MUSICIAN – Bibliografia: EXPOENTES DA ÓPERA NO SÉCULO XIX: VERDI E WAGNER

MUSICIAN – Bibliografia: A ÓPERA NO SÉCULO XIX – PARTE II
junho 4, 2020
Teste 4: CABO ETHERNET LAN NORDOST LEIF BLUE HEAVEN
junho 4, 2020

Igreja de São Martinho - Dresden - Alemanha


Omar Castellan
revista@clubedoaudio.com.br

O ano de 2013 está sendo especial para o ‘universo’ da ópera – acontece a comemoração dos 200 anos do nascimento de Verdi e Wagner. Nas mãos desses compositores geniais, enredos por vezes grotescos receberam tratamento que os transformou em vigorosos ou emocionantes depoimentos sobre a condição humana em geral. Considera-se, convencionalmente, Paganini, Rossini ou Bellini como italianos, ou Beethoven, Brahms e Schumann como sendo alemães. Na realidade, antes da década de 1860, essas nacionalidades não eram conhecidas com esses nomes. A tendência à unificação começou com a necessidade de derrotar Napoleão. Seu exemplo, entretanto, inspirou outros, porque ele deu coesão à legislação e à administração da França, aspecto em que a Revolução tinha falhado em decorrência de dissensões internas. Evidentemente, Napoleão não poderia ter realizado o que realizou sem o amparo de uma nação unificada. O século XIX pode ser comparado a um vulcão em erupção constante. No turbilhão da década de 1840, duas nações se esforçavam para nascer: a Itália e a Alemanha e, bem cedo, Verdi e Wagner se identificaram com esse processo.

Ao norte, grande parte da Itália ainda estava sob o controle dos Habsburgos. Giuseppe Verdi (1813-1901), já em sua juventude, era um ardente partidário da independência e da unidade nacional, e sua música inicial deve sua popularidade a esse fato, tanto quanto ao vigor. Um exemplo é a estreia, em 1842, de sua ópera Nabuco, que provocou uma grande manifestação – naquela noite, a plateia chegou quase a invadir o palco. O ‘Coro dos Hebreus no Exílio’ canta seu anseio pela pátria na nobre melodia ‘Va, Pensiero, Sull’Ali Dorati’ (‘Voa, Pensamento, em Asas Douradas’). Pela feliz coincidência de que seu nome, Verdi, correspondia à sigla ‘Vittorio Emmanuele, Re D’Italia’ (Vittorio Emmanuel II era o rei da Sardenha na época), Verdi tornou-se o herói da época; assim, seu nome era escrito nas paredes das cidades como grafito, não somente por causa de sua música. Quando, finalmente, a Itália ser tornou uma nação, em 1861, relutantemente ele se tornou deputado do primeiro Parlamento Italiano, a convite do Conde Cavour.

Verdi já tinha ao seu dispor uma antiga e satisfatória tradição operística, a partir da qual poderia trabalhar. Não havia necessidade de reformar um meio do qual o público gostava e que constituía um veículo perfeito para os talentos. As suas óperas foram, e ainda são, um grande êxito tanto na Itália quanto em outros Países: nunca lhe ocorreu que devesse tornar-se um chefe artístico ou intelectual, pois se contentava em atuar como compositor, pronto a musicar, à maneira de um artífice. A fecundidade de Verdi era inexaurível: partindo de obras sumárias quanto à textura musical, e mais preocupado com a expressão do que com o estilo, ele aborda, com a idade, um domínio mais amplo; a sua ciência torna-se mais profunda, a sua inspiração se eleva. O primeiro ponto culminante da obra de Verdi é formado por três óperas, a que um crítico italiano chamou de a ‘trilogia popular’: Rigoletto, Il Trovatore e La Traviata (1851-1853). Em cada uma dessas obras-primas, uma heroína trágica morre por amor. Os três dramas acabam mal, porque as personagens ‘simpáticas’ são vítimas do destino. Contudo, é o seu sacrifício que provoca a emoção: a tragédia comove, ao invés de decepcionar, graças à sinceridade do lirismo de Verdi.

Rigoletto é o drama sobre um bufão deformado, atormentado por um duque cruel, cujo plano de vingança não dá certo e o destrói também. Ele corresponde a uma das criaturas mais expressivas e comoventes do teatro lírico. Seu enfezamento ridículo, sua determinação apaixonada, a exaltação vingadora e o desespero repercutem em cada um de nós. Comparados ao bufão, a maior parte dos heróis tradicionais parecem fantoches. Verdi sabia que sua partitura possuía um grande poder comunicativo, recusando-se até a véspera
da estreia a dar ao cantor a música da ária La Donna è Mobile, receoso de que ela se tornasse conhecida de toda Veneza da noite para o dia, antes de poder ser ouvida no teatro. Essa ária, de fato, fez o auditório delirar e, em breve, se tornou tão popular quanto
Verdi o suspeitara.

Il Trovatore (‘O Trovador’) é uma história romântica e sanguinolenta envolvendo irmãos há muito separados (que acabam amando a mesma mulher), a maldição de uma cigana (Azucena) e o golpe inexorável do destino. Parece um paradoxo, mas essa obra, verdadeiramente única no repertório lírico, pela riqueza de suas melodias, foi mal recebida pelos críticos que assistiram à sua primeira apresentação em Roma, alegando a penúria de lirismo. A época do ‘bel canto’ passou, gritaram. O que não puderam perceber, no entanto, foi que em ‘Il Trovatore’ a melodia não era menos rica e abundante que nas anteriores óperas verdianas, mas que havia adquirido nova personalidade em virtude de um tratamento dramático mais convincente. Além disso, a música muitas vezes ajudava a delinear mais claramente os personagens em cena; sob o ponto de vista musical, Azucena é a figura dramática mais viva e humana da ópera italiana até aquela época. O Coro dos Ferreiros é uma de suas partes mais excitantes.

O tema de La Traviata (‘A Mulher Transviada’) é sobre Violeta, uma ‘mulher com um passado’, morrendo de tuberculose, que renuncia com bravura ao amor de um homem mais jovem. A originalidade da obra deve-se ao realismo do tema. Em vez de fazer o público sonhar com grandes afrescos históricos, fantasias mitológicas ou aventuras de capa e espada de importação anglo-saxônica, Verdi o remete ao seu universo cotidiano e lhe apresenta um espelho pouco complacente. Alfredo e seu pai encarnam a burguesia do século XIX, com sua frivolidade frouxa, seu moralismo mesquinho e cruel. Por oposição, Violeta, a transviada, que se sacrifica por amor quando está condenada pela doença e pela sociedade, suscita, ao mesmo tempo, a piedade e a admiração. A música de Verdi descreve estados não apenas psicológicos, mas também físicos. São muitas as melodias e árias famosas da ópera, destacando-se o Brinde (do tenor), a ária do soprano ‘Ah Forse é Lui’ e os Prelúdios orquestrais do primeiro e quarto atos.

Na história da atividade criadora de Verdi, Don Carlo (1867) está no período compreendido entre ‘La Forza Del Destino’ (1862) e ‘Aída’ (1871), algumas vezes chamado de ‘período médio’ do compositor. A ópera é uma das duas que ele escreveu para a Grand Opéra de Paris. Há três versões: a original, cantada em francês (em cinco atos); a versão italiana, escrita em francês e traduzida para o italiano (em cinco atos); e a versão italiana (em quatro atos). Em francês, a ópera fica mais rica em matizes do que o italiano, que, por sua vez, é mais sonoro e concreto. Ninguém parece ter notado, na época, a grandiosa força da caracterização psicológica dos personagens; a crítica só registrou: ‘Verdi no caminho da Grande Ópera histórica de Meyerbeer’. O mestre sabia que não tinha sentido escrever outros ‘Rigolettos’ e outros ‘Trovadores’, que a ópera precisava de uma renovação. Procurou essa renovação em grandes assuntos históricos, menos românticos do que genuinamente trágicos. Baseada no drama de Schiller, a ópera tem como tema a revolta contra a tirania que varreu a Europa durante a época de Carlos V de Espanha, avô de Don Carlo.

O segundo ápice da obra de Verdi é Aída (1871), modelo de ópera romântica italiana. A encomenda de escrever uma ópera para as festas de inauguração do canal de Suez forneceu a Verdi um assunto histórico – um mundo remoto cujo estilo hierático serviu bem para disciplinar o romantismo inato do compositor. Seus personagens pertencem às mais altas esferas (duas princesas, um rei e um general), que são animadas por paixões violentas, instrumentação colorida, cenário grandioso, monumental e exótico, amplificado por massas corais impressionantes e realçado por balés. Apesar disso, trata-se de uma obra profundamente intimista. Mais uma vez, uma fatalidade pesa sobre o amor, e uma grande heroína oferece-se em sacrifício. Radamés, capitão da guarda do Egito, ama a escrava Aída, filha do rei da Etiópia. Radamés vai combater contra os etíopes e sai vitorioso, aprisionando o rei. Este persuade a filha a obter do guerreiro o plano de batalha, e Aída o consegue.

Descoberta a traição, Radamés é condenado a ser enterrado vivo, mas quando o túmulo se fecha, vê que Aída está com ele, preferindo morrer ao seu lado. Verdi consegue convencer os mais céticos de que se poderia amar a esse extremo, sem vulgaridade, sem melodrama e com uma genial espontaneidade. A mais famosa ária da ópera é certamente Celeste Aída, cantada pelo tenor; também bastante conhecidas são A Marcha Triunfal e a Música do Bailado. Os últimos pontos culminantes de sua obra são Otello (Verdi tem 74 anos) e Falstaff (tem 80 anos), duas partituras baseadas em Shakespeare, em um estilo totalmente novo – a aliança da língua e da música raramente tinha sido tão perfeita depois de Monteverdi.

Em Otello, a música de Verdi destaca a inocência de Desdêmona, o ciúme apaixonado de Otello e o frio calculismo de Iago, de uma forma que somente os melhores atores conseguem fazer brotar em Shakespeare. Contrariamente a algumas óperas de Verdi anteriores a Otello (1887), o libreto é de qualidade; Boito, poeta e compositor, reduz o drama de Shakespeare à sua intriga e o reconstrói com um conhecimento dramático excepcional em torno do personagem diabólico de Iago. A história do apaixonado amor de Otelo, o Mouro, por sua linda esposa, de raça branca, Desdêmona, e do ciúme louco, induzido por Iago, que o levou a desconfiar dela injustamente e a matá-la com suas próprias mãos e, logo depois, suicidar-se com um punhal, é demasiado conhecida para justificar uma pormenorizada repetição.

Inspirado pelo vivo e esfuziante libreto de Boito (baseado em As Alegres Comadres de Windsor, de Shakespeare, trocando personagens, e introduzindo cenas do Rei Henrique IV), Verdi combinou, em Falstaff, o senso cômico de um colegial com a graça e a sapiência de um Mozart. A gloriosa fuga final é um resumo de toda a obra; é, na verdade, uma maravilha de habilidade contrapontística e, no entanto, se acha tão impregnada de enfeitiçada melodia, de saudável e natural espírito, que um ouvinte inculto provavelmente a tomaria por um corriqueiro final alegre; essa ópera cômica apresenta seus atos em formas de sonatas e duplas fugas, o que, miraculosamente, só serve para torná-la ainda mais divertida. Consideradas como o apogeu do drama lírico italiano e da ópera-bufa, essas duas últimas obras constituem os modelos do futuro teatro musical nos dois gêneros. Aqui, o principal interesse reside mais na voz do que na orquestra, a qual, se bem que tratada de maneira imaginativa com um efeito dramático adicional, nunca rouba ao cantor o clímax que lhe cabe nem o obriga a um papel de importância secundária. O grande poder de Verdi está no vigor de sua melodia, muitas vezes de apaixonada intensidade, sempre de uma caracterização eficaz. As suas personagens são, acima de tudo, humanas, e nas suas canções falam com eloquência dos sentimentos essencialmente humanos. Pode afirmar-se que Verdi iluminou e vivificou com a sua música o drama de Shakespeare. A sua interpretação, talvez, seja mais italiana do que inglesa, mas é comovente e absorvente no teatro, sendo uma colaboração entre drama e música raramente conseguida na literatura da ópera.

Em suas óperas, Verdi não dá forma ao herói, mas às paixões de que é portador e vítima; seus personagens assemelham-se a nós – fundamentalmente fracos e iludidos, consequentes apenas nas suas paixões e não nos seus atos. Os homens e as mulheres na sua obra poderão ser despojados de suas exterioridades, dos rufos do século XVI, das túnicas egípcias, da armadura veneziana e dos trajes ciganos, mas ainda se encontram de pé a patética impotência de Rigoletto, o inabalável amor de Aída, a diabólica astúcia de Iago, o ciúme devastador e desvairado de Otello e a semilouca vingança de Azucena. Esses elementos, constantes na humanidade, Verdi os colocou na música e na ópera, representando a essência do drama lírico – a transliteração das emoções humanas do plano literário para a música pura. A morte do romancista Manzoni, a quem Verdi admirava profundamente, leva-o a escrever o Requiem, um pouco antes de suas obras-primas finais, e que é, talvez, o mais belo exemplo do gênero, superior ao de Mozart. No entanto, ainda viriam à luz as Quatro Peças Sacras para coro, austero testamento de um livre pensador que tinha o coração tão grande quanto o gênio.

Enquanto a Itália estava em revolta, o povo alemão também clamava por unificação. Richard Wagner (1813-1883), já famoso por O Navio Fantasma, Rienzi e Tannhäuser, acabou tão envolvido com os revolucionários, em 1849, que teve de fugir, indo primeiramente para junto de seu amigo Liszt, em Weimar, e de lá para Paris e Suíça.Esse exílio durou 13 anos. Na Suíça, ele completou Lohengrin, e começou a esboçar um texto para sua única ópera cômica, Os Mestres Cantores. Levou quase duas décadas para terminar a música. Por essa ocasião, a Alemanha havia se unido sob Bismarck para formar uma única nação. Com Wagner, o centro do mundo da ópera transferiu-se da Itália para a Alemanha. Considerado um dos maiores, senão o maior compositor teatral, ele se exprimia na linguagem dramática com a mesma naturalidade com que outros compositores escreviam música instrumental na forma sonata. Sua linguagem musical apresenta sutileza para caracterizar o personagem, com autenticidade de atmosfera, força dramática e incomparável capacidade para expressar os momentos culminantes. Seus libretos que escrevia eram repletos de boa poesia e de valiosos elementos teatrais, glorificando a mitologia e as lendas germânicas, apesar de não estarem à altura de sua música. Seus dramas musicais dominam com sua soberba majestade a música de ópera; nada existe semelhante a eles, tanto pela aspiração quanto pela realização.

Wagner criou sua própria forma dramática, e depois se dedicou a dotá-la de linguagem viva e veemente. Suas óperas correspondem a dramas musicais no melhor e mais exato sentido do termo – ele revolucionou o gênero, realizando a fusão das artes dramática, musical e cênica. Wagner baniu as insípidas convenções da cena lírica que prescreviam o uso de determinados números musicais, árias e conjuntos, e obteve um fluxo melódico integral que flui ininterruptamente do começo ao fim da ópera; simultaneamente, adiantou-se a Weber de uma maneira considerável, tornando o recitativo, que em suas mãos era um obediente instrumento da expressão dramática, a base da obra. Revestiu o libreto de dignidade e de verdade artística; conseguiu atingir a unidade por meio do hábil emprego do Leitmotiv, motivo musical dominante que serve para identificar personagem, cenário, emoção ou estado de espírito, e que é sempre repetido quando eles aparecem ou quando se faz referência. Wagner, também, deu à ópera um cunho sinfônico – sua orquestra é realmente um personagem central que interpreta, explica e salienta a ação passada no palco. Seu estilo musical é sempre amplo, elevando-se ao máximo para corresponder às exigências de suas teorias e conceitos, alcançando uma completa articulação e expressividade musical. Apesar de algumas fraquezas de seus dramas, mostrando-se prolixo, bombástico e pomposo, ou repetitivo nos monólogos destinados a explicar as minúcias do enredo, ele criou um mundo
encantado só dele – o mundo de Siegfried e Brünnhilde, de Tristão e Isolda, de Hans Sachs e Eva, de Parsifal e Kundry, que cativou os amantes da grande arte durante décadas e que ainda, por muito tempo, continuará a exercer seu poderoso atrativo e fascinação.

O Navio Fantasma (O Holandês Errante, 1843) foi composto em um período da vida de Wagner em que ele também era um errante, e é bem provável que tenha se identificado com o legendário navegador holandês condenado a vagar pelos sete mares, até encontrar uma mulher que o amasse até a morte. Tal como o comandante de O Navio Fantasma, Wagner procurava nessa época o repouso proveniente da estabilidade do País natal, e a paz e a satisfação que só podem ser obtidas quando se encontra uma boa esposa. A ‘Abertura’
da ópera é bem conhecida e contém o resumo da ação dela.

Enquanto O Navio Fantasma apresenta o conflito entre o ser superior e a sociedade em geral, Tannhäuser (versão Dresden, 1845; versão Paris, 1861) encarna o artista genial exposto à hostilidade de seus pares: os trovadores representam a arte oficial – arte estéril, estereotipada na convenção e submetida a uma moral farisaica. É uma ópera magnífica e apaixonante, com uma música carregada de sensualidade e de misticismo, que celebra o artista mártir. Na essência, Tannhäuser se ocupa do confronto entre o amor sensual e o amor espiritual. Entre as suas numerosas passagens memoráveis, encontram-se a ‘Abertura’ e a música do ‘Venusberg’, (frequentemente executadas juntas em concertos sinfônicos, sem interrupção), como também o ‘Coro dos Peregrinos’.

Lohengrin (1848) é uma das obras mais melodiosas de Wagner e contém, quer na parte vocal, quer na orquestral, alguma coisa do que ele de mais sentido e agradável produziu. É bom teatro e boa música. Representa muito mais do que uma ópera convencional: possui coerência, verossimilhança dramática e uma força que traz inconfundivelmente o cunho do mestre. O seu tema central é a procura, a que o homem se entrega, de uma mulher que nele confie implicitamente e que lhe seja fiel até o fim. Uma das mais inspiradas páginas de toda a ópera é o ‘Prelúdio’, verdadeira obra-prima que contém (nos violinos tocando em separado) um dos mais sublimes e persistentes arrebatamentos wagnerianos. A cena da ‘Marcha
Nupcial’ é, certamente, a mais famosa entre as existentes.

Tristão e Isolda (1859) pertence àquele gênero de música que não se julga nem critica; apossa-se inteiramente do ouvinte, penetra no mais profundo de sua alma, domina-o e o deixa exausto. A ideia fundamental da ópera é que a paixão tem direitos imprescritíveis, superiores a todas as leis e ao julgamento dos homens, desde que seja absoluta, fatal e disposta a aceitar a morte como único refúgio. Dentre as obras wagnerianas, é a mais apaixonada e melancólica. Nela encontramos o maior amor a que o mundo abrigou, e também a mais terrível situação imposta aos mortais – a vida é amaldiçoada. Sentimo-nos compelidos a desejar o nirvana, a ‘noite’, o aniquilamento da vontade. Verdadeiramente felizes são Tristão e Isolda, reunidos na morte, e desgraçado é o Rei Mark, que permanece entre os vivos! Dois excertos, o ‘Prelúdio’ e ‘Liebestod’ (‘Morte de Amor’), mostram o quanto essa música é arrebatadora e extática, mas a obra precisa ser ouvida completa para produzir seu efeito total.

Em Os Mestres Cantores (1868), podemos identificar-nos com os personagens, nos quais reconhecemos a nossa emoção e sensibilidade. E, sem que nada perturbe o nosso prazer, assistimos, encantados, ao triunfo do amor e da inteligência. Corresponde a uma comédia envolvendo dois jovens cujo amor triunfa sobre todos os obstáculos. A partitura é nobre e irônica, fresca e engenhosa, terna e poderosa. É a obra-prima dramática de Wagner. Não é difícil descobrir a mensagem que Wagner tinha em vista com esse tema – aniquilar aqueles que preconizavam a produção artística, prendendo-a a regras e fórmulas; mostrar que, com pensamentos independentes e liberdade, um artista pode criar grandes obras; e alvejar os críticos (ao traçar o perfil de Beckmesser, o personagem ‘espertalhão’ da ópera, ele tinha em mente o famoso crítico vienense Eduard Hanslick, antiwagneriano assumido; de fato, na versão original, esse personagem se chamava Hans Lick). Excertos bem conhecidos incluem ‘Prelúdio’, ‘Dança dos Aprendizes’ e ‘A Canção do Prêmio’; o segundo ato é uma obra-prima fascinante, autossuficiente, de comédia teatral em forma de música – uma amostra excelente da obra completa.

O Anel dos Nibelungos situa-se no passado nebuloso da mitologia germânica – um mundo crepuscular de heróis e deuses, anões e gigantes. A ruína dos deuses e heróis provém da luta que travam para possuir um tesouro de ouro, oculto no fundo do Reno. Como os deuses e deusas da antiga Grécia, os personagens de Wagner são, ao mesmo tempo, seres míticos, intemporais e pessoas comuns, reconhecíveis, que questionam, são sedentos de poder, apaixonam-se e morrem. Nesse ciclo de óperas, ele maximizou a sua inovação – o uso do Leitmotiv. Esse vasto épico musical (em média, 16 horas de duração, em quatro ‘noites’), iniciado em 1852 e terminado, após interrupções, em 1874, compõe-se de quatro óperas (‘Tetralogia’) que devem, em princípio, ser representadas em um único espetáculo. Os trechos mais conhecidos são ‘A Entrada dos Deuses no Valhalla’ (de O Ouro do Reno); a eletrizante ‘Cavalgada das Valquírias’, o comovedor ‘Adeus de Wotan’ e a ‘Cena do Fogo Mágico’ (de A Valquíria); o lírico e pastoral ‘Murmúrios da Floresta’ (de Siegfried); a ‘Viagem de Siegfried ao Reno’ e a ‘Marcha Fúnebre de Siegfried’, que correspondem a alguns dos melhores trechos orquestrais de Wagner (de O Crepúsculo dos Deuses).

Parsifal (1882) é diferente de qualquer outra das obras para o palco de Wagner – fala sobre os temas da redenção através do sofrimento, do tolo inocente (alguém cuja simplicidade lhe permite superar todos os obstáculos) e do contraste entre o amor profano (o amor físico entre homens e mulheres) e o amor sagrado (simbolizado pela busca do Santo Graal, empreendida pelo herói). Trata-se de uma obra sincera e comovente, e reúne em si todas as ideias e experiências de uma vida criativa. Pela inspiração dos temas, as óperas da Tetralogia e Os Mestres Cantores sobrepujam Parsifal; quanto à espontaneidade, ele é inferior ao Tristão e Isolda, no entanto, jamais é ultrapassado por essas obras na poesia e sutil beleza de sua música e no expressivo poder com que apresenta personagens, emoções, sentimentos e aspirações, concretizados no drama. Para muitos amantes do compositor, é a sua obra suprema; outros podem considerá-la um pouco séria demais, e preferir extratos, como, por exemplo, o ‘Prelúdio’ e a ‘Música da Sexta-Feira Santa’, do que ouvir a obra toda.

Wagner foi o gênio mais paradoxal de toda a história da arte. Movido por um orgulho delirante e pela consciência de estar incumbido em uma missão, mas limitado por um exacerbado egocentrismo, ele criou a própria lenda, compondo sua autobiografia e organizando metodicamente o culto à sua pessoa. Nada foi espontâneo nele, nem mesmo o amor. Voluntarioso, empreendedor, calculista e antissemita, sempre enganará a todos: suas mulheres, seus amigos, seu real benfeitor, a si próprio, a nós. No entanto, o que Wagner fez pela música foi fundamental; desde Mozart e Bach, a força propulsora da música ocidental apoiava-se na ideia de uma tonalidade básica. Uma peça musical, um movimento de uma sonata ou sinfonia, eram anunciados em uma tonalidade escolhida, o porto seguro para o qual a música devia sempre retornar, independentemente do quanto se distanciasse. Richard Wagner mudou tudo isso, porque sua música da maturidade não apresenta a tonalidade básica permanente, embora permaneça tonal – mesmo nas modulações febris de Tristão e Isolda. O que ele apresenta é um interminável fio de melodia correndo através de uma mudança ilimitada de tonalidades, semelhante à Alice no País das Maravilhas, quando atravessa todos aqueles espelhos e jamais volta. Assim, Wagner cortou as amarras da música ocidental, com consequências imprevisíveis.

DISCOGRAFIA SELECIONADA

Verdi
  • Prelúdios, Música de Balé e Coros de Óperas: Muti / Coro e Orchestra del Teatro alla Scala di Milano / New Philharmonia O. /
    Philharmonia O. – EMI 416728-2 (2 CDs).
  • Rigoletto: Kubelik / Scotto / Cossotto / Bergonzi / Fischer-
    Dieskau / Coro e Orchestra del Teatro alla Scala di Milano – DG 4775608 (2 CDs) ou Serafim / Gobbi / Callas / Stefano / Orch. y Coro del Teatro alla Scala di Milano – EMI 5645426 (2 CDs).
  • Il Trovatore: Mehta / Price / Domingo / Milnes / Cossoto / New Philharmonia Orchestra / Ambrosian Opera Chorus – RCA 74321 39504-2 (2 CDs) ou Cellini / Bjoerling / Milanov / Barbieri /
    Warren / RCA Victor S.O. / Robert Shaw Chorale – RCA 86643 (2 CDs).
  • La Traviata: Muti / Scotto / Kraus / Bruson / Philharmonia Orchestra – EMI 3192802 (2 CDs) ou Ghione / Callas / Kraus /
    Sereni / Orch. y Coro del Teatro alla Scala di Milano – EMI 556330-2 (2 CDs).
  • Don Carlo: Solti / Bengonzi / Tebaldi / Fischer-Dieskau / Ghiaurov / Bumbry / Orchestra and Chorus of Covent Garden – Decca ‘The Originals’ 4780345 (3 CDs).
  • Aída: Solti / Price / Vickers / Goor / Merrill / Orchestra e Coro del
    Teatro Dell’Opera di Roma – Decca 4782679 (2 CDs) ou Karajan /
    Tebaldi / Simionato / Bergonzi / McNeill / Wiener Singverein / Wiener Phil. – Decca ‘The Originals’ 4758240 (2 CDs).
  • Otello: Serafin / Vickers / Rysanek / Gobbi / Orchestra e Coro del Teatro Dell´Opera di Roma – RCA ‘Living Stereo’ 09026 63180-2 (2 CDs) ou Chung / Domingo / Studer / Leiferkus / Orch. et Ch. de L´Opéra Bastille – DG 439805-2 (2 CDs).
  • Falstaff: Karajan / Gobbi / Schwarzkopf / Merriman / Barbieri /
    Moffo / Philharmonia Orchestra and Chorus – EMI 948199-2
    (2 CDs) ou Giulini / Bruson / Ricciarelli / Hendricks / Terrani / Los Angeles PO – DG 4776498 (2 CDs).
  • Requiem e Quatro Peças Sacras: Giulini / Schwarzkopf / Ludwig / Baker / Gedda / Ghiaurov / Philharmonia Chorus and Orchestra – EMI 0852192 (2 CDs) ou Abbado / Gheorghiu /
    Barcellona / Alagna / Konstantinov / Swedish Radio Ch. / Berliner Phil. / EMI 557168-2 (2 CDs).
  • Obras Completas: Abbado / Bonynge / Chailly / Chung / Gardelli / Gergiev / Giulini / Karajan / Kleiber / Levine / Luisi / Maag /
    Marriner / Muti / Sinopoli / Solti – Decca 4784916 (75 CDs).
  • The Great Operas: Muti / Levine / Serafin / Pappano / Giulini /
    Mehta / Karajan – EMI 416745-2 (35 CDs).
  • Great Recordings: Leinsdorf / Cleva / Levine / Abbado / Schippers / Solti / Mehta / Hollreiser / Prêtre – Sony 88883703692 (30 CDs).
  • The Operas: Solti – Decca 4783705 (16 CDs).
Wagner
  • Aberturas e Prelúdios de Óperas. Idílio de Siegfried: Klemperer / Philharmonia Orchestra – EMI 567893-2 (2 CDs).
  • O Navio Fantasma (O Holandês Errante): Dorati / Rysanek /
    London / Tozzi / Liebl / Chorus and Orchestra of Royal Opera House Covent Garden – Decca ‘Double’ 460738-2 (2 CDs) ou Klemperer / Silja / Adam / Talvela / Kozub / BBC Chorus & New Philharmonia Orchestra – EMI 456470-2 (2 CDs).
  • Tannhäuser: Solti / Kollo / Dernesch / Ludwig / Braun / Wiener Staatsopernchor / Wiener Sangerknaben / Wiener Philharmoniker –
    Decca 470810-2 (3 CDs) ou Sinopoli / Domingo / Studer / Baltsa /
    Schmidt / Chorus of Royal Opera House Covent Garden /
    Philharmonia Orchestra (versão Paris) – DG 427625-2 (3 CDs).
  • Lohengrin: Kempe / Thomas / Grümmer / Fischer-Dieskau / Wiener Staatsopernchor & Wiener Philharmoniker – EMI 564652-2 (3 CDs) ou Abbado / Jerusalem / Studer / Meier / Moll / Wiener Staatsopernchor & Wiener Philharmoniker – DG 437808-2 (3 CDs).
  • Tristão e Isolda: Böhm / Windgassen / Nilsson / Ludwig /
    Bayreuth Festival Chorus & Orchestra – DG ‘The Originals’ 449772-2 (3 CDs) ou Pappano / Domingo / Dessay / Urmana / Chorus and Orchestra of Royal Opera House Covent Garden – EMI 966864-2 (3 CDs).
  • Os Mestres Cantores: Kubelik / Stewart / Janowitz / Kónya /
    Fassbaender / Bavarian Radio Symphony Orchestra & Chorus – Arts 430202 (4 CDs) ou Calig 5097(4 CDs) ou Karajan / Adam /Kollo /
    Ridderbusch / Staatskapelle Dresden – EMI 640788-2 (4 CDs).
  • O Anel dos Nibelungos: Solti / Wiener Philharmoniker – Decca 455555-2 (14 CDs) ou 478370 (17 CDs – edição de luxo) ou Böhm /
    Bayreuth Festival Ch. & Orch. – Decca 4782367 (14 CDs) ou
    Thielemann / Vienna State Opera – DG 4791560 (12 CDs + 2 DVDs) ou Janowski / Staatskapelle Dresden – Sony 886919154825
    (14 CDs) ou 88725462232 (14 CDs – edição de luxo).
  • Parsifal: Knappertsbusch / Dalis / Hotter / London / Bayreuth Festival Chorus & Orchestra (versão de 1962) – Philips ‘The Originals’
    4757785 (4 CDs) ou Karajan / Hoffman / Moll / van Dam / Nimsgern /
    Vejzovic / Berlin Philharmoniker – DG 413347-2 (4 CDs).
  • Complete Operas: Downes / Hollreiser / Sinopoli / Levine / Kleiber / Jochum / Solti – DG 479050 (43 CDs).
  • The Great Operas: Hollreiser / Klemperer / Haitink / Kempe / Sawallisch / Pappano / Karajan / Godall – EMI 9733592 (36 CDs).
  • The Operas: Solti – Decca 9733592 (36 CDs). 
  • The Great Operas from the Bayreuth Festival: Sawallisch / Böhm / Varviso / Levine – Decca 4780279 (33 CDs).
  • Wagner at the Met – Legendary Performances from The Metropolitan Opera: Reiner / Szell / Leinsdorf / Stiedry /
    Bodansky – Sony 88765427172 (25 CDs).
Em comemoração aos 22 anos da revista, selecionamos essa matéria da edição 193

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