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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Foi publicada, no ano passado, uma nova pesquisa no American Psychologist, com interessantes conclusões neurocientíficas da conexão social com o scan do cérebro ao tocar e ouvir música em grupo.

A equipe que realizou o experimento, da Universidade de Chicago, fundiu os últimos avanços da neurociência no campo da música, incluindo a Teoria da Evolução.

Trabalhando com os circuitos de empatia (que nos ajudam a sintonizar como as outras pessoas estão pensando e sentindo), secreção de oxitocina (também chamado de hormônio do amor, porque contribui para que nos sintamos socialmente ligados aos outros), liberação de dopamina (um neurotransmissor que produz a sensação de prazer e é liberado durante a antecipação e expectativa musical, sendo essencial para a nossa sensação de recompensa e motivação), estruturas de linguagem (são as informações que envolvem o diálogo musical, conhecidas como chamadas e respostas), e cortisol (hormônio que contribui para o estresse do dia a dia ,mas que diminui quando cantamos e ouvimos música individualmente ou em grupo).

Os autores do estudo dizem que uma melhor compreensão da neurociência social da música, pode desempenhar um papel importante para ajudar a melhorar os laços sociais em todo o mundo, particularmente em culturas que estão em conflito. E concluíram que a música é uma ferramenta poderosa que, além de unir indivíduos, pode promover e ampliar a empatia e a comunicação, e curar divisões sociais. Mostrando que a música não é mero entretenimento, mas sim uma característica central da existência humana, com importantes implicações sociais.

O Dr David Greenberg, que liderou a pesquisa, nos diz: “A música nos conecta à nossa humanidade. E por meio da neurociência estamos descobrindo que nosso senso de conexão social não é apenas subjetivo, mas que está enraizado em mecanismos cerebrais importantes”.

“A música é uma parte fundamental de nossa evolução, permitindo expressões únicas de laços sociais. Fortalecendo coesão e confiança mútua entre as pessoas, e sinalizando valores compartilhados. É bastante fascinante entender os mecanismos neurobiológicos da música”.

Já contei, em diversos textos aqui mesmo nessa seção, como foi minha vida na juventude, em que um grupo de amigos se reunia todos os sábados (com chuva ou com sol), na Rua Sete de Abril, no centro de São Paulo, para fazer nossa peregrinação nas lojas Museu do Disco, Bruno Blois e Brenno Rossi, na busca das novidades. Éramos sete amigos, grupo que foi crescendo à medida que cada um começou a trazer suas namoradas (sempre desconfiadas no primeiro momento, e depois totalmente acolhidas por todos), para aquele ritual que amávamos!

Cada um de nós tinha gostos musicais distintos, pois já havíamos saído daquela fase em que as tribos se escolhem por suas semelhanças. E a troca de informações e a possibilidade de sairmos dali e irmos para a minha casa ouvir ‘religiosamente’ cada disco comprado, certamente ajudou a cada um a ampliar seu universo musical.

Em minha sala mal cabia aquele grupo tão grande (que só foi se ampliando através dos anos), e tínhamos que nos revezar nos melhores lugares, em frente às caixas, todos sentados no chão, apoiados em grandes almofadas.

O que mais sinto saudade daquele momento, é o grau de empatia do grupo e o silêncio que se fazia no ambiente, assim que descíamos o braço no disco. E o respeito por cada disco comprado, independente de ser um estilo apreciado ou não por todos.
Ali, ouvi pela primeira vez James Brown, Buddy Guy, Sun Ra e tantos outros artistas que, se não fosse por aquele grupo eclético, demoraria anos em minha vida para conhecer.

E essa troca de estilos foi mútua, pois outros ali ouviram pela primeira vez na vida Ravel, Debussy, Ella Fitzgerald, Coltrane, Mahavishnu Orchestra, Chick Corea e tantas outras preciosidades.

Foi uma década de incríveis descobertas musicais, em que tenho certeza que todos ali carregaram essa bagagem para sua vida.

Alguns ainda são grandes amigos, e mantenho contato até hoje! Outros já faleceram, e o restante perdi totalmente o contato. As namoradas – bem, que eu saiba, apenas um deles casou com a namorada daquela época e tiveram três lindos filhos (duas meninas e um menino), mas atualmente não estão mais juntos.

No hi-end eu sinto falta desses encontros, das pessoas estarem reunidas e não disputarem o sweetspot para aceitar participar dessas audições. E o que mais me incomoda, é a falta de comprometimento dos participantes de estarem ali para realmente ouvir música, como em uma sala de concerto, e não ficarem em conversas paralelas.

Um pouco dessa saudade eu matei na realização dos nossos Cursos de Percepção Auditiva, em que tínhamos de 50 a 70 pessoas reunidas, e que ao final eu pedia para os participantes escolherem uma das faixas utilizadas no curso para fazermos a ‘saideira’. Ali, pela escolha, eu tinha a certeza do quanto o curso os havia impactado ou não.

Pois quando escolhiam uma faixa que havia soado incrivelmente no sistema, sabia que eles queriam ir para casa e ouvir aquela faixa em seus sistemas, para começarem a tirar suas conclusões a respeito do que fazer para aprimorar seu setup.

Meu amigo, eu gostaria que você estivesse lá, para presenciar o silêncio absoluto e o respeito por aquele momento único!

omprovando o grau de harmonia que pode haver entre pessoas tão distintas, em volta da música, quando todos estão imbuídos e concentrados no mesmo objetivo.

E depois de fazer o agradecimento e as considerações finais, era maravilhoso poder olhar nos olhos de cada um e ver aquele semblante de satisfação e um sorriso do mais comedido ao mais escancarado!

Essa imagem carregarei para sempre em minha memória de longo prazo!

E sim, eu concordo com todas as conclusões às quais o estudo que a Universidade de Chicago chegou: “A música nos conecta a nossa humanidade”.

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