Opinião: O QUE É CERTO E ERRADO NA ALTA FIDELIDADE?

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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Esse é um assunto que tira do sério muitos audiófilos, pois toca na questão central de como cada um entende o que seja a Alta Fidelidade.

E ‘expõe’ de maneira explícita suas crenças e referências, e sabemos o quanto isso pode ser incômodo para muitos de nós. Afinal ninguém gosta de ser exposto e questionado publicamente.

Eu presenciei inúmeras vezes esse assunto sair da esfera do cavalheirismo, e desbancar em embates verbais e quase físicos, destruindo sólidas amizades.

Então, além de cuidadoso, tentarei ser didático, pois não tenho a intenção de ferir princípios tão arraigados, mas não posso deixar de tentar colocar um pouco de ‘luz’ em um assunto tão espinhoso.

Veja que a minha pergunta deixa claro que estou falando apenas do certo e errado na Alta Fidelidade e não em outras modalidades e formas de se ouvir música reproduzida eletronicamente (no rádio de pilha, no carro, em um som ambiente, no celular ou em um
minisystem), ok?

Pois nessas outras modalidades, o certo e errado serão extremamente relativos e de pouca importância para o ouvinte, se o que ele está ouvindo é fidedigno ao que foi gravado ou não. Nesses casos todos, apenas o fato de o ouvinte reconhecer se quem está cantando é uma Elis Regina ou a Leila Pinheiro, já será suficiente. Ou distinguir o violão de uma guitarra, do baixo e do piano, o setup cumpre com louvor ao que foi proposto.

E todos nós antes de conhecermos a alta fidelidade, aprendemos a gostar de música assim, expostos diariamente as opções citadas acima.

Poucos de nós tivemos a sorte de nascer em uma família que os pais já conviviam com sistemas de Alta Fidelidade, para poder reconhecer a enorme diferença quando se escuta música em sistemas hi-end.

E aqui temos a base que sustentará nossa formação e todas as nossas referências iniciais, nos primeiros passos rumo à Alta
Fidelidade.

Falo isso por observações feitas com os leitores, primeiro na revista Audio News e, depois, aqui na Áudio e Vídeo Magazine – que a primeira escolha geralmente está embasada em duas premissas: Palco Sonoro e Musicalidade. Pois o consumidor entende que essas duas qualidades são as que mais diferenciam a Alta Fidelidade dos sistemas de áudio de consumo.

Lembro que, nos primeiros anos da revista, a maioria esmagadora das consultas eram justamente solicitando dicas de setups e produtos que tivessem a melhor reprodução possível do Palco Sonoro, e que fossem ‘musicais’ na mesma proporção. E muitos dos leitores diziam serem esses os dois requisitos essenciais para a escolha de cada produto de seu primeiro setup hi-end.

Vinte e cinco anos depois, diria que muito pouco mudou, pois o iniciante ainda se ‘embriaga’ em perceber se o músico ou solista está em pé ou sentado, e descreve extasiado a posição de cada músico no imaginário palco sonoro de seus discos preferidos, assim como se incomoda com as gravações em que os músicos se apresentam perfilados lado a lado em uma apresentação bidimensional.

Mas o que mais chama atenção é o conceito que muitos audiófilos dão para a ‘musicalidade’. Pois é tão amplo, que se transformou em um ‘álibi’ para o audiófilo justificar seus gostos e preferências. Um escudo, para determinar o limite de qualquer discussão que se levante acerca do seu sistema e que possa ferir seus brios e escolhas.

Meu pai tinha uma frase perfeita para evitar atritos: “Se não estás preparado para ouvir críticas, não mostre seu sistema”. Mas como não fazer isso? Perguntava eu, na minha indignação infantil, ao ver a felicidade dos clientes do meu pai ao reunir audiófilos em volta de sua nova aquisição!

E ainda me pergunto: como? Coloque dez audiófilos para ouvir um sistema e teremos dez opiniões distintas e controversas! Pois cada um tem suas referências (por favor não venham com a ladainha de ‘cada um escutar diferente’), e sua análise será toda feita embasada no seu histórico pessoal e, obviamente, no seu gosto musical.

Mas então não é possível direcionarmos nossa audição para determinados aspectos sonoros do sistema? Claro que sim, e deveríamos fazê-lo se quisermos ampliar nossa Percepção Auditiva e entender aspectos que deveríamos aprender a ouvir com maior atenção.

E aqui entramos em ‘terreno minado’, pois precisaremos entender que muitos dos nossos conceitos de certo e errado esbarram em nossa incapacidade de entender o que é Alta Fidelidade.

Então, sem ‘delongas’, vamos ao assunto.

Se você define ‘musicalidade’ como uma sonoridade agradável aos ouvidos, aveludada (como se uma banda de Blues estivesse tocando de luvas brancas e smoking), que nunca nos coloca em sobressalto nas variações dinâmicas e, depois da segunda ou terceira faixa, você começa a dar umas cochiladas, seu conceito de ‘musicalidade’ deveria ser revisto completamente. Pois uma coisa é se ter folga e ausência de fadiga auditiva, com todos os atributos existentes na música (como ritmo, tempo, variação dinâmica, silêncio etc.) e outra é um sistema que na verdade soa letárgico e imprime uma assinatura sônica a todo gênero musical que seja por ele reproduzido.

Vamos aos exemplos para não ficarmos na subjetividade:

Você diria que um setup pode ser hi-end, se ao reproduzir um violão não conseguimos definir se as cordas são de aço ou nylon?

Ou estalar de dedos soam como madeiras ocas?

Ou, em todos os solos de violino, a última oitava soa como viola?

Os pianos, na última oitava da mão direita, soam como vidro? Ou, ao contrário, como se fossem teclas de feltro?

Eu poderia estender esses exemplos por duas páginas, acreditem. Mas citei o óbvio, pois são exemplos mais comuns que podemos presenciar diariamente tanto em sistemas de amigos como em lojas.

São exemplos que não tem como defender, pois eles expõem claramente o limite entre o certo e o errado na Alta Fidelidade. E por mais que eu seja cuidadoso, e procure as palavras certas para mostrar o erro, muitas vezes deparo com enorme resistência do dono do sistema – que, para se defender, se esconde na última fronteira – ‘assim que ele gosta e ponto!’. Alguns, depois, até reveem sua opinião e entendem que a questão central não é gostar assim ou assado, e sim que um sistema torto irá penalizar drasticamente suas audições, limitando seus discos cada vez mais!

Outros, ao contrário, levam a ferro e fogo sua crença e desaguam em ouvir uma dúzia de discos que se ‘adequaram’ a sua concepção de musicalidade.

Como sempre escrevo, cada um ouve como quiser seu sistema, e ninguém tem absolutamente nada com isso. Mas não esperem que, os que procuram montar um sistema de Alta Fidelidade correto, não busquem entender o que é certo ou errado para não cometer erros tolos e, muitas vezes, por uma percepção errônea tola.

Os leitores atentos perceberam de imediato, quando lançamos a Metodologia, que o quesito ‘Musicalidade’ era justamente o último quesito. Pois ele é a soma de todos os demais quesitos. E quanto melhor e mais correto forem os outros sete quesitos, automaticamente a musicalidade será melhor! Pois não se pode falar em musicalidade se o equilíbrio tonal for incorreto (como nos exemplos citados acima), ou texturas que não nos apresentem as diferenças sônicas de diferentes pianos, ou o grau técnico do solista. Em que o andamento e ritmo sejam letárgicos, e a variação dinâmica seja pífia.

Sem esses acertos, a musicalidade não existe, e um sistema assim não deveria sequer ser considerado de Alta Fidelidade.

Então, quando nossos leitores nos consultam e nos pedem um sistema que prioritariamente seja bom na reprodução do Palco Sonoro e seja acima de tudo musical, pedimos para eles redobrarem sua atenção nas avaliações de notas que publicamos em cada teste, e eles perceberão uma coerência entre a nota de musicalidade e dos outros sete quesitos, para facilitar sua escolha dentro de seu orçamento.

Felizmente, o mercado está cada vez mais competitivo, e o leque de opções é cada vez melhor! Então é uma questão de pesquisar com calma e sempre buscar ouvir o que está comprando.

Mas, lembre-se, a Musicalidade é a soma de todos os quesitos, tenha todos e terá a garantia de um sistema mais musical, correto e prazeroso.

Você pode até achar aquele som ‘aveludado’ e ‘quente’ sedutor, e optar por ele, mas tenha certeza de que no momento que ele começar a lhe impor o que dá para ouvir com prazer do que não dá, você entenderá que isso não pode ser chamado de Alta Fidelidade!

Pois, para ser Alta Fidelidade, ele precisa ser correto em todos os quesitos da Metodologia, não ser ‘bom’ apenas para determinados gêneros musicais!

Sei que isso irá soar ‘desagradável’ a muitos dos nossos leitores, mas às vezes é preciso expor as feridas para curá-las, não é verdade?
Um genuíno produto hi-end é aquele que possui a maior inteligibilidade possível, fidelidade ao que foi gravado, e com a menor fadiga auditiva, em que mesmo gravações limitadas são reproduzidas com enorme prazer!

Independente do leitor não ter escutado um sistema assim, acredite, eles existem e estão disponíveis no nosso mercado, e são cada vez mais acessíveis.

Basta dar uma olhada na última edição Melhores do Ano, para constatar!

Então, quando o amigo leitor entrar em um embate sobre o certo ou errado, pergunte de que segmento vocês irão discutir: do áudio de consumo ou de Alta Fidelidade?

Pois se em um pode qualquer coisa, o outro é extremamente exigente e preciso!

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