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Opinião: É PRECISO SABER O BÁSICO PARA NÃO COMETER ERROS TOLOS – PARTE 7
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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Quando uma nova turma iniciava o Curso de Percepção Auditiva nível básico, eu sempre fiz questão de conhecer as expectativas e o que havia motivado aquele leitor a participar do nosso curso.

As múltiplas respostas sempre confirmaram o que eu imaginava que ocorreria após a apresentação de nossa metodologia: uma imensa nuvem de questionamentos e dúvidas.

Já disse aqui, nessa série, que o quesito mais complicado dos leitores entenderem sempre foi Textura, seguido por Transientes e em seguida por Corpo Harmônico.

O interessante, no entanto, é que com os exemplos de transientes e corpo harmônico as dúvidas se dissipam integralmente. Já a textura, como escrevi na edição passada, necessita de um pouco mais de compreensão e a possibilidade de se ouvir exemplos em sistemas bem ajustados para entender as diferenças entre um sistema com apresentação de texturas pobres e um sistema bem ajustado, e capaz de nos apresentar as mais sutis intencionalidades do evento musical.

Quanto ao quesito Transientes, eu sempre digo aos nossos leitores que ele é muito mais sentido quando está ausente do que quando está bem presente de maneira fidedigna.

E que a falta dele nos leva a sempre achar a música sem vida, letárgica, sem graça ou mesmo estranha.

E, melhor do que tentar explicar teoricamente o que são Transientes musicais, o ideal é sempre ouvir os exemplos para memorizar o que ocorre com ele bem reproduzido no sistema ou como é enfadonho ouvir esses mesmos exemplos em um sistema com uma resposta pobre deste quesito.

Para facilitar a vida de todos, coloco exemplos em que a resposta de transientes, para soar satisfatoriamente, terá que ser fidedigna ao que foi captado, gravado, mixado e masterizado.

E, para que funcione, precisamos das gravações corretas para ilustrar nossos exemplos.

E antes de passarmos à descrição desses exemplos, deixe-me falar um pouco de como os Transientes podem ser mal captados e gravados, dificultando sua apresentação em sistemas hi-end.

“Afinal, Andrette, o que é um Transiente?”

Para que todos entendam, imagine o momento zero de cada instrumento até o início da onda sonora. O famoso ‘pára e arranca’. Essa passagem é o Transiente. No entanto, é preciso saber que cada instrumento possui sua velocidade de sair do ponto inercial para o início da primeira nota. Sendo que uma caixa de bateria com a esteira fechada tem um Transiente muito mais rápido que uma nota de um instrumento de corda.

Tanto que, se você estiver a um metro de uma caixa de bateria em que o músico toca um fortíssimo na caixa, instintivamente seus olhos podem até piscar de tão rápido que é esse Transiente.

E o mesmo efeito não ocorrerá com o instrumento de corda. Mesmo que o músico também execute essa nota no fortíssimo.

Em um instrumento como o piano, os Transientes são ainda mais complexos, tanto pela assinatura sônica de cada fabricante, como também pela digitação do pianista. Você sabia disso?

Ou seja, é possível, em uma excelente gravação, ouvir a resposta de Transientes de pianos de fabricantes distintos. E também ouvir alterações da resposta de Transientes na digitação de pianistas com níveis de virtuosidade diferentes.

Acima, uma música em um andamento lento com pouca variação rítmica. Abaixo, uma música com grande variação
rítmica e nos transientes.

E temos um outro problema quanto a resposta de Transientes em gravações! A escolha dos microfones e do pré de microfones (e, que nenhum objetivista me ouça: também na escolha dos cabos de microfone).

Microfones condensadores têm maior sensibilidade para a captação de transientes que um microfone dinâmico. Claro que, com a evolução dos microfones, hoje em dia existem excelentes microfones dinâmicos que captam muito bem os Transientes, mas ainda persiste a regra nos estúdios, entre os engenheiros de gravação, que um bom microfone condensador irá fazer esse trabalho com segurança.

Os Transientes, de uma maneira mais simples e objetiva, são traduzidos como mais lentos ou mais rápidos. Isso serve tanto para os músicos e engenheiros de gravação discutirem a estética musical do trabalho que está sendo gravado, quanto para o audiófilo, quando está avaliando a resposta de Transientes de seu sistema.

Existe todo um glossário no universo do pro-áudio para tentar definir a qualidade dos Transientes. E alguns até foram repassados para o mercado hi-end como: ‘Blurred’ (borrado) em que a resposta de transientes é pobre, com uma ausência de definição ou desfocado ou simplesmente borrado. Ou ‘Punchy’, que significa boa resposta de Transientes com forte impacto no tempo e ritmo. E ‘Tight’, que se refere à boa resposta de transientes nos graves.

Quando ouvimos, por exemplo, Kashmir do Led Zeppelin, em um sistema com os Transientes ‘Blurred’, a música simplesmente soa ‘burocrática’, ainda que por exemplo o equilíbrio tonal, o corpo harmônico, estejam corretos.

OUÇA LED ZEPPELIN – PHYSICAL GRAFITTI, NO TIDAL.

E quando ouvimos em um sistema em que os transientes possuem ‘Punch’ e são ‘Tight’, a reprodução fica simplesmente eletrizante, nos prendendo do começo ao fim naquela base com o tempo precisamente marcado pela bateria, como se estivéssemos em transe.

Você já sentiu isso ao ouvir essa música?

Eu mostro, nos Cursos, em um sistema pobre em resposta de Transientes e, depois, em um sistema excelente neste quesito. A diferença é como dia e noite, meu amigo.

Mas não precisamos ir tão longe. Peguemos a faixa 1 – Spirits in a Material World da banda The Police, do disco Ghost In The Machine. Ouça atentamente a caixa da bateria, com a esteira fechada e perceba a velocidade, que nos faz piscar se estiver sendo reproduzida como foi captada e gravada. Esse é um exemplo para ser levado para tudo quanto é canto, por toda uma vida. Pois ela é matadora de sistemas com reprodução ‘equivocada’ de Transientes!

OUÇA THE POLICE – GHOST IN THE MACHINE, NO TIDAL.

E quer saber de algo incrível a respeito da resposta de transientes dessa caixa? Soa muito mais fidedigna no LP que no CD, que já soa muito melhor que no streamer! Então, quando você ouvir os objetivistas dizerem que o LP não poderia sequer ser considerado uma referência segura hi-end, coloque para eles ouvirem essa faixa em todas as mídias possíveis.

O meu querido amigo Homero Lotito, um mestre em Masterização, nos deu uma excelente entrevista na Edição 152, de dezembro de 2009, que eu sugiro que todos vocês leiam, em que ele vai até muito mais longe que eu em relação a importância dos Transientes para a percepção do som:

“É um fenômeno de caráter transitório que acontece rapidamente e é atenuado de maneira igualmente rápida. O interessante é que as informações de harmônicos e inarmônicos contidas neste curto espaço de tempo, alteram totalmente a percepção do timbre, e uma boa parte das inflexões dos instrumentos está contida nesses Transientes. Nosso ouvido é bastante sensível a eles”.

Não espero que você vá tão a fundo na questão dos Transientes mal gravados ou mal reproduzidos em um sistema hi-end, alterarem o timbre original do instrumento. Quero apenas que você se atente à questão das ‘inflexões’ dos instrumentos, pois com a capacidade do nosso cérebro perceber se houve ou não alteração desta inflexão, é o que importa para entendermos e avaliarmos os Transientes.

Pois o efeito que chamo da música ‘soar letárgica’, ou displicente, como se os músicos não estivessem dando o melhor de si na hora da gravação, é totalmente perceptível quando passamos os dois exemplos que citei, do Led Zeppelin e do The Police.

Inflexões erradas, borradas, nos darão a impressão que a música não foi bem executada.

Fechamos as notas deste quesito sempre com dois discos: o gravado pela Cavi Records em DSD – Canto das Águas, do violonista André Geraissati, faixa 5 – Banzo, em que ele faz uso de um violão com cordas de aço, e qualquer imprecisão na reprodução dos Transientes deixa a gravação completamente borrada e difícil de acompanhar. E que se transforma ‘milagrosamente’ em um sistema correto neste quesito.

E o outro disco é do grupo mineiro Uakti – I Ching, faixas 2 e 3, que novamente em um sistema com deficiência na reprodução de transientes, a apresentação é absolutamente sem graça e letárgica.

Quando não estamos bem familiarizados com este quesito, costumamos colocar a culpa na falta de ‘pegada’ no volume em que estamos escutando a música. Como se o volume estivesse ‘tímido’. E logo o ouvinte percebe que aumentar o volume piora ainda mais as coisas, levando-o a desistir de ouvir aquele disco.

“O que eu preciso fazer para ter uma boa resposta de transientes, Andrette?”

Primeiramente, entender na íntegra o quesito e, depois, aplicar em suas buscas pelo ajuste do seu sistema, gravações que tenham excelente resposta de transientes, e usá-las como se fosse uma bússola!

Pois um sistema pobre em resposta de transientes é chato, e nos desmotiva a continuar ouvindo música por longos períodos. E compromete a dinâmica de forma integral!

Ou seja: transientes ruins, macrodinâmica também ruim!

E, por favor, não me venha com a desculpa de que precisão, velocidade e timing não são importantes para você! Só se você ouvir apenas Canto Gregoriano, solo de Alaúde e crianças do jardim de infância tocando flauta boliviana!

Pois qualquer gênero musical possui marcação de tempo, e este tem que ser preciso o tempo todo.

E, por fim, outra consequência na reprodução de transientes pobre, é que passagens em que a música possui forte marcação de tempo, como o rock e o Blues, em sistemas deficientes a reprodução desses dois gêneros soará como freiras tocando no porão escondidas da madre superiora!

Mês que vem falaremos do quesito Dinâmica, e o quanto continua a ser a pedra no sapato do hi-end em pleno século 21.

Se cuidem e façam o dever de casa!

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