Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br
Lendo um recente artigo de Jim Austin, Editor da revista Stereophile, me veio à mente a velocidade com que conceitos, valores e referências estão mudando.
No seu artigo, ele escreve sobre a música ao vivo e inicia seu ponto de vista com o seguinte parágrafo: “Há uma noção entre os audiófilos de que devemos ser consumidores regulares de música ao vivo, especialmente música acústica ao vivo. É a única maneira, segundo o pensamento, de calibrar nossos ouvidos para o som que todos deveríamos aspirar ter em casa”.
E me parece que sua opinião também é compartilhada com inúmeros audiófilos mais novos, que além de não ter nenhuma
‘empatia’ com a música clássica ao vivo, quando o faz por insistência de amigos ou por curiosidade, sai com a sensação que o som da orquestra é baixo, ou que falta extensão no agudo, e que não existe foco e recorte como ele tem em sua sala de audição pessoal.
E, no segundo parágrafo, ele escreve: “Essa noção persiste, apesar de algumas falhas profundas e óbvias. Por um lado, não importa como soa a música acústica ao vivo, se esse som não for capturado na gravação que estamos ouvindo – geralmente não é – e é impossível saber se foi ou não. As únicas pessoas que têm a chance de saber como uma gravação soa – quão perto ela chega ao vivo – são as pessoas que estavam lá quando a gravação foi feita, especialmente os engenheiros de gravação. Mesmo para eles, há problemas, pois no estúdio o engenheiro geralmente fica atrás do vidro, monitorando eletronicamente”.
Seus argumentos, além de válidos, fazem sentido se vistos apenas pela ‘perspectiva’ que ele defende.
Mas, e se avaliarmos este conceito por uma perspectiva reversa, o que descobriremos?
Sinto-me à vontade para discutir esse tema, pois eu sou o ‘privilegiado’ em nossas gravações produzidas pela CAVI Records, de ter um engenheiro pilotando a gravação e eu poder desfrutar daquele momento único, na sala junto com os músicos! E depois usar exatamente dessa referência de ouvir como o grupo ou o solista soou na sala de gravação, para mixar e masterizar o que foi gravado.
Tive também a oportunidade (graças ao amigo Cesar Miranda), de acompanhar algumas gravações da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), da plateia em posições privilegiadas e, depois, ouvir o CD e chegar a inúmeras conclusões de como soa a orquestra mais a Sala São Paulo vazia, pela perspectiva dos microfones, e como o som chegou ao meu ouvido naquele momento.
Claro que soa muito diferente, a perspectiva dos microfones em relação à plateia. Mas o que mais impressiona é o que se perde na gravação em relação ao estarmos ao vivo.
Mas voltarei a esse ponto mais à frente.
Agora deixe-me explicar outra questão, ainda mais essencial: a escolha dos microfones pelo engenheiro de gravação!
Quando idealizei o CD Timbres, meu único objetivo foi justamente provar ao leitor da revista o quanto uma escolha ‘equivocada’ de um microfone pode ‘alterar’ o timbre de maneira significativa e audível! E mais: mostrar que dependendo do equilíbrio tonal do sistema a reproduzir esse CD, seria possível determinar se aquele sistema estava correto ou não em relação a este quesito.
Algumas semanas depois do disco lançado, nos chegou uma quantidade enorme de dúvidas e questionamento, como: “no meu sistema o timbre foi mais correto no microfone 2 ou 3”. Ou: “no meu sistema os três microfones não soam diferentes”, ou ainda “não entendi o que vocês quiseram mostrar com esse disco!”. Nos meses seguintes, mostrei aos participantes dos nossos Cursos de Percepção Auditiva, que as diferenças de microfones dependem do ajuste perfeito do equilíbrio tonal, que o microfone mais fidedigno e plano é sempre a faixa um de cada instrumento, e a faixa mais incorreta é a faixa três de cada instrumento.
Que quanto mais equilibrado o sistema, mais audível são as diferenças, e que em alguns instrumentos o timbre é tão alterado pelo microfone três, que soam como ‘sampler’ e não como instrumentos reais.
E aí voltamos à questão da importância de termos referências seguras da música acústica em boas salas de concerto, para jamais perdermos esse parâmetro de como soam instrumentos Ao Vivo e não ‘por microfones’.
Pois se o engenheiro fez escolhas erradas dos microfones, por mais que sua captação tenha sido correta, em uma boa sala, sem uso de compressão ou equalização, o simples fato do microfone não ser o mais adequado, essa gravação não serve como referência para timbre ou equilíbrio tonal (que são os alicerces essenciais para o ajuste de todos os sistemas). Poderia ser usada apenas para avaliação de soundstage e nada mais!
O que precisa estar claro a todos que desejam ampliar seu grau de percepção auditiva, é que em toda gravação o que estaremos escutando é a perspectiva do ‘microfone mais a sala’, capacidade do engenheiro de gravação e concepção do artista. E em uma audição de instrumentos acústicos ao vivo, o que estamos referenciando para educar nossos ouvidos é o timbre dos instrumentos, e como a reprodução eletrônica, por mais que tenha avançado nos últimos anos, ainda é apenas um esboço de uma apresentação ao vivo.
Aos nossos leitores que nos contam que finalmente irão assistir a um concerto na sala São Paulo, e me pedem dicas do que observar, eu sempre indico apenas fecharem os olhos, abstraírem todo o ruído a sua volta, e sentirem aquele momento mágico.
E percebam como soam os naipes da orquestra, os crescendos, como o som brota do silêncio e retorna a ele.
E se tiverem a sorte de assistir a concertos que tenham enorme variação dinâmica, ou voz e orquestra, notem como os fortíssimos soam e como é uma ‘quimera’ achar que esse volume cabe em uma caixa acústica e um amplificador de 1.000 Watts.
Ou notem o corpo do naipe de cordas de uma orquestra, e imediatamente perceberá que esse momento nenhuma gravação feita até hoje consegue captar! Ainda que o selo Reference Recordings (na minha opinião) seja o selo que mais se esforçou em tentar!
Por tudo isso que eu acho muito perigoso a forma com que o editor da Stereophile colocou seu ponto de vista, pois aos que estão começando sua jornada, leva a crer que seja uma perda de tempo ampliar nossa Percepção Auditiva, explorando todas as possibilidades existentes.
Pois todas as possibilidades se complementam e nos ajudam a entender que, sem a referência ‘original’ dos instrumentos ao vivo, estaremos à mercê dos erros e acertos dos engenheiros de gravação, e isso não me parece nem muito seguro e nem tampouco sensato!