para ele abandonar o diploma e se dedicar de corpo e alma ao cenário tão efervescente do jazz.
Seu primeiro contrato ocorreu em 1993, com a gravadora Warner, e o reconhecimento foi imediato, com a indicação ao Grammy que lhe rendeu integrar um seleto hall de estrelas de jazz.
Com a mente bem aberta, além de seus trabalhos solo, gravou com Stevie Wonder, BB King e até com os Rolling Stones.
Este trabalho, lançado em 2019, tem a participação de inúmeros músicos convidados, e do grupo Brooklyn Rider, um quarteto de cordas formado pelos violinistas Johnny Gandelsman e Colin Jacobsen, Nicholas Cords na viola, e o violoncelista Michael Nicolas.
A base das composições é quase toda em cima de Joshua e o quarteto. Belíssimo trabalho, requintado, complexo, criativo e, acima de tudo, nos mostra o quanto Joshua está no ápice de sua carreira como solista e compositor.
Sente-se novamente, e se delicie com a Flash (faixa 1), com uma concepção rítmica e de fraseados entre o saxofone e o quarteto de cortar a respiração. De quebra, o ouvinte é premiado com uma qualidade técnica de gravação primorosa. Um deleite para se avaliar o equilíbrio tonal, textura, transientes e soundstage de um bom sistema.
Ou, se quiser, avaliar seu fone de ouvido também!
Eis um saxofonista que é mais conhecido por ter trabalhado por longos anos com a cantora Etta James, do que pelo seu talento. Nascido em Florence, na Carolina do Sul, na infância seu primeiro instrumento foi o piano e não o sax, que só veio a iniciar seus estudos já no Carolina State College.
Sua paixão pelo saxofone tenor o levou a querer seguir carreira e, em 1960, assinou seu primeiro contrato com o selo Prestige. Daí em diante sua carreira deslanchou e ele tocou com todos os grandes músicos de jazz: Lena Horne, Charles Brown, Etta Jones, Lou Rawls, Janis Siegel, Johnny Smith, Sonny Philips, Richard Groove, e com o baixista Ron Carter, seu parceiro de duo neste belo disco. Se tornaram grandes amigos e realizaram muitos trabalhos juntos.
Ainda que tenha se apresentado com músicos reconhecidamente influentes nos estilos swing e hard bop, Houston Person sempre se sentiu mais ‘em casa’ no soul jazz – gênero musical que se originou na comunidade afro americana nos anos 50, e que junta elementos da música gospel e do rhythm & blues e, claro, o jazz.
Este é daqueles discos para lavar a alma (sem trocadilhos, por favor, com o gênero musical).
É para aquele dia de trabalho tenso, trânsito infernal, que tudo que queremos é chegar em casa, tomar um belo de um banho, preparar algo leve para o jantar, abrir um bom vinho, encher a taça, e saborear cada nota, cada inflexão desses dois grandes músicos que tocam como se um fosse a extensão do outro.
Standards que já ouvimos uma centena de vezes, como a lendária Day Dream, mas que na mão desses dois ganha um grau de frescor que nos encanta do começo ao fim.
Para quem imaginava que eu iria chutar o balde, só com gravações ‘complexas’, acho que surpreendi, rs!
Um último detalhe: se estava desejando uma gravação para avaliação da qualidade dos graves de seu sistema, este disco vai lhe ser a ferramenta ideal para este teste.
Até o próximo mês – não espere muito de mim que, quando estiver escrevendo a nova playlist, estarei ficando um ano mais velho e ainda não sei se comemoro ou se choro, rs.
Minha coluna dará o ‘tom’ da comemoração.
Se cuidem, por favor.