PLAYLIST DE NOVEMBRO
novembro 6, 2022
Internacional: DUTCH AUDIO EVENT 2022
novembro 6, 2022

Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Esse é um daqueles Opiniões que parecem com um fiapo de manga no meio dos dentes, sem que você tenha à mão um fio dental ou um palito.

O que quero dizer é que, ainda que não seja um tema urgente a ser tratado, incomoda.

E o faz justamente quando leio revisões de equipamentos feitas em diversas mídias, e me deparo com termos como musicalidade, transparência e neutralidade, nas conclusões finais, como se essas ‘definições’ pudessem traduzir com segurança as melhores características do produto avaliado.

Sobre o quesito musicalidade, já abordei aqui diversas vezes e sempre ressalto nos próprios testes, que não se trata de uma qualidade isolada, que o produto pode ou não ter. Não é à toa que em nossa Metodologia ele seja o item a fechar a nota do produto avaliado. Pois musicalidade, sem o melhor equilíbrio tonal, não pode ser musical, o que consequentemente faz com que esses dois quesitos andem sempre juntos.

No entanto, muitos audiófilos ainda confundem ‘eufonia’ (som ou combinação de sons agradáveis ao ouvido) com musicalidade.
Quando, em uma consultoria, me deparo com esse equívoco, para que o cliente entenda a diferença entre musicalidade e eufonia, utilizo sempre da mesma técnica: pergunto a ele, que tipo de instrumento não soa bem em seu sistema (todo setup sempre terá seu ‘Calcanhar de Aquiles’, não se iluda), e mostro de maneira prática que ao, contrário de um sistema eufônico, se ele for musical, não haverá esse obstáculo de forma tão radical!

Já me deparei com sistemas em que era impossível ouvir flautas, clarinetes, sax soprano, violinos e pianos em sua oitava mais alta (agudo), vibrafone e até triângulo! E aí apresento a correlação entre equilíbrio tonal e a tão sonhada musicalidade. E entre o quesito que abre nossa Metodologia e o que fecha, o quanto todos os outros se beneficiam desse ajuste.

Veja que nossa Metodologia foi apresentada em setembro de 1999, em nosso primeiro Curso de Percepção Auditiva, para uma plateia de mais de 70 pessoas no Hotel Linson em São Paulo. E antes dessa apresentação aos nossos leitores, ela foi tema de acirradas discussões com toda a equipe de articulistas por dois meses!

Já falei diversas vezes nos cursos, e em minhas matérias, que fui voto vencido na questão de nossa Metodologia ter 10 quesitos em vez dos 8 que utilizamos. Eram eles: timbre e neutralidade, e pela minha incapacidade de convencimento da importância desses dois quesitos, que na visão de meus colaboradores exigiria que o leitor tivesse um maior conhecimento ‘musical’, acabaram ficando de fora.
Pessoalmente, eu nunca os deixei de usar em minhas avaliações – eu só os adaptei colocando o timbre na ‘órbita’ do equilíbrio tonal, e a neutralidade no escopo da musicalidade. Pois na minha concepção ao desenvolver a Metodologia, jamais consegui imaginar que seríamos justos com os aparelhos testados, sem que esses quesitos também fossem avaliados.

E para deixar essa questão ainda mais relevante, em inúmeros equipamentos que surgiram nos últimos anos, observo que aprimoraram significativamente sua performance na apresentação de timbre e neutralidade (principalmente os Estado da Arte Referência).

Por isso que fiz a analogia com o fiapo de manga a me incomodar constantemente, e o estopim foi o teste do cabo AES/EBU da Dynamique Audio (leia Teste 4 nessa edição) em que a neutralidade salta aos olhos e aos nossos ouvidos de maneira impressionante.

Não vou encher você leitor com diagramas e uma série de Fourier, para explicar como uma nota musical é composta por sua fundamental e seus respectivos harmônicos, pois sei que você iria abominar e achar cansativo, e em vez de começar a se interessar por prestar atenção na qualidade do timbre dos instrumentos que você aprecia e o grau de neutralidade de seu sistema, você iria fugir como o diabo da cruz!

Então tentarei ser o mais objetivo e didático apenas pautando o que você deveria observar em seu sistema para ver como esses quesitos se comportam no seu setup, ok?

E peço a gentileza que você também leia o teste do cabo Apex, pois ainda que você não esteja interessado em um upgrade de cabo digital em seu setup, será interessante você saber o que a neutralidade pode fazer pelo nosso sistema.

Primeiro, vamos à questão do timbre ou a assinatura sônica de cada instrumento, com cada um deles tocando a mesma nota Si. Quando um instrumento musical produz essa nota Si, ele soa essa fundamental que dá a qualidade da tonalidade, junto com as frequências harmônicas múltiplas que podem ser pares ou ímpares. Essa soma de fundamental com sua tonalidade e seus harmônicos é que caracteriza o timbre dos instrumentos, pois se não fosse assim, não haveria distinção entre o som dos instrumentos e seu respectivo timbre.

O que caracteriza os timbres de cada instrumento então, é definido pelo fato de o som gerado de cada instrumento conter os harmônicos do tom fundamental em proporções diferentes (com suas respectivas ondas).

Os instrumentos de cordas, na sua grande maioria, possuem todos os múltiplos da frequência fundamental (harmônicos pares), enquanto alguns instrumentos de sopro, que utilizam tubos de ressonância abertos em um extremo e fechados no outro, produzem harmônicos ímpares em sua maioria.

Já a flauta, somente harmônicos pares.

E, por mais que você não deseje saber que tipo de harmônico os instrumentos que você aprecia gerem, o importante é que você compreenda como se define o timbre de cada instrumento.

Porém, existe uma outra questão que está sempre a orbitar aos amantes da reprodução eletrônica, que é a distorção harmônica gerada pelos nossos equipamentos, e que muitas vezes suas distorções interferem ou não batem com os harmônicos de determinados instrumentos que apreciamos.

Vamos a um exemplo simples: imaginemos que nosso amplificador, por uma escolha do projetista, realce os harmônicos ímpares, e adoramos flauta transversal e flautim. O que irá ocorrer com o timbre desse instrumento ao ouvirmos esse em nosso amplificador?
Alguém aí timidamente falou em alteração? Exatamente meu amigo.

E se nosso amplificador for um valvulado que o projetista ‘azeitou’ os harmônicos pares para seu som seu suave como a pele de um pêssego ,ou a maciez de um chumaço de algodão? O que ocorrerá se ouvirmos um instrumento de sopro predominantemente com harmônicos ímpares? Sempre o prejudicado será o timbre meu amigo, não tem escapatória!

E se eu nunca ouvi esses dois instrumentos ao vivo, bem perto de ambos, cerca de 3 a 4 metros, saberei reconhecer que meu sistema altera o timbre ‘real’ desse instrumento?

Óbvio que não!

E eis o cerne de tanto sistema torto, errado e que seus donos, quando questionados, saem pela tangente com o seguinte argumento: ‘gosto assim e ponto’! Gostar podemos até sorvete de jiló, mas gostar não significa estar correto. Gostar não nos abstém de ouvir verdades, ou entender onde está o erro!

Aí então caímos na questão das referências musicais que ouvimos para ajustar nossos sistemas.

Vou dar alguns exemplos do que ocorre nas gravações de instrumentos eletrônicos, para que o amigo possa entender a razão de que com esses exemplos, nunca irá se ajustar perfeitamente um sistema, seja ele de entrada ou um Estado da Arte.

Pois nem o próprio engenheiro dessas gravações, ao saturar, equalizar e comprimir o que foi gravado, saberá mais discernir o que era o original do turbinado.

Se você se interessar em ler sobre técnicas de gravação, irá entender que no mercado de pro-áudio existe um conceito muito em voga que é o da ‘boa distorção’. Sim, você leu certo. A técnica mais utilizada pelos engenheiros de gravação é a da Distorção Harmônica aplicada intencionalmente, para adicionar harmônicos ou sobretons ao sinal original. Esse truque altera o tom de um som de maneira diferente dos equalizadores e, dependendo da quantidade usada, os engenheiros de gravação acreditam que pode melhorar a ‘clareza de um som’.

Para essa turbinada, eles geralmente utilizam harmônicos de segunda ordem ou múltiplos pares da fundamental, e criam um som mais rico e agradável. E quando a intenção é tornar um solo de guitarra mais ‘agressivo’, utilizam harmônicos de terceira ordem na fundamental que, segundo esses engenheiros de gravação, dão um som mais ‘ousado’.

Para se fazer isso, existem diversos plugins com esses efeitos, facilitando a vida dos engenheiros que simulam o som de válvula para criarem harmônicos pares, e de transistor para adicionar harmônicos ímpares.

O software utilizado nesse processo é baseado na Distorção Harmônica Total (THD), que é uma medida de quanta distorção harmônica um circuito específico gera. Esse THD calcula o total de harmônicos pares ou ímpares que determinado sinal suporta.
E nas gravações de todos os gêneros modernos, a distorção adicional colocada ao instrumento ou sinal não termina na captação, podendo também ser adicionada na mixagem.

E, segundo a indústria do pro-áudio, a distorção na mixagem é uma das ferramentas de mistura mais ‘poderosas’ à disposição dos engenheiros na atualidade, pois ajuda a ‘engordar’ o som, adicionar sustentação, através de várias camadas de distorção misturadas ao som original.

E não podemos esquecer das distorções utilizadas nos microfones no início da cadeia de gravação. Os mais utilizados atualmente são o Slate VMS, ou o Townsend Labs Sphere L22, para simular a sensação dos microfones à válvula na fase de mixagem (principalmente os Neumann U67 e os Telefunken 251, conhecidos pela sua tonalidade rica, e que deixavam vozes e cordas com mais presença).

Mas o arsenal não se restringe apenas a essas duas fases. Os novos pré-amplificadores de microfone podem simular, no momento da captação do sinal, a saturação da válvula ou do transistor para injetar, ao gosto do engenheiro, harmônicos pares ou ímpares ao sinal.

E se não bastasse, temos ainda os compressores para dar uma ‘colorida’ na distorção harmônica, e que podem simular as distorções de válvula, transistores ou transformadores, para criar sua própria coloração harmônica.

Pois bem, amigo leitor, fiz essa longa apresentação do arsenal utilizado na gravação de música com instrumentos eletrônicos, justamente para lhe mostrar que com essas gravações como referência, sua possibilidade de ajuste correto de seu sistema é provavelmente inferior a ganhar na Megasena com uma aposta simples!

E não estou querendo converter ninguém a ouvir música acústica, ou a ampliar seu gosto musical, estou apenas mostrando que sem as referências seguras, tudo será muito mais caótico (e acredite é bem caótico quando não se tem referências seguras).

Acho que dei um panorama abrangente sobre a complexidade de timbre. Então voltemos ao início dos dois exemplos da flauta e do clarinete, se nossos sistemas primarem por um invólucro harmônico oposto ao dos instrumentos que queremos ouvir, com a maior fidelidade possível.

E aí caímos em uma selva ainda menos explorada: a neutralidade. O que leio sobre tal amplificador ser neutro, ou caixa, ou cápsula, etc, virou lugar comum nas conclusões de inúmeros reviews.

Mas será mesmo que isso é um fato consumado? Ou, assim como a musicalidade confundida com a eufonia é que está causando esse erro de avaliação?

Se você confiar na minha experiência de mais de 2000 produtos testados nos últimos 30 anos, te direi que se trata de um conjunto de erros: critério, referência e metodologia de avaliação.

Pois o número de produtos que testei com um grau de neutralidade acima da média, ainda é pouco expressivo para se tornar otimista de que este seja o novo caminho traçado pelo mercado. Pois com o atual estágio tecnológico, ainda existem muitos obstáculos a serem vencidos, tanto na distorção quanto nas escolhas a serem tomadas, para sair abrindo a champanhe!

Fora as questões de impedimento técnico já mencionadas, temos a incerteza do quanto o audiófilo irá apreciar ter um sistema mais neutro. Pois certamente toda sua história foi moldada, hora por mais transparência de seus sistemas, hora por uma busca de maior macrodinâmica e, finalmente, por mais ‘musicalidade’.

E o mercado tem que se adequar ao gosto do freguês, se quiser sobreviver e prosperar.

Agora que nosso setup está ajustado, e conseguimos um maior grau de neutralidade, naturalidade e folga, tenho apresentado aos amigos mais próximos o resultado de todo esse esforço, e observo que de maneira geral as pessoas compreendem o que esse maior grau de neutralidade agrega de benefício à audição.

Mas deixo claro, após cada apresentação, que essa foi uma escolha profissional, pois no meu caso trata-se de uma ferramenta de trabalho acima de tudo. E que ampliar a neutralidade do sistema implica que as gravações estarão mais isentas da assinatura do setup. Deixando as gravações nuas, sem artifícios de suavizar ou ressaltar o que nelas faltam.

E para muitos isso parece ser um ponto negativo e não positivo.

Esse mesmo fenômeno ocorre quando as pessoas começam a frequentar a Sala São Paulo, e não tinham o hábito nem de ouvir música clássica e muito menos de assistir música não-amplificada. Ouço elas falarem de tudo, desde falta de peso nos graves, pouca extensão nos agudos, perda de foco e recorte, e por aí vai.

O que recomendo sempre a essa primeira impressão, é que insistam e procurem ouvir obras diversificadas com coral e orquestra, instrumento solo e orquestra, menores grupos sinfônicos, quartetos, solos de piano, etc.

E tenho reparado que, os que se mantêm firmes no propósito de insistir em ter a referência da música não amplificada, começam em questão de meses a questionar o ajuste de seus sistemas.

Pois ele percebe que quesitos como o timbre (que é o maior equilíbrio tonal possível), textura (em sua paleta de cores, intencionalidade e qualidade do instrumento e da virtuosidade do músico), corpo harmônico (o tamanho real dos instrumentos) e a neutralidade (a ausência do artefato eletrônico), moldam sua percepção auditiva, corrigindo conceitos falhos e gosto pessoal.

Insisto nessa questão há tantos anos, pois não consigo conceber alguém gastar tanto tempo e dinheiro em sistemas e nunca conseguir dar um salto qualitativo e chegar ao motivo inicial desse hobby, que é de ter um sistema que lhe permita apreciar a música como se estivesse nas melhores salas de espetáculo, ou junto na sala de gravação com os músicos.

Se você entender a importância de buscar uma Referência segura do que você precisa para fazer essa jornada, garanto que você será bem sucedido meu amigo!

Mas, para isso, você precisa finalmente entender que neutralidade, musicalidade, timbre e texturas corretas, você só irá conseguir se tiver ela presente em sua memória auditiva de longo prazo.

Guardada seguramente em seu hipocampo, e que cada vez que você ouvir um clarinete soando estranho em um sistema, você vai saber imediatamente o motivo de estar incorreto! Pois quando um clarinete, uma flauta, um oboé soam estranho, a oitava mais alta desses instrumentos agridem, soam duros, estridentes e, claro, desconfortáveis.

Por todos esses anos, eu agreguei esse fenômeno dentro do quesito equilíbrio tonal de nossa Metodologia, o que foi a maneira de tentar alertar vocês do que ocorre em um sistema torto.

Mas o buraco é bem mais embaixo, amigo leitor, muito mais embaixo!

Certamente terei que voltar muito mais vezes a este tão delicado tópico do timbre, e de seus harmônicos pares e ímpares, a importância de referências de instrumentos acústicos para o ajuste fino de sistemas e da neutralidade.

Não saiam daí, pois mês que vem tem mais!

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