Opinião: PLAYLISTS EM TEMPOS DE QUARENTENA

Discos do Mês: JAZZ, TRILHA SONORA & FOLK
abril 14, 2020
HI-END PELO MUNDO
abril 14, 2020


Fernando Andrette
fernando@clubedoaudio.com.br

Sou do tempo dos bailes de final de semana, regados a luz negra, estroboscópica e ponche. Rostos colados, beijos intermináveis, chiclete Ping Pong, calça Lee e camiseta Hering.

Já contei inúmeras vezes de como passava os meus sábados garimpando a compra de LPs em lojas como a Bruno Blois, Brenno Rossi e o Museu do Disco, e depois dávamos uma esticada à Rua Santa Ifigênia, para comprar caixas de fita cassete TDK, Sony e BASF. As fitas eram para gravar seleções musicais para as namoradas, amigos e familiares. Este ritual se repetiu da minha infância ao início do meu segundo casamento (já com 27 anos).

Não tenho a menor ideia de quantas fitas gravei para os amigos e familiares. Arrisco dizer que foram muitas. Feitas com enorme carinho, pois todos que as recebiam, sabiam da minha paixão pela música e meu gosto eclético. Quem misturaria Penderecki com Mozart sem ser execrado?

Claro que essas ‘liberdades’ eu só me permitia com amigos que também tivessem um gosto tão eclético quanto o meu. Eu tentava, dentro do possível, sempre surpreender, gravando coisas que não soassem estranhas ao estilo pessoal de cada presenteado, mas sempre buscando colocar algo que impactasse positivamente.

Lembro de uma querida amiga, apaixonada por música brasileira, que adorava cantores, os nordestinos, os de bossa nova, os dos tempos dos festivais da Record. Era difícil fazer fitas para ela, já que ela e o marido tinham uma bela coleção de discos. Sabendo que seu aniversário estava próximo comecei a separar os discos e peguei o disco do Taiguara que acabara de ser lançado, com produção do Wagner Tiso e arranjos do Hermeto Paschoal: Imyra, Tayra, Ipy. E coloquei a faixa Pianice, abrindo o lado A e B da fita. Ela e o marido adoraram! Tanto que acabei, duas semanas depois, dando o LP para eles de presente.

Hoje este é um disco de colecionador e vale uma pequena fortuna!

Nunca gostei do lugar comum, sempre fui inquieto e um eterno aprendiz. Dizem que quando ficamos velhos sossegamos – no meu caso ou ainda não senti a idade, ou serei uma exceção à regra. Pois nesses tempos de quarentena forçada, tive que reprogramar boa parte do meu tempo, e como estamos testando streamers (leia o Teste 2 nesta edição), fiz a assinatura do Tidal para poder testar os equipamentos e me deparei com um universo gigantesco de gravações e artistas que desconhecia até então.

Ainda estou garimpando para achar joias musicais desconhecidas, pois dos artistas que aprecio, tenho quase tudo, então nem quis perder meu tempo – e fui atrás do que o Tidal poderia me oferecer de novo.

Até agora são 456 discos, mas se a quarentena se estender por todo mês de abril, esse número deve dobrar facilmente. Como sou minucioso na escolha de gravações que não conheço, o processo é bem demorado, pois ouço o disco todo. Não gosto de ouvir apenas as duas primeiras faixas e decidir se vale ou não a pena colocar na lista de preferidos. E se cada disco tem em média 45 a 60 minutos, não consigo ouvir mais do que três discos por dia. Faço essas audições à noite, diretamente do celular, e com o meu fone de ouvido Grado SR325e. Geralmente essas audições começam tarde da noite, e se estendem até às duas da matina.

Achei algumas gravações artisticamente de alto nível e gostaria de compartilhar com os senhores.

Acredito que alguma coisa haverá de ser do agrado de vocês, e queria convidá-los para também compartilhar a playlists de vocês em uma página que será permanente a partir de maio. Será a Playlist do Leitor. Você só precisa selecionar dez discos que você está ouvindo e publicaremos todos os meses. Será uma forma criativa de nos conhecermos melhor, trocando informações musicais.

Claro que não irei colocar tudo que já selecionei, pois tenho a impressão que muito do meu gosto pessoal soará estranho para a maioria. Então busquei escolher discos que são mais palatáveis ao ouvido da grande maioria. Espero que vocês gostem – pelo menos de alguns.
Conto com vocês para criarmos este Clube do Ouvinte.

Que todos estejam bem e se cuidem – é o que desejo de coração!

O primeiro disco que escolhi foi do guitarrista Lee Ritenour: 6 Strings Theory. Ele convidou vários guitarristas de vários gêneros para duos, trios e até quartetos. Estão nele: BB King, Keb Mo, Satriani, Jonny Lang, etc. Todas as faixas são excelentes, com arranjos muito criativos e bom gosto. Um disco para ouvir a qualquer hora do dia.

O segundo é da cantora, compositora e pianista Aziza Mustafa Zadeh: Always. Vocês lembram dos primeiros discos da cantora e pianista Patricia Barber? Em que havia uma liberdade de improvisação e recriação de standards do Jazz, que nos surpreendiam pelo frescor e originalidade? Aziza é desta mesma escola, acompanhada por um quinteto em algumas faixas – e o grupo se mostra coeso e muito inspirado. Vale a pena ao menos para conhecer.

Nina Simone: Baltimore. Antes que você diga que já desistiu de garimpar discos da Nina Simone que sejam pelo menos razoáveis tecnicamente, dê uma última chance e vá direto a faixa 2 deste disco: Everything Must Change. Meu amigo, é de ouvir ajoelhado e com o lenço as mãos, pois é Nina Simone à flor da pele! Divino, em que Nina Simone nos entrega até a sua alma!

Outra gravação para nos fazer suspirar de emoção é Both Sides Now, de Joni Mitchell, com o acompanhamento de grande orquestra de cordas, como nos bons tempos das gravações de Frank Sinatra e Nat King Cole pelo selo Capitol. Para mim é o melhor disco da carreira de Joni Mitchell. Os nossos leitores mais novos (em termos de idade), certamente conhecem a bela canção A Case of You somente pela voz de Diana Krall, no disco Live In Paris. Que tal conhecer a gravação original, na voz de Joni Mitchell, em um arranjo deslumbrante? Toda a dor e a saudade em uma das canções mais belas de todos os tempos!

Já falei e indiquei discos do multi-instrumentista Otis Taylor – sua poesia e seus arranjos minimalistas cortam como uma faca o ar. Seu blues é cru e objetivo. Para quem não conhece, Clovis People é uma boa indicação.

Um disco para quem não aprecia música clássica, mas gostaria de ouvir algo que misturasse o clássico com o contemporâneo: o Quatuor Ébène (Quarteto Ébène) é um velho conhecido dos amantes do selo alemão Erato. Todo audiófilo tem uma ou duas gravações deste selo, pela excelência na qualidade técnica e artística (o disco Anhelo do cantor tenor José Cura tão citado em nossos testes é da Erato). O Quarteto Ébène convidou inúmeros músicos de jazz e gravou o belíssimo Eternal Stories e, para minha surpresa, o selo Erato comprou o projeto e lançou o trabalho. Primoroso! O único adjetivo digno para este disco.

Tenho dois CDs do pianista francês Jacky Terrasson: o primeiro disco de sua carreira, e um que ele gravou com a cantora Cassandra Wilson. Depois não acompanhei mais sua carreira. Pois bem, uma noite em que estava caindo uma tempestade eu estava esperando a chuva acalmar para ir deitar, vi que o Tidal estava me oferecendo para ouvir o disco Gouache. Dei play na primeira faixa: Try To Catch Me, e escutei o disco todo, e ainda antes de deitar, repeti duas faixas. Como ele evoluiu tecnicamente! Parece outro pianista. Melhor digitação, diminuiu a quantidade de notas nos solos, utiliza com genialidade o silêncio, suas composições ficaram mais limpas e criativas: uma verdadeira surpresa. Tanto que acabei colocando na minha coleção mais dois discos, que talvez fale deles em outra oportunidade.

Não poderia faltar nesta primeira lista o belíssimo disco Harmonize, do bandolinista Hamilton de Holanda com seu trio. Um disco para ouvir por horas, todas as faixas, para ter uma ideia do tamanho de sua virtuosidade e bom gosto. O quarteto toca como se fosse uma única célula musical. É tanta informação, que o nosso cérebro precisa ouvir cada tema algumas vezes para entender a genialidade dos arranjos e dos solos. Arrisco dizer que quem não gostar deste disco é doente do pé, rs!Outro disco intimista, que certamente agradará a todos que adoram duos, com dois virtuoses: falo do disco Heartplay com o baixista Charlie Haden e o violonista Antonio Forcione. Sente, abra um vinho e se estiver bem acompanhado nesta quarentena se aconchegue aos braços da companhia e ouça a faixa 1: Anna. De uma delicadeza e uma competência dos músicos em transmitir a emoção do tema, que nos seduz desde o primeiro compasso. Pode servir como uma bela declaração de amor, sem palavras!

Você quer saber o que se esconde por detrás da sonoridade de um violino Stradivarius? Então escute a coletânea Le Mystère Stradivarius, com o violinista Joshua Bell. São 28 faixas, para você entender o motivo de todos os melhores violinistas do mundo sonharem em se apresentar com um Stradivarius. Sua sonoridade não é apenas cristalina e precisa. Na mão de um virtuose como Bell, as obras se transformam em música dos deuses! Obrigatório, em minha modesta opinião.

E, para terminar esta primeira Playlist, reservei um dos discos de jazz mais impressionantes de todos os tempos. A Jazz at Linconl Center Orchestra, com o trompetista Wynton Marsalis: Live in Cuba. Todos os discos desta famosa Big Band são gravados ao vivo e muito bem gravados, afinal a banda só se apresenta nas melhores salas de concerto do mundo! Live in Cuba é simplesmente de tirar o fôlego, os arranjos são magistrais, cada músico participante é um virtuose em seu instrumento. Dúvida? Comece por ouvir a faixa 2: Baa Baa Black Sheep. Magistral é o adjetivo mais próximo para traduzir o que ouvirá.

Espero que algum dos discos que escolhi ajude-o a deixar a quarentena mais leve e emocionante.

Conto com vocês para montarmos o Playlist dos Leitores a partir da nossa Edição de Aniversário, em maio. Envie para fernando@clubedoaudio.com.br. Sempre com 10 discos e seu nome completo.

1 Comment

  1. Sérgio Ribeiro disse:

    Criei uma playlist no spotify com nome : sugestão da rev. Áudio e vídeo.
    Nela gravei os discos sugeridos e estou gostando muito.
    Obrigado por disponibilizarem obras musicais tão valiosas.

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