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Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Gosto muito de escrever esta seção, e mais prazer eu tenho em saber que as leitoras da AV Magazine a leem com grande interesse.

Sempre gostei de imaginar quem é a pessoa que está do lado de lá, e o que ela realmente quer que eu indique no Playlist do mês. Gosto desse desafio e procuro me esforçar ao máximo para agradar ao maior número possível de leitores, ainda que eu saiba ser esse objetivo impossível de realizar.

Às vezes se passam meses sem nenhum feedback de vocês, se as escolhas estão agradando ou não. E outras vezes recebemos dezenas de mensagens em questão de dias.

Sinto falta da Seção de Cartas dos primeiros anos dessa publicação, em que eram tantas, que tínhamos dificuldade até em selecionar as que seriam publicadas mensalmente. Cartas eram tão pessoais, tão humanizadas, escritas de próprio punho.

Hoje se resumem a mensagens quase telegrafadas, em que o mensageiro deixa claro que seu tempo é cronometrado, e que ele só deseja ser atendido em seu pedido e nada mais.

Não vejam essa minha abertura como um desabafo, pois se trata apenas de uma constatação. De que as pessoas que ainda arranjam tempo para solicitar algo, só esperam que seu pedido seja aceito e na maior brevidade possível.

Pois bem, atendendo ao pedido dos leitores Luiz Paulo, Josias Clement, Henrique Borges, Mário Valverde e Aluísio Santos, pesquisei três gravações recentes que além de artisticamente maravilhosas, sejam excelentes para avaliação de sistemas hi-end.

Na verdade, esses cinco leitores reclamaram que tenho dado maior ênfase à qualidade artística nas minhas Playlists, do que à qualidade técnica. Ainda que discorde dessa visão, preciso deixar claro que nosso objetivo sempre foi e continua sendo, compartilhar gravações que tenham sempre em primeiro lugar qualidade artística, pois gravações audiófilas com músicos ‘amadores’, nunca foi nosso forte.

Tinha para mim que essa tendência de selos audiófilos dos anos 90, em que a qualidade técnica era impressionante, porém a qualidade artística nos deixava frustrados, já havia sido superada. Principalmente pelo fato que atualmente temos centenas de gravações artísticas maravilhosas e muito bem gravadas.

Então não vejo razão para não compartilhar o que se tem de melhor nas duas pontas (artística e técnica). Mas, em respeito a esses cinco leitores, vou tentar me redimir, compartilhando três gravações lançadas esse ano que são divinas!

Espero que muitos de vocês apreciem.

OUÇA WYNTON MARSALIS – LOUIS ARMSTRONG’S HOT FIVES HOT SEVENS, NO TIDAL.

1- WYNTON MARSALIS – LOUIS ARMSTRONG’S HOT FIVES HOT SEVENS (2023)

A Orquestra Jazz at Lincoln Center foi formada em 2004, e tem como diretor artístico Wynton Marsalis desde sua fundação. Tem como objetivo formar novos músicos de jazz com inúmeras apresentações durante todo o ano, com transmissão desses eventos no You Tube, workshops e programas educacionais musicais que são retransmitidos para todo o país.

Segundo Wynton Marsalis, a missão do Jazz at Lincoln Center é realizada através de quatro princípios: educacional, curatorial, arquivístico e cerimonial, buscando divulgar e desenvolver todo o espectro da experiência do jazz.

Nos anos 80, a sala de espetáculos Lincoln Center estava procurando criar ações que atraíssem um público mais novo para o verão, já que nesse período as companhias de ópera residentes se apresentavam em outros lugares. Foi nesse período que os músicos de jazz fizeram lobby para incluir o gênero na programação de verão da organização.

Em 1991, foi lançado o plano piloto do Jazz At Lincoln Center, criando na sequência um departamento oficial, com produção de concertos em toda a cidade de Nova York, incluindo Brooklyn e Harlem.

O movimento cresceu, e no seu segundo ano, ganhou espaço na National Public Radio e na própria rádio do Lincoln Center, realizando turnês, gravando e vendendo discos. No seu quarto ano de vida, a orquestra passou a divulgar o jazz clássico na Ásia e Europa, com longas turnês nesses dois continentes.

Até que veio finalmente aprovação para a construção de uma sala de espetáculo totalmente dedicada ao Jazz. Wynton Marsalis conta que “Todo o espaço é dedicado à sensação de swing, por isso nós a chamamos de – casa do swing – pois tudo está integrado, com uma apresentação muito próxima entre os músicos e o público, pois é assim que o jazz precisa ser vivido”.

Assim, o engenheiro acústico responsável pela construção do novo auditório, chamado de The Frederick P. Rose Hall, ficou encantado com o desafio e projetou uma sala em que a clareza e o calor sejam preservados em sua totalidade.

Meu amigo, eu já indiquei dois ou três discos aqui nessa seção da Jazz at Lincoln Center Orchestra (JALC), e acho que não teve muita repercussão, pois não contei a história por trás dessas gravações fantásticas. Eis a chance de me redimir e chamar a atenção de vocês para o quanto as gravações nesta sala são primorosas tecnicamente, e como esse novo disco em homenagem a Louis Armstrong é fantástico!

É para ir ao banheiro antes (rs), depois desligar o celular, e pedir a todos entes queridos que ouçam juntos essa obra prima!

O jazz tradicional é um estado de comunhão, e merece ser compartilhado com o maior número de pessoas possível.

Wynton Marsalis está no auge de sua carreira, e sua técnica de uso de surdina é simplesmente única. Para os não familiarizados com esse objeto, a surdina é o dispositivo móvel ou fixo colocado na frente do trompete, que serve para alterar o timbre do instrumento de inúmeras maneiras. A virtuosidade de Wynton no uso desse recurso é toda apresentada nesta gravação memorável.

Aos que buscam uma gravação tecnicamente impecável para avaliação de equilíbrio tonal, textura, corpo harmônico e dinâmica, não precisam mais procurar.

OUÇA VINCE MENDOZA & METROPOLE ORKEST – OLYMPIANS, NO TIDAL.

2- VINCE MENDOZA & METROPOLE ORKEST – OLYMPIANS (BMG, 2023)

Acompanho o compositor, arranjador e maestro Vince Mendoza, desde que ele deu uma entrevista para Sound on Sound, e contou de sua preocupação com a qualidade das suas gravações, tornando-se um exigente acompanhador de todas as etapas de gravação.

Ele sempre explica aos engenheiros de gravação que irão trabalhar com ele, que seu acompanhamento e suas exigências se fazem presentes pelo fato de que suas composições precisam não só ser ouvidas, mas sentidas!

“Formas, ritmo, densidade, cor, são elementos que fazem parte do que estou tentando passar ao ouvinte, e preciso ser detalhista para fazê-lo”. Então ele se envolve em todas as etapas de pré produção, desde a sala de gravação, os microfones, posicionamento dos músicos na sala para a melhor resposta acústica, etc.

Acredito que ele possa ser o ‘terror’ de inúmeros produtores e engenheiros de gravação, que não gostem de ‘dividir os holofotes’, mas é assim que Vince Mendoza trabalha, e isso já lhe deu oito Prêmios Grammy e uma carreira extremamente variada, tanto como arranjador como maestro.

Seu novo trabalho contou com a participação das vocalistas Dianne Reeves e Cécile McLorin Salvant. Tudo nesse seu novo trabalho soa de maneira tão presente e tão folgada, que temos a impressão que será ‘pêra doce’ para qualquer sistema minimamente bem ajustado.

As aparências enganam, meu amigo, pois depois da calmaria, surgem as tempestades, ainda que nesse trabalho sejam ligeiras e pontuais. O que mais impressiona em seus arranjos, além do incrível bom gosto, é a facilidade de misturar o acústico com o eletrônico sem parecer forçado.

Mas esse efeito só será evidente e ‘confortável’ em sistemas que tenham realmente ‘garrafas para vender’.

Mendoza explica esse seu último trabalho da seguinte maneira: “Definitivamente sou exigente com o som. Se não houver uma ligação entre o som da seção rítmica e toda a orquestra, então o que criei não fará sentido. É um desafio, porque quando a seção rítmica fica presa no meio da orquestra, você realmente não conseguirá ser fiel à captação, e tudo soará uma bagunça nas caixas. Eu preciso que a gravação enfrente o desafio de ter ar, com um som orquestral adequado, sem perder o poder de uma seção rítmica”.

Quer melhor exemplo de intencionalidade, pensada nos mínimos detalhes, do arranjo a execução?

Vai encarar o desafio e ouvir esse disco integralmente em seu sistema para avaliação de textura?

Desejo a você e seu sistema toda a competência do mundo!

OUÇA LINOS PIANO TRIO – RAVEL: IN SEARCH OF LOST DANCE, NO TIDAL.

3- LINOS PIANO TRIO – RAVEL: IN SEARCH OF LOST DANCE (DEUTSCHE GRAMMOPHON, 2023)

Muitos leitores me pedem dicas de discos de música clássica que não sejam as do repertório popular. Que possam criar a ‘paixão’ por aprender a gostar desse gênero, e que funcionem como obras literárias compostas de ‘contos’, e não enormes ‘romances’.

Eu nesses casos sempre me atenho a pequenos grupos, como duos, trios e quartetos, que tenham a capacidade de induzir o ouvinte a seguir a melodia sem se assustar com a complexidade ou a virtuosidade existente na obra.

Traduzindo: o belo, em toda sua múltipla intensidade, apresentado de maneira singela.

E o que pode haver de mais belo e singelo que as obras de Maurice Ravel?

E que tal iniciar essa trajetória, sem sobressaltos, com um grupo como o Linos Piano Trio?

Sabemos o quanto é rico o repertório para piano da música clássica dos séculos 18 e 19. O Linos Piano Trio (piano, cello e violino), busca manter vivo e ‘atualizado’ esse rico repertório, trazendo arranjos primorosos.

Como fazem isso com tamanha maestria? Tratam cada peça como se tivesse sido escrita atualmente, o que lhes causa alguns problemas com os críticos de música ‘ortodoxos’, e uma enorme aceitação com um público que já não lê mais crítica musical.

O que acho interessante é que eles não alteram absolutamente nada que esteja na partitura, apenas a adaptam ao trio. Como eles afirmam em seu site: “Procuramos joias escondidas entre obras menos conhecidas, para lhes dar vida, e expandimos o âmbito do que um trio de piano, cello e violino pode fazer, criando novas transcrições para o nosso projeto Stolen Music”.

Se você não é um conhecedor do gênero, mas algo em você gostaria de dar essa oportunidade, comece pela faixa 5 – Pavane pour une infante, depois ouça o disco todo.

Essa é uma peça que o trio reduziu a partitura original feita para uma orquestra, para três instrumentos.

O resultado? Divino meu amigo, simplesmente divino!!!!!

Se você deseja uma outra gravação para avaliar o equilíbrio tonal de seu sistema, texturas e microdinâmica, sirva-se desta preciosidade

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