Fernando Andrette
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A Playlist desse mês está no forno faz um bom tempo. Mas com a morte do Nelson Freire e o disco maravilhoso da Janine Jansen dos 12 Violinos Stradivarius, essa homenagem à cantora, compositora e artista plástica canadense Joni Mitchell, acabou sendo adiada por duas vezes!
Mas com a notícia que Joni se apresentou recentemente no Newport Folk Festival, não tinha mais como postergar mais uma vez essa playlist. Foi a sua primeira apresentação em público desde que ela sofreu um aneurisma, em 2015.
Como ela mesmo disse, recentemente, ao completar 78 anos, depois do aneurisma teve que reaprender a falar, andar, cantar e tocar. E para o delírio do público presente no Festival, Joni Mitchell não só cantou 13 músicas, como apresentou um solo de guitarra em Just Like This Train.
Vendo os vídeos que saíram dessa apresentação, no Youtube, fica claro que sua linda voz de soprano com duas oitavas e meia de extensão ainda está lá. E se não fossem as limitações impostas pelas sequelas do aneurisma, ainda poderíamos no futuro ser presenteados com novos trabalhos. E assistindo a essa apresentação, é emocionante ver em seu semblante e em sua voz o prazer dela estar ali novamente.
Tentar selecionar os melhores discos dessa influente artista, que transitou com enorme desenvoltura em vários gêneros como o folk, jazz, blues e rock, é tarefa das mais difíceis. Então tentarei ser objetivo, e serei pontual nas gravações que acho que darão um panorama geral desse grande talento musical.
Sua gravadora, em homenagem aos seus 78 anos, acaba de lançar a compilação Joni Mitchell Archives Vol. 1 – The Early Years (1963-1967), e já está em fase de remasterização o segundo e o terceiro volumes, que irão apresentar seus trabalhos de 1968 a 1980.
Foram mais de 40 álbuns ao longo de quase 60 anos de estrada.
Como não sou crítico de música, me abstenho de indicar os trabalhos de maior repercussão ou de vendagem, preferindo compartilhar com você leitor os discos que mais me tocaram e que estão comigo há muitos anos.
Conheci o trabalho de Joni Mitchell em 1972, na casa de um cliente do meu pai que era um apaixonado por folk music, e tinha uma coleção desse gênero musical realmente impressionante.
Meu pai estava ali para instalar uma cápsula Stanton (não consigo lembrar o modelo), em um toca-discos Dual. Era um sistema composto de um receiver da Sansui e caixas, se não estou enganado, da Pioneer. Gostava daquele sistema, principalmente para o gênero que o dono do sistema apreciava, pois tinha evidente ênfase nos médios, realçando as vozes principalmente.
Naquele dia estava bastante preocupado, pois teria uma prova difícil pela manhã, e já eram quase nove da noite quando chegamos ao cliente. E sabendo o quanto meu pai era metódico e perfeccionista, já sabia que sairíamos tarde dali.
Já estava quase dormindo sentado no sofá, quando ouvi o cliente falar: “Aimar, antes de você ir quero que ouça essa faixa”. E desceu o braço do toca-discos e, ao ouvir a primeira frase daquela cantora, despertei como se tivesse saído de um transe e entrado em uma outra dimensão. Foi arrebatador ouvir Joni Mitchell cantar River! Fiquei encantado com seu timbre e a limpeza de sua voz e afinação.
Se não fosse minha timidez, teria pedido para ouvir novamente e novamente, e novamente… Saí de lá com a convicção que precisava ter aquele disco o mais urgente possível. Meu pai até comentou que nunca tinha me visto tão empolgado com uma visita a um dos seus clientes.
Ele não havia entendido o arrebatamento que a voz de Joni Mitchell havia causado, essa era a verdade.
Como já havia gastado a mesada daquele mês, teria que aguardar mais de 20 dias até poder comprar o disco, o que para um adolescente de quase 14 anos, era uma eternidade.
Cheguei a pedir adiantado para o meu pai, mas não consegui comovê-lo o suficiente.
Resumindo a história, recebi a mesada, procurei o disco em três lojas de discos, e descobri que ele não tinha sido produzido no
Brasil, era importado! E discos importados, só juntando minha mesada por três a quatro meses para conseguir comprar.
Então, jamais tive o LP Blue de Joni Mitchell, e só vim a comprar um disco seu em 1979. E que disco, meu amigo! Mingus, o disco que, junto com Both Sides Now de 2000, mais aprecio até hoje!
Ainda que o disco Blue esteja também em meu coração, principalmente pelas faixas River e a belíssima A Case Of You, que todos os nossos leitores mais novos provavelmente conhecem na voz de Diana Krall, do disco Live In Paris (também uma bela versão), o Mingus colocou Joni em um outro patamar como compositora e cantora e, claro, Both Sides Now, uma mega produção com o apoio de uma grande orquestra, recebeu prêmios e críticas muito positivas.
E ainda que neste trabalho de 2000, sua voz já não tenha o mesmo brilhantismo e extensão do disco Blue, a forma com que ela trabalha a voz (na primeira e segunda oitava), seu grau de interpretação ganhou a maturidade e a segurança de quem canta o que realmente viveu.
Sente, desligue o maldito do celular, apague as luzes, feche os olhos, e dê play na faixa 1 – You’re My Thrill, e você entenderá instantaneamente a obra prima que você irá escutar! Arranjos primorosos e uma interpretação de suspender nossa respiração por minutos.
É um exemplo saber que, aos 78 anos, Joni Mitchell ainda está nos mostrando que apesar de tempos tão difíceis e inseguros, a vida é uma dádiva que não pode ser desperdiçada um só segundo!
Se você nunca ouviu Joni Mitchell, comece por Blue. E, se gostar, vá direto para Both Sides Now, pois esses dois trabalhos lhe darão uma ideia da grandiosidade dessa artista no cenário musical nos últimos sessenta anos!